Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A falta que fazem os profissionais

A discussão sobre o que talvez possa ser chamado ‘jornalismo blogosférico’ acaba de ficar mais substancial com a publicação do artigo ‘Amateur Hour – Journalism without journalists’, de Nicholas Lemann, repórter de mídia da New Yorker, na última edição da revista.

Ele lança um bem-vindo olhar crítico sobre o ‘jornalismo-cidadão’ de que fazem praça os 4 milhões de auto-intulados jornalistas entre os 12 milhões de blogueiros americanos.

Com o termo eles se atribuem uma superioridade ética na prática do ofício em comparação com os praticantes empregados na mídia convencional – pejorativamente chamada mainstream media ou MSM – tidos como arrogantes donos-da-verdade, cegos e surdos aos verdadeiros interesses da cidadania.

‘Cidadãos-jornalistas’, explica Lemann, ‘são supostamente amadores inspirados que descobrem o que acontece ali onde eles vivem e trabalham, e nos oferecem um quadro mais completo e rico do mundo do que o das organizações noticiosas tradicionais, ao mesmo tempo em que nos poupam da pompa e do exibicionismo que os jornalistas frequentemente ostentam’.

‘Esse é o catecismo’, ironiza o repórter, antes de fazer a pergunta incômoda: ‘Mas o que será que o jornalismo-cidadão de fato nos proporcionou?’

Cultura jornalística

Ele considera a sua própria pergunta difícil de responder, entre outras coisas por uma razão inesperada: o receio dos céticos de externar o seu ceticismo, por causa da capacidade dos crentes do bloguismo de tornar desagradável a vida dos críticos.

‘Até agora’, ressalta Lemann, nenhum ‘jornalista tradicional’ foi bobo de assumir e defender a idéia de pertencer a uma elite da qual cidadãos comuns são barrados.’ E dá uns exemplos da agressividade com que os blogueiros reagem a quem sugira, como o repórter John Markoff, do New York Times, que as novas tecnologias de informação conseguem destruir velhos padrões sem criar algo melhor para pôr no seu lugar.

E o que seria esse ‘melhor’? Um jornalismo à altura (ou quase) do caráter revolucionário do novo meio de comunicação. Não basta ao jornalismo blogosférico postular para si um elevado padrão no plano conceitual – a prática tem que confirmar a teoria.

Lemann recorre numa erudita comparação histórica com os panfletos e periódicos cheios de verve, ousadia e contundência que pululavam na Inglaterra no final do século 17 e início do 18, uma centena de anos antes do surgimento dos primeiros jornalões na ilha – o Times e o Guardian.

‘Pelo menos em parte’, prevê, ‘o jornalismo na internet também começará a se diferencial pelo tom, tentando soar responsável e digno de crédito, na expectativa de arregimentar um público maior e, possivelmente, pagante.’

Por enquanto, há de tudo na blogosfera, mas nada que já tenha alcançado o patamar de uma cultura jornalística rica o suficiente para competir a sério com a velha mídia – ‘para substituí-la em vez de complementá-la‘, diagnostica Lemann – e este leitor colocou a frase em itálico para assinalar a sua concordância com ela.

Jornalismo-cidadão

Nos Estados Unidos, as maiores proezas blogueiras foram acabar com a carreira do celebrado âncora Dan Rather, cuja equipe usou documentos duvidosos para provar que Bush não serviu de verdade na Guarda Nacional, no tempo do Vietnã, e derrubar Trent Lott da liderança da maioria no Senado, ao expor seus comentários racistas.

As violações dos direitos civis cometidas pelo governo Bush em nome da guerra ao terrorismo foram reveladas pelos jornalões à moda antiga e redes de TV, não por jornalistas da internet.

No Brasil, blogueiros furam de vez em quando a mídia convencional, na versão impressa ou eletrônica, e oferecem com freqüência pensatas mais numerosas e diversas do que as da imprensa no dia-a-dia.

Só quem nunca abriu um computador desconhecerá as contribuições da blogosfera brasileira para a disseminação de informações e opiniões sobre assuntos de interesse público. Mas nem por isso ela suplanta, ou substitui a velha imprensa. Se já não dá para passar sem ler um certo número de blogs, menos ainda dá para passar sem ler no mínimo um jornal por dia.

Lemann também dá ao jornalismo-cidadão os seus devidos créditos – até porque a modalidade ajudou a salvar a vida do pai e da madrasta dele, graças às informações instantâneas e corretas sobre como fugir de carro da New Orleans devastada pelo furacão Katrina no ano passado. ‘Mas, com o passar do tempo’, qualifica, ‘a melhor informação sobre por que o furacão causou tanta destruição na cidade veio mesmo de repórteres, não de cidadãos.’

Repórteres, procura-se

Em condições normais, o material produzido pelo jornalismo blogosférico não consegue provar que o cidadão pode se manter a par da vida pública sem a mediação de profissionais. Comparando ambições teóricas e resultados práticos, e transcrevendo exemplos sintomáticos, Lemann diz que é quase impossível não pensar: ‘Isso é a razão de tanto barulho?’

A internet não é hostil à categoria de informação chamada reportagem: potencialmente, acredita ele, é o melhor meio já inventado para informar.

A internet precisa ser aproveitada para se descobrir novas maneiras de apresentar material informativo – que, inevitavelmente, se transformará em material jornalístico robusto, ‘produzido por quem o faz em tempo integral’, aponta Lemann, ‘não por ‘cidadãos’ nas horas livres’.

A internet precisa atrair repórteres em vez de afastá-los, conclui, no que parece ser uma forma original de encarar a dicotomia jornalistas x não-jornalistas na blogosfera.

O artigo de Lemann pode ser lido aqui (em inglês).