Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A era dos jogadores de plástico

A derrota da seleção brasileira para a França, no sábado 1º, talvez seja uma excelente oportunidade para se refletir sobre o quanto os meios de comunicação de massa podem manipular, ludibriar e até inverter a realidade. Desde o início do ano, a televisão brasileira bombardeou seu público com o tema Copa do Mundo. Segundo o clima e o tom reinantes na TV, a equipe brasileira parecia ungida por uma predestinação superior e não haveria nada para impedir a conquista da sexta estrela.

Porém, naquela tarde, a equipe da França, um time que foi menosprezado por muitos, acabou com as pretensões da seleção brasileira que não conseguiu se encontrar em campo. Longe de querer avaliar se a culpa foi de Parreira, se Ronaldo estava gordo ou se Ronaldinho Gaúcho não jogou o que se esperava, o que é importante analisar nesse episódio é como a mídia pode criar ‘mitos’ que se desmancham no ar, a relação muitas vezes terrível entre os meios de comunicação e, no caso, o futebol.

Sol impiedoso

O primeiro ponto a ser avaliado é o comportamento das redes de TV no campeonato mundial de futebol. A Copa do Mundo só é o que é porque os meios de comunicação de massa estão lá e tais meios adotam uma postura questionável na cobertura do evento. No Brasil, a Rede Globo, que tem a exclusividade na transmissão das partidas, levou uma equipe de mais de 200 profissionais para a Alemanha e o Jornal Nacional estava sendo transmitido quase que totalmente da Alemanha.

Repare como o dia-a-dia do brasileiro, de repente, passa a girar em torno do assunto futebol. Depois de uma enxurrada midiática de mais de seis meses, em que tudo parece orbitar ao redor do campeonato mundial – a ponto de, na falta de assunto, as bolhas no pé de Ronaldo virarem notícia –, não é de se espantar que o país pare nos dias dos jogos, o comércio feche, as escolas suspendam as aulas. De repente, os jogos da seleção se tornam um momento de catarse coletiva. Isso não seria nada demais se fosse apenas isso, afinal, desde que o mundo é mundo, a humanidade precisa de diversão, emoção e uma válvula de escape, mas o problema começa quando os interesses de anunciantes e empresários se colocam acima do respeito, da emoção e dos sonhos do torcedor.

Outra questão a ser avaliada na relação mídia/futebol é a mercadológica. A Copa do Mundo é um grande negócio. Segundo a própria Fifa, cerca de 250 bilhões de dólares giram por campeonato a cada quatro anos. A cifra chega a ser superior ao PIB de alguns países que participam do Mundial. Com tanto dinheiro correndo, não se pode desconsiderar que grandes interesses se formem ao redor do esporte. Como exemplo dessa relação muitas vezes nefasta entre mercado, mídia e futebol, na Copa do Mundo do México de 1986, os estádios pertenciam à rede de televisão mexicana Televisa e as partidas eram disputadas sob o sol impiedoso do meio-dia mexicano para que os principais mercados mundiais (especialmente da Europa) recebessem as imagens no horário de maior audiência e faturamento.

A lamentar

Nos 20 anos que se seguiram, a prevalência dos interesses de mercado e a transformação do futebol num dos maiores negócios do planeta fizeram essa relação se potencializar, a ponto de patrocinadores interferirem até na escalação dos times.

Que o futebol é uma paixão do brasileiro, não há dúvida. Mas os interesses que gravitam ao redor do esporte são ignorados pela grande maioria de torcedores. Se em política, os meios de comunicação são conhecidos pela criação de ‘políticos de plástico’ – aqueles que existem apenas em função da mídia e depois de eleitos não fazem mais nada pelos seus eleitores – quando o assunto é futebol, podemos dizer que a TV brasileira vive um momento em que é possível criar ‘jogadores de plástico’, e, talvez, até mesmo times inteiros.

Essa atitude dos meios de comunicação brasileiros é algo a ser lamentado, pois uma parte considerável do povo brasileiro tem no futebol um dos elementos de sua identidade, sem saber que, muitas vezes, há mais coisas entre os estádios de futebol e as antenas de TV do que sonha nossa vã filosofia.

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Produtor audiovisual, 29 anos, Espírito Santo do Pinhal, SP