Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A felicidade não está no computador

É um filósofo da web e um revolucionário, ainda que pese admiti-lo. Um homem que nos últimos dez anos tem estado imerso no ciberespaço em busca de respostas e que tentou encontrá-las com uma invenção que revolucionou a forma de produzir informação online. Possui a marca Wiki e não pretende desfazer-se dela.

Seu nome é Larry Sanger e é co-fundador da Wikipedia, ainda que seu ex-sócio Jimmy Wales se empenhe em negá-lo. Passa mais de dez horas por dia conectado à internet e afirma, com certeza, que ‘a felicidade não está no computador’. Mas, por outro lado, é cúmplice e testemunha de uma revolução sem precedentes em que, no futuro, todas as respostas poderiam estar ao alcance de um simples clique. ‘A felicidade não está no computador, mas a vida se move cada vez mais de forma online, de modo que alguns encontram a felicidade ali. Não há nada especial ou mágico com os computadores nem na web’, explica o também criador da Citizendum, um ramo da Wikipedia, a enciclopédia virtual que no próximo ano completará 10 anos.

‘Por culpa da web, temos a diminuição dos níveis de atenção e a má educação de nossos filhos, além do impacto da internet em toda a indústria. Entretanto, creio que no longo prazo, a humanidade superará os desafios pós-internet e encontrará a felicidade de uma forma conjunta tanto online como offline‘, disse Sanger, o filósofo, que há oito anos deixou seu próprio invento por diferenças com Wales.

O nascimento do conceito

É o personagem secundário. Ele teve a ideia da Wikipedia e pôs um nome nela, mas um ano depois desapareceu do projeto. A fama pertence a Jimmy Wales, o outro co-fundador que meses antes de criar a enciclopédia online era seu chefe na Nupedia, a antecessora da enciclopédia virtual.

Wales e Sanger conheceram-se online quando ambos eram estudantes de pós-graduação e organizavam debates filosóficos pela internet. Wales era um defensor fanático de Any Rand, a filósofa russa que promove o egoísmo racional, o capitalismo selvagem e o individualismo antes de tudo. Um objetivista com quem Sanger simpatizava, ainda que considerasse a si mesmo mais ‘crítico’ e cético, além de estar obcecado por René Descartes.

Viram-se em pessoa uma vez lá pela metade dos anos 90 e anos e, anos depois, Wales lhe ofereceu trabalho em sua empresa Bomis, onde seria editor-chefe da Nupedia. O projeto era longo e não avançava. Então, Sanger teve a ideia de criar uma Wiki, um site cujas páginas podem ser editadas por múltiplos voluntários e que tornaria mais dinâmica a criação de artigos. Daí o conceito Wikipédia. Sanger pôs-lhe o nome, escreveu quase todas as políticas da enciclopédia e manejou a comunidade durante o primeiro ano. Depois rompeu relações com Wales e este se gabou de ser o único criador.

Crescimento selvagem e falta de rigor

‘Jimmy Wales e eu nunca fomos realmente amigos. Nunca passamos tempo juntos depois do trabalho. Agora só recordo o sentimento de absoluta traição que senti quando começou a reclamar o crédito exclusivo da Wikipédia, inclusive fingindo ter feito grande parte do trabalho que eu havia feito para configurar o projeto’, assinala Sanger, que teve que regressar à sua bela casa em Bellevue e trabalhar dali, enquanto Wales fazia uma fortuna com a Fundação Wikipédia e formava o império online das wikis.

‘Já estou feliz, já superei quase tudo, levando em conta que a verdade saiu a reluzir.’ Inclusive a própria Wikipédia o reconhece como autor do invento que segue sendo uma referência para os investigadores online.

Há dez anos que isto se sucedeu e desde então a enciclopédia virtual, já sem Sanger, não para de crescer. Sua virtude, segundo ele, foi dar ‘um grande significado político, econômico e social às multidões anônimas online que estavam à procura de informação’. Mas o balanço não é todo positivo. ‘Certamente poupamos muito tempo de investigação, mas por outro lado, já há crianças que crescem com a ideia de que a Wikipédia é a fonte última de informação, em grande medida insensível às questões cruciais de viés, nuances e até mesmo precisão básica.’

Disse um realista, crente do senso comum, segundo Thomas Reid, que chorou com o final de A Felicidade Não Se Compra (It’s a Wonderful Life, de Frank Capra, 1946). Sua preocupação com o futuro da Wikipédia é seu crescimento selvagem e a falta de rigor dos conteúdos online, que já estão tendo um impacto na sociedade.

Felicidade é educar o filho

‘O objetivo da Wikipedia atualmente é a qualidade. Mas não creio que tenham a maturidade, o juízo e a estrutura governamental necessária para ter alta qualidade’, aprofunda.

O tamanho da Wikipédia é imenso. Aproxima-se de uma anarquia. O consenso é praticamente impossível, afirma Sanger. ‘O que os wikipedistas chamam consenso não é mais que o resultado de uma luta de poder, ganha pelos que têm a maior influência entre a multidão. Podemos prever que os resultados desta luta continuarão sendo com demasiada frequência vexatórios e danosos.’

A Wikipédia necessita de governo. Os problemas políticos e sociais chegam à rede. A enciclopédia caiu num turbilhão que, inclusive, obrigou Jimmy Wales a renunciar como administrador no ano passado. E quanto mais cresce, mais incontrolável é. Para seu criador, trata-se de um grande invento que necessita aperfeiçoamento.

Se uma pequena porção de felicidade pode ser encontrada online, ali também existem dezenas de rancores, conflitos, desorganização e vinganças. Larry Sanger poderia ser considerado como um detrator daquilo que ele mesmo construiu.

Para ele, a felicidade não pode ser encontrada ainda em uma máquina. As relações pessoais são a resposta e, por isso, seu maior entretenimento hoje em dia é educar seu filho em casa. Todos os dias lê para ele, de aulas de matemática a história, e lhe prepara a comida. Depois toca o violino e passa a maior parte do dia em casa. Não consegue escolher um escritor favorito. Adora as enchiladas e tudo mais da comida mexicana, assim como ver televisão de vez em quando. ‘Um dia’, disse, ‘estes tipos de coisas se combinarão com a rede para fazer-nos felizes. Mas ainda não chegou o momento.’