Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A hora dos ruminantes

Primeiro quiseram deixar a impressão de que havia açodamento e má intenção. Depois, trabalharam para denunciar o que seria uma conspiração contra a liberdade de expressão. Medalhões da imprensa insurgiram-se, bateram no peito, uivaram; políticos proprietários de veículos de comunicação despiram-se de seus interesses políticos e de quaisquer objetivos financeiros e macaquearam. A categoria convulsionou, dobrou-se sobre si mesma e discutiu suas vísceras. Importantes setores da sociedade se alinharam à proposta, debateu-se muito por todo o país. Um novo documento foi elaborado, absorvendo as contribuições para o seu aperfeiçoamento. Raposas e ratazanas esgueiraram-se nas sombras e pressionaram o governo; acordos com outros roedores foram selados para sacramentar a degola.

A Fenaj e os sindicatos, em especial o de Santa Catarina, nunca se furtaram a discutir os pontos do projeto, seu mérito e seus encaminhamentos. A proposta inicial, encaminhada ao Congresso Nacional em agosto, não era nenhuma novidade. A grande imprensa cobriu a entrega oficial do documento em abril, estrategicamente ignorando a ocasião e dando mais importância a declarações desastradas do Planalto. Sem contar o fato de que a categoria discutia o assunto em seus congressos nacionais há anos, sem sigilo ou pressa.

Bombardeada por todos os lados, a nova diretoria da Fenaj liderou um conjunto de atividades que esmiuçou o projeto, apresentando-o aos desavisados e debatendo com quem se interessasse. Em novembro, uma nova proposta, com o aval da OAB e contemplando as principais reivindicações colhidas em todos os estados brasileiros, foi entregue aos líderes no parlamento, que tergiversaram. Fez-se de tudo, nos últimos tempos, para sepultar o desejo dos jornalistas de melhor se organizar, de mais eficientemente fazer prevalecer a ética. Em quatro meses, foram muitos os tremores provocados pelo projeto de lei que cria os conselhos de jornalismo. E foi por isso que a proposta foi atacada, rechaçada e sepultada no último dia 15.

A lealdade canina aos interesses privados e a inércia bovina frente aos grandes problemas nacionais atravancaram a evolução do projeto do CFJ. Como no romance fantástico de José J. Veiga, o país foi invadido por misteriosas hordas de cães e bois. Claro, há também as serpentes das comissões, as traíras dos corredores, as marmotas de gravata… Como em ‘A Hora dos Ruminantes’, o país assiste a uma série de acontecimentos inexplicáveis, carimbados pelo cinismo e pela sanha sem vergonha de concentrar o poder. Pela mentira e pela desfaçatez.

Apesar dos cães sarnentos e das vacas sagradas, a sociedade não se limita a uma matilha que se contenta com o que lhe atiram do alto da mesa. Nem se confunde com o gado, que paciente e ignorante, segue para o matadouro. A sociedade quer mais. De políticos e de jornalistas.