Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A hora da integridade

Está mais do que na hora de a imprensa rever seu papel e prática. Nós, comunicadores, buscamos solucionar problemas diversos nas empresas, corporações, no dia-a-dia interno dos que fazem funcionar uma engrenagem institucional. Cabe-nos fazer o vínculo entre interesses sociais e interesses empresariais da mídia, completamente afetados pelos interesses das oligarquias políticas e econômicas, que sempre conduziram este país, e, neste momento, estão em polvorosa diante de um metalúrgico no poder, fazendo de tudo para que ele, por mais que suas intenções sejam boas, voltar a apertar parafusos em qualquer indústria, desde que não seja a política. O que eles não esperam é que a imprensa dê uma invertida no processo, e realmente aproveite a crise para se rever e dar uma resposta à sociedade bem mais profunda do que poderiam imaginar os homens-bomba, criados pelo sistema pré-eleitoral.

E nós, comunicadores, boas pessoas que um dia sonhamos em mudar o mundo, ficamos alguns seduzidos, outros afetados, outros temerosos, outros servis, outros, menos ingênuos, céticos a tudo e todos, antenados com o que há de vir. E com a pauta do dia!

É neste contexto que, como comunicadora, estou buscando alternativas reflexivas, que nos permitam respirar e absorver parte deste conteúdo denso sobre o nosso momento. Qual não foi minha surpresa ao me dispor a assistir a mais uma palestra no Centro Universitário Newton Paiva, com um doutor em Comunicação, professor da USP, sobre tecnologias aplicadas à educação, ou algo assim, e me deparar com um banho, banho de decência!

É isso mesmo! Ainda que a palestra tenha vindo permeada de deliciosos rompantes de palavrões, que, a outros intelectuais, escandalizariam, foram exatamente estes rompantes que permearam o melhor mergulho que já fiz nos últimos tempos sobre o fazer comunicação e fazer-se comunicador.

A palestra do professor-doutor Ângelo Piovesan, PhD em Education and Tecnology pela Universidade de Indiana (EUA), professor-titular do Departamento de Cinema, Televisão e Rádio da Escola de Comunicações e Artes da USP, com o tema ‘O uso da tecnologia na educação’, foi marcada por, digamos, revelações. Para mim, pelo menos, parece a melhor definição. É como se abríssemos um baú de infância e fôssemos retirando conceitos, valores, objetos que aparecem agora com novo encantamento, razão de serem e estarem ali.

Hora do plaft

A primeira delas, e mais impactante, principalmente na forma inteira como se posiciona o professor, foi a afirmação de que há necessidade de haver integridade na comunicação. É algo antigo e óbvio. Mas o detalhe é que a integridade, aqui, não tem nada relacionado a preconceitos, estilos ou lisura de caráter, pura e simplesmente. Tem muito mais a ver com o indivíduo ser o que é por inteiro, sem falácias. Para Ângelo Piovesan, o comunicador não pode falar de algo com o qual o coração não concorde, que a mente trama armadilhas contrárias e a mão busca o sentido bem oposto. ‘Não convence. Simplesmente, não convence. Nos desfaz por inteiro, em algum momento vai nos dar sensação de vazio, de desrespeito por nós próprios. A mão, a mente, o coração e a fala têm que estar sincronizados na mesma direção’, afirma.

Portanto, se vamos brigar contra a corrupção temos que fazer no mais íntimo e profundo do que temos conhecimento: a corrupção sempre existiu neste país! Lutar contra ela exige mais do que lutar contra um poder instituído, contra o factual de cada dia. É lutar contra vícios, diante dos quais temos sido subservientes há muitos anos. E, em muitos casos, até coniventes.

Para Piovesan, o todo de mim precisa tocar o todo do outro. E o que há muito por aí, hoje, é a bendita tolerância. ‘A tolerância, que beira a falsidade, é somente balela. Se seu chefe tem mais poder que você e o tolera, pode saber, isso significa que na hora em que puder, se você sair da linha, vai lhe dar o troco, lhe desfazer de seu posto e plaft!, lhe dar um belo pontapé!’, afirma Piovesan, gestualmente convincente.

