Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A divisão do Pará em segundo plano

O Brasil poderá ganhar mais duas unidades federativas no domingo (11/12), quando os eleitores do Pará decidirão através de um plebiscito se o Estado será dividido, dando origem a Tapajós e Carajás. Atualmente, a área do Pará representa cerca de 14% do território brasileiro, ficando atrás apenas do Amazonas. O novo Pará seria responsável por cerca de 56% do Produto Interno Bruto (PIB) do atual Estado, Carajás por 33% e Tapajós, 11%. A questão é complexa e atinge todo o Brasil, uma vez que poderá alterar os gastos públicos. Rico em recursos naturais, o Pará tem baixos indicadores sociais e graves problemas relacionados à posse de terra.

Um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que os três Estados já nascerão deficitários, com um passivo entre R$ 850 milhões e R$ 1 bilhão por ano. Os partidários do “Não” argumentam que regiões ficariam isoladas, o gasto público seria maior e o Novo Pará sairia empobrecido com a divisão. Para os que defendem a criação das novas unidades federativas, a administração seria facilitada e os recursos federais ampliados. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (6/12) pela TV Brasil discutiu o pouco espaço que a mídia nacional dedicou ao plebiscito e como a imprensa regional tratou desta consulta pública.

Alberto Dines recebeu dois jornalistas que têm larga experiência em coberturas políticas para discutir esta questão. No Rio de Janeiro, o convidado foi Aluízio Maranhão, editor de Opinião do jornal O Globo há dez anos. Formado na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maranhão tem mais de 40 anos de profissão e foi diretor de Redação do jornal O Estado de São Paulo. Kennedy Alencar participou por Brasília. Kennedy apresenta os programas É Notícia e Tema Quente na RedeTV!, é comentarista da rádio CBN e tem uma coluna no site da Folha de S. Paulo. Foi enviado especial às guerras do Kosovo (1999) e do Afeganistão (2001) pela Folha.

Debate além do Pará

No editorial que abre o programa, Dines sublinhou que a discussão em torno da divisão do Pará interessa a todos os brasileiros e não apenas aos paraenses. “Não cabe discutir se o separatismo ajuda ou prejudica a gestão. A questão está no próprio plebiscito que deveria ser estendido a todos os brasileiros – que, afinal, pagarão a conta durante os próximos anos – e não ficar restrito apenas aos paraenses. O Tribunal Superior Eleitoral esqueceu o contribuinte das demais regiões. Errou. A grande imprensa, tão aguerrida no combate ao desperdício de gastos, esqueceu que é uma instituição nacional”.

A reportagem produzida pelo Observatório entrevistou representantes dos dois lados da questão no Pará, em Brasília e São Paulo. O deputado federal Arnaldo Jordy (PPS-PA) ponderou que a divisão não resolverá os principais problemas vividos pela sociedade paraense. “O Estado do Pará é um Estado muito rico em minério, em recursos naturais, biodiversidade, em florestas, água e, portanto, energia. Contribui com mais de 50% do saldo da balança comercial brasileira. Achar que dividir o Estado, tornar uma unidade federativa menor, vai ser superador dos problemas é uma ingenuidade, no meu entendimento, e é por isso que nós somos contrários à divisão. O custeio dessas novas unidades federativas vai ser muito alto para superar a necessidade de investimento”, argumentou.

Para o também deputado federal Giovanni Queiroz (PDT-PA), a criação de dois novos estados no Pará é o maior projeto de desenvolvimento já elaborado para o Estado e a região amazônica. “Essa revisão geopolítica já deveria ter sido feita há mais de 50 anos. Os exemplos vivos de sucesso que nós temos mais recentes são a criação do Mato Grosso do Sul, desmembrando-se de Mato Grosso, e a criação do estado de Tocantins, desmembrando-se de Goiás. E isso foi formidável. O estado do Pará hoje é um estado que não tem capacidade de investimento e nem capacidade de ampliar o seu custeio. Não tem recursos financeiros para ampliar, nem para pagar o mínimo do salário, do piso salarial do professor”.

Mídia dependente

Na avaliação de Edir Veiga, cientista político da Universidade Federal do Pará (UFPA), o papel da imprensa é importante; no entanto, a neutralidade da mídia local precisa ser verificada. “Dependendo do veículo é muito complicado porque os dois maiores veículos [paraenses] no caso da imprensa escrita são sediados na capital e com grupos empresariais paraenses, locais. Agora, há outras fontes de informação que têm sido muito utilizadas pelos dois grupos – os blogs, a internet, os e-mails que a gente recebe. Tem outras fontes de informação hoje que, de certa forma, estão servindo de canal. Só que sem neutralidade. É impossível a neutralidade”, sublinhou. Carlos Augusto, professor de Economia daUFPA, criticou a postura omissa das elites políticas locais no debate público em torno da divisão do Estado.

O jurista Dalmo de Abreu Dallari criticou o pouco espaço que a mídia conferiu ao plebiscito. “É estranho que um fato dessa amplitude – a criação de novos estados, alteração da federação brasileira, um custo que vai além de 1 bilhão de reais que vai onerar toda a população brasileira – não seja notícia. Na verdade a grande imprensa está escondendo o fato, está escondendo a notícia, e isso só se explica por cumplicidade com aqueles que são economicamente e politicamente interessados na criação dos novos estados”.

Para cumprir o que está disposto na Constituição Federal, na avaliação do jurista, toda a população brasileira deveria ser ouvida no plebiscito. Dallari explicou que, quando a Constituição prevê a possibilidade da criação de estados, estabelece que o primeiro passo será ouvir através de um plebiscito toda a população diretamente interessada. “E o grupo local, que inclui grandes proprietários, chefes políticos locais, grandes mineradoras, este grupo não quer que todo o povo brasileiro seja ouvido. Quer que seja ouvido só o pequeno grupo situado naquela região que eles dominam”, disse.

