Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A internet pode derrubar o regime?

Cuba não para de suscitar debates apaixonados entre os que defendem a revolução que completou 51 anos neste 1° de janeiro e os detratores do regime socialista instalado pelos revolucionários de Sierra Maestra. Analisar o país com isenção é um desafio, pois dependendo da ideologia do analista, Cuba pode ser vista como inferno ou paraíso.

Acabo de chegar de Havana, encontro Paris sob um frio glacial. Mas a edição da revista Le Monde Magazine, o excelente suplemento semanal do jornal Le Monde, de 9 de janeiro de 2010, me leva de volta a Cuba.

Um enviado especial à Ilha, Benoît Helme, relata uma success story: a da cubana Yoani Sanchez, autora premiada de um blog chamado Generacion Y, inspirado por pessoas que, como ela, têm nomes começados por Y, nascidas em Cuba nos anos 1970 e 1980. O título da matéria diz: ‘Pasionaria du Net à Cuba’. Nunca tinha ouvido falar de Yoani Sanchez, mas por acaso conheci em Havana uma jovem filósofa cubana cujo nome também começa com Y e lembra mais os do leste europeu que os de língua espanhola.

A web consagrou o blog de Yoani, escrito na Ilha, contando as misérias do regime que ela abomina. Apesar de considerar que vive numa verdadeira prisão, Yoani consegue ter seu blog editado em 18 línguas e lido por 14 milhões de pessoas por mês. No texto da entrevista feita por telefone ela se queixa de falta de liberdade. E explica: tudo passa, segundo ela, pela Alemanha, para onde envia seus textos por e-mail para contatos que editam a página web desdecuba.net e de onde lhe enviam os comentários dos internautas também por e-mail. Yoani é uma star da web. Lançou um livro que já foi editado em italiano (Cuba libre), em português no Brasil (De Cuba com carinho) e vai sair em alemão em fevereiro.

Um espaço incontrolável

A matéria conta que, no dia 19 de novembro de 2009, Barack Obama respondeu a sete perguntas no blog de Yoani saudando a ‘coragem’ dos blogueiros cubanos. O texto do Le Monde Magazine tem como claro objetivo mostrar os blogueiros como as novas vítimas da repressão à liberdade de expressão no mundo, uma posição partilhada pela ONG Reporters sans frontières. Eles são chamados de ciberdissidentes e Yoani Sanchez é apresentada como dona de uma coragem ‘admirável’ por se opor ao regime cubano morando em Havana, onde ninguém pode ter conexão a domicílio. Dos quase 12 milhões de cubanos, somente 1,4 milhão são conectados à internet por 630 mil computadores disponíveis em universidades, escolas, centros de pesquisa e escritórios.

Os dissidentes soviéticos dispunham de meios mais importantes para serem ouvidos no país que os blogueiros cubanos de hoje’, avalia o cientista político Olivier Dabène. ‘Muitos soviéticos podiam ouvir os textos de Soljenitsin na BBC internacional mas os blogs alternativos são bloqueados em Cuba, onde o regime controla todas as mídias’.

O calvário de Yoani é que ela tem que comprar cartões em hotéis de turistas pagando até 10 pesos conversíveis por uma hora de conexão (cada euro é trocado por 1,27 pesos ou CUC), como eu mesma tive que pagar para ler meus e-mails durante os nove dias que passamos em Cuba. Acontece que, segundo Yoani, uma hora de conexão paga num hotel representa um terço do salário mensal de um cubano médio. Ela não explica de onde tira o dinheiro para se conectar uma vez por semana de um hotel da capital, já que se diz formada em filologia, mas sem nenhum trabalho além de seu blog.

Yoani conta que já foi impedida de sair do país diversas vezes: não pôde ir ao Brasil falar de seu livro e em outubro de 2009 não teve permissão para ir a Nova York receber o prêmio de jornalismo Cabot, da Universidade de Columbia. Em maio de 2008, não teve autorização para ir a Madrid receber o prêmio Ortega y Gasset de melhor jornalismo na internet, atribuído pelo jornal El País.

Yoani pensa que os cubanos que têm acesso à internet são menos numerosos do que o 1,4 milhão divulgado oficialmente. Ela considera que o monopólio da informação é a principal arma do regime, mas pensa que as novas tecnologias são um trunfo que aos poucos vai vencendo as barreiras, pois ‘com a internet, as pessoas se reúnem num espaço incontrolável. Seria impossível acusar todas as pessoas que participam de uma rede virtual’.

Contraponto de Frei Betto

Descubro por minha filha que Frei Betto deu entrevista sobre esse blog anticastrista. Vou à internet e leio ‘Cubadebate’, de dezembro de 2009. Frei Betto argumenta: ‘O portal Generación Y, de Yoani Sánchez, é altamente sofisticado, com entradas para Facebook e Twitter. Recebe 14 milhões de visitas por mês e está disponível em 18 idiomas. Nem o Departamento de Estado dos Estados Unidos dispõe de tanta variedade linguística. Quem paga os tradutores no exterior? Quem financia o alto custo de 14 milhões de entradas?’

Yoani diz na entrevista que tem uma rede de voluntários que põe em linha o blog ultrapassando o controle restrito dos cidadãos da ilha. ‘O governo não pode fazer nada.’ Segundo ela, o governo instalou um filtro informático que bloqueia o blog em toda a ilha. E se diz vítima de intimidações que incluem uma agressão física em novembro passado que, no entanto, ela não conseguiu provar com nenhuma testemunha aos jornalistas estrangeiros que tentaram investigar a denúncia.

Frei Betto diz que Yoani Sanchez tem todo o direito de criticar Cuba e o governo de seu país, mas pensa que ‘somente ingênuos acreditam que se trata de uma simples blogueira’. Ele atribui as agressões que ela diz ter sofrido a fantasias para se transformar em vítima do regime.

‘A resistência de Cuba incomoda e muito. Sobretudo quando se sabe que voluntários cubanos estão trabalhando em mais de 70 países, como médicos e professores’, diz Frei Betto.

Para ele, o capitalismo – que exclui 4 bilhões de seres humanos de seus benefícios elementares – não é capaz de suportar o fato de que 11 milhões de habitantes de um país vivam com dignidade e com os três direitos fundamentais humanos, que são o alimento, a saúde e a educação. E conclui: ‘Em Cuba existe pobreza, mas não há miséria e os cubanos podem se orgulhar com o cartaz no aeroporto de Havana que diz: `Esta noite, 200 milhões de crianças vão dormir na rua mas nenhuma delas é cubana´.’

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Jornalista