Será que é assim que a oligarquia hoje está reagindo? Hora do plaft, afinal não estou mais mamando nas tetas do governo… Diante de quantos outros escândalos nós da mídia fomos ‘tolerantes’, temerosos e inoperantes?

Sem piedade

Outra grande revelação desta palestra que me remeteu a tantos questionamentos atuais é que, para enfrentar isso tudo, o comunicador tem que se preocupar com a comunicação consigo próprio, sua coerência com ele mesmo, para depois querer fazer comunicação com o outro. ‘É preciso ter o que dizer, ter posicionamento como pessoa. Aquele que corrompe num milhinho vai corromper-se por um milhão, e vice-versa. Portanto, o meio não é nem bom nem ruim. Quem faz o meio é o conteúdo. E quem produz o conteúdo são os comunicadores. Aí está o desafio de fazer diferente’, sustenta.

E o que nós, comunicadores, temos feito? Palavras benditas ou malditas? ‘Somos senhores de nós, sentimos o pulsar da vida, influente sobre todos os processos individuais, sociais, históricos aos quais estamos relacionados? Temos usado as palavras para construir ou para destruir? Tenho feito a minha parte como indivíduo não-governamental? ‘Se eu vibro sou um ING (indivíduo não-governamental), que abraça causas sem motivo pessoal, apenas porque vibro, porque posso fazer mais, diferente, coerente comigo’, enfatiza Piovesan. ‘Aí, as pessoas me respeitam, pelo menos, pela audácia de ser e me posicionar como sou, com o que penso!’

Ele também tem razão quando diz que é preciso ter o que dizer, porque, lembra bem o professor, para a ignorância não há piedade. ‘Uma criança se queima na panela quente porque era ignorante sobre os efeitos que causava a sua pele. Não tem outro jeito, se queima mesmo. Depois disso, vai reagir de outra forma, mas a ignorância, em qualquer momento, é imperdoável!’

O todo maior

‘Se nós da mídia nos mantivermos ignorando o passado de corrupção, tentando lavar a alma numa outra CPI, este momento não passará de um jogo político de retomada de poder. Mas, como creio, estamos vivos, precisamos comunicar com integridade, por inteiro, pois a comunicação marca todo o processo e caracteriza quem está vivo e quem está morto. Invente um jeito bacana de fazer sua energia vital agir, pois se você não fizer algo, não falar algo bem dito, os comunicadores ruins (inescrupulosos que estão por aí, se vendendo, se corrompendo) vão continuar a espalhar maldições por toda a parte. Porque você se recusa a viver, a ser!’, insiste o professor.

É por esta razão que resolvi fazer algo: depois de ler Alberto Dines, contar em poucas palavras o muito que este ser cheio de energia nos trouxe na manhã fria de junho: muito calor e dicas. Claro que tivemos uma porção de teorias relacionadas às tecnologias da educação, como previa o título da palestra. Mas o mais importante foi nos remeter à indesvendável tecnologia humana, responsável pelo conteúdo, pelo funcionamento das engrenagens, pelo convencimento, pela mobilização, pelas mudanças.

Por esta razão, fica meu pedido para que a mídia se autoquestione enquanto faz a história. E não são os meios não, que não são nem bons nem ruins. Somos nós, comunicadores íntegros da imprensa, que acredito existirem muitos, que temos que ter em mente que o todo é sempre maior, que há sempre possibilidades de reaprender a fazer, o mesmo que sinto, que penso, que falo e assim ajudar este país, as instituições, a sociedade, a refletir melhor e desvendar seus próprios caminhos e as melhores alternativas para se caminhar.

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Jornalista, radialista, especialista em marketing, professora nos cursos de Jornalismo, Relações Públicas e Turismo do Centro Universitário Newton Paiva