Quem vota?

Para o jornalista Lúcio Flávio Pinto, autor doJornal Pessoal, newsletter quinzenal sobre as regiões Norte e Nordeste, ao dizer que os “diretamente interessados” têm que ser ouvidos no plebiscito, a Constituição qualificou os eleitores do pleito. “São aqueles que vão perder ou ganhar. Esse negócio de dizer que o país vai pagar é uma falácia. O fundo que hoje atende ao Pará vai ser o mesmo que vai atender Carajás e Tapajós, se forem criados os dois Estados, mas vai ser dividido pelas 27 unidades federativas”. Nós estamos vivendo a primeira experiência da história brasileira de um plebiscito para redesenhar o território, uma vez que as iniciativas anteriores se deram por escolha do governo ou consenso da população”.

No debate ao vivo, Dines destacou que, se a mídia nacional tivesse dado destaque ao plebiscito, poderia ter estimulado a imprensa local a tratar o assunto com profundidade e, assim, levar a população a votar de maneira consciente. Aluízio Maranhão explicou que temas como estes são cobertos pelas editorias nacionais, que estavam assoberbadas com os escândalos de corrupção na política. “Algumas matérias saíram sem sequência porque o noticiário político-policial cresceu. A posição do jornalO Globo do ponto de vista editorial é contra a separação. Agora, infelizmente, por uma questão de hierarquia do noticiário, acabou ficando em segundo plano um assunto importante”, admitiu o editor de Opinião de O Globo.

Maranhão destacou que este é um problema regional, distante dos leitores de outros Estados, mas que poderá ter reflexos além do Pará caso o Estado seja dividido. “Quem sabe, o dia em que nós, nos jornais, estivermos mais adestrados nas novas mídias, encontraremos formas de dar destaque no meio digital, e propagar por redes sociais, questões locais relevantes com implicações nacionais. Jornal é muito regional e geralmente tem nomes de cidades”, afirmou.

Descentralização

Kennedy Alencar concordou que houve uma disputa no noticiário entre o plebiscito no Pará e a sucessão de escândalos que derrubou cinco ministros do governo da presidente Dilma Rousseff. “A visão nacional da mídia é muito uma cobertura de Brasília. Um tema desses, que tem implicações na federação e é um tema importante, ficou em segundo plano pela mistura dessas duas coisas. Na hora de você fechar [a edição], Brasília está pegando fogo, o ministro pode cair, tem uma crise internacional grave acontecendo na Europa e aí ‘tem um problema lá no Pará…’”, lamentou.

Um dos mais graves problemas estruturais da mídia no Brasil, a concentração dos meios de comunicação, foi discutida neste Observatório. Dines comentou que a mídia precisa ser desconcentrada “de baixo para cima”, a partir dos veículos de pequeno e médio porte. “É lá no bairro que pode haver o grande debate. A imprensa começou comunitária, local. Mas, por outro lado, nós temos outro empecilho que são os coronéis eletrônicos que controlam certas regiões”, criticou.

Kennedy Alencar ressaltou que a partidarização da pequena e média imprensa no Brasil faz parte deste problema. Enquanto os grandes jornais têm um rígido controle de qualidade, os menores nem sempre estão preocupados em mostrar os dois lados de uma questão. “É uma imprensa que reflete muito a opinião do seu dono, da oligarquia local daquele pequeno grupo. A gente vê muito isso em pequenas televisões locais, que pertencem a políticos, jornais que pertencem a políticos”. A imprensa acaba sendo usada como panfleto para fazer valer determinados pontos de vista.

Com o crescimento de grupos de comunicação e a adoção de métodos de controle de qualidade, a discussão nacional tende a ser mais equilibrada, na avaliação de Alencar. A imprensa regional, mesmo em cidades com elevada densidade populacional, geralmente não é plural e apresenta baixo nível. “Com o Brasil se desenvolvendo, o Nordeste crescendo, o Norte também, você pode ter grupos de mídia independentes, ou que busquem cada vez mais a independência e a objetividade, e a gente pode equilibrar um pouco mais esse debate, que reflete essa concentração de poder político e econômico”, disse o jornalista.

Era digital

Aluízio Maranhão e Kennedy Alencar concordaram que as novas ferramentas de comunicação facilitam a democratização da informação. “Nós temos um grande empecilho – conteúdo custa caro. Conteúdo de qualidade, o mais isento possível. Não é barato contratar um bom jornalista. Ele tem que ser treinado, depois tem que apurar, ouvir todos os lados. Na internet, é muito fácil. O cara emite uma opinião muito parcial. É uma apuração muitas vezes não confiável”, alertou Alencar. Maranhão comentou que o avanço tecnológico facilita aspectos como paginação e edição de jornais, mas o conteúdo ainda é a chave para o bom jornalismo.

 

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Plebiscito para todos

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 622, exibido em 6/12/2011

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.

Belém continuará sendo a capital do estado do Pará, mas, dependendo do resultado do plebiscito de 11 de dezembro, o antigo Grão-Pará poderá encolher com a criação dos estados de Tapajós e Carajás.

Não cabe discutir se o separatismo ajuda ou prejudica a gestão, a questão está no próprio plebiscito que deveria ser estendido a todos os brasileiros – que, afinal, pagarão a conta durante os próximos anos – e não ficar restrito apenas aos paraenses.

O Tribunal Superior Eleitoral esqueceu o contribuinte das demais regiões. Errou. A grande imprensa, tão aguerrida no combate ao desperdício de gastos, esqueceu que é uma instituição nacional.