Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A hora de honrar as mulheres

A imprensa, preocupada com o fato de Dilma Rousseff ser apenas uma continuidade do governo Lula – ou com a roupa que ela vai usar na posse (um assessor recomendou que ela deixe um segundo vestido de reserva no Palácio do Planalto) –, não está destacando o ponto mais importante do dia 1º de janeiro: Dilma faz questão de desfilar sozinha em carro aberto.

Embora nunca tenha se declarado feminista – o que talvez diminuísse os votos que os fãs de Lula transferiram para ela –, esta decisão da nova presidente é um bom sinal. Sinal de que, quando disse que seu governo vai honrar as mulheres, estava falando sério. Na composição do ministério, não conseguiu, ainda, colocar tantas mulheres quanto, aparentemente, gostaria. Mas vai dar um tom especial à posse, desfilando sozinha em carro aberto e tendo como segurança seis mulheres. Se ela quer sinalizar alguma coisa, está indo em bom caminho.

Talvez a presidente queira dizer que – embora tenha chegado lá pelas mãos do Lula – de agora em diante estará só. Se não for isso, pelo menos estará dizendo às milhões de mulheres brasileiras que são chefe de família e criam filhos apenas com seus próprios recursos, que mulheres são capazes de governar suas próprias vidas e podem ter um relacionamento de igual para igual com seus parceiros.

Honrar o passado

A mensagem não poderia vir em melhor hora, se consideramos que na semana passada – poucos dias antes de o país passar a ser governado por uma mulher – a mídia noticiou mais dois casos de violência contra mulheres: uma que foi morta pelo ex-namorado e outra esfaqueada, também pelo ex. Quem sabe, no governo Dilma, as leis e a proteção às mulheres fiquem mais rígidas e evitem que esse tipo de caso continue sendo notícia. Oxalá as trabalhadoras mais pobres finalmente tenham alguém que se preocupe com a igualdade salarial das mulheres com os homens. Mas, quem sabe – e isso é o mais importante – as próprias mulheres se sintam mais fortes para exigir seus direitos.

Se nas grandes cidades a situação das mulheres melhorou muito desde o tempo em que a revolucionária Dilma entrou para um partido clandestino, foi presa e torturada, no interior – especialmente na área rural – a situação das trabalhadoras vai de mal a pior. Além de ganharem menos, provavelmente porque produzem menos, têm que cuidar dos filhos, têm a saúde debilitada por falta de um bom atendimento médico e acham que tudo é normal, que a vida é assim, ou que foi o destino que Deus traçou para elas.

Com toda a força que o presidente Lula está fazendo para se manter sob os holofotes, há esperanças de que em algum tempo ele seja apenas o ex-presidente. Claro que na cerimônia de posse vai haver choro, abraços comovidos, mas se a imprensa agir como de costume, dois ou três dias depois da posse Lula vai virar passado, até cair no esquecimento. E aí vamos ter a chance de ver se Dilma Rousseff, honrando as mulheres e honrando seu passado, vai mostrar a que veio.

Tomara que ela esteja sinalizando – com o desfile em carro aberto – que é muito mais do que uma criatura ungida por Lula para governar por quatro anos enquanto ele prepara uma volta triunfal. E tomara que a imprensa faça o seu papel – não esqueçamos que ela disse ser a liberdade de imprensa uma prioridade –, analisando, criticando, sugerindo. Passado o endeusamento de Lula, oxalá o Brasil tenha finalmente um presidente mais preocupado com o país do que com sua glória pessoal. E que esse presidente seja a primeira mulher no cargo.

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Jornalista