Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A legislação sob ameaça de veto

‘Escaldado pelas reações ao Conselho Federal dos Jornalistas, o Governo prepara o veto de Lula ao projeto que amplia a exigência de diploma de jornalistas’. Esta pequena nota, vinda de Brasília, está na coluna de Teresa Cruvinel no jornal O Globo do domingo (23/7).


‘Lula, pelo amor de Deus…’ é o título que abre a coluna ‘Semana’ da revista CartaCapital, datada de 26/7/2006, e assinada pelo diretor Mino Carta. E que termina assim: ‘Presidente Lula, preste um imenso favor ao seu Brasil: não assine o projeto’.


Já o jornal O Estado de S.Paulo (dia 21/7/2006) abre espaço à Federação Interestadual de Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão. A Fitert, com 21 sindicatos e quase 35 mil filiados, divulga carta aberta em que denuncia a ameaça que a eventual sanção do projeto de regulamentação da profissão de jornalista representaria para os radialistas.


No artigo ‘O CFJ, a ética e a polêmica‘, dado neste Observatório, este repórter já antecipava a retomada da cruzada da grande mídia corporativa, via mídia impressa e Jornal Nacional da Rede Globo, agora com as baterias viradas contra o projeto de regulamentação da profissão de jornalista. Passada uma semana, esses ataques ganharam força e alguma amplitude. O objetivo permanece o mesmo: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo pressionado a vetar o projeto que está em suas mãos.


Direito reivindicado


Se falo em alguma amplitude nos ataques é só porque o editor Mino Carta está agora unido ao coro dos barões. Em meio ao deserto de idéias e informações das revistas concorrentes, até se poderiam compreender algumas excentricidades da publicação paulistana. Mas, ao ler com mais atenção, nota-se que Mino Carta aborda – sempre auto-referente em seus textos – a sua experiência profissional na redação do jornal Gazzetta del popolo, de Turim. E daí tira esta conclusão:




‘Precisamos de outro gênero de projetos, em proveito da democracia. Da meritocracia. Da valorização do jornalismo como instrumento a favor da nação. Da iluminação do público. Do nivelamento por cima (…) Enquanto houver diretores de redação por direito divino, viveremos uma Idade Média’.


Quando pede o veto presidencial ‘pelo amor de Deus…’, é aí que a visão de Carta sintoniza com a do jornalista Luiz Garcia, de O Globo. Dizia Garcia (em artigo publicado em 14/7/2006):




‘Em nenhum país democrático a prática do jornalismo é limitada a quem tem diploma de jornalismo – exceto no Brasil. Trata-se de uma camisa-de-força, que se poderá tornar mais apertada se for sancionado um projeto de lei há pouco aprovado no Congresso’.


Personalizando a questão, conclui Garcia:




‘Arnaldo Jabor, se não tem diploma, leve sua santa indignação para a praça pública. Paulo Coelho, Diogo Mainardi, procurem nova turma’.


Em meio à polêmica desatada em jornalões e na Rede Globo, sempre é bom separar bem as duas coisas: o que está na mesa presidencial, para sanção – ou não – é o projeto de regulamentação da profissão. Ele já passou pelas duas casas do Congresso Nacional. E é sobre ele que desaba, neste momento, a santa ira dos barões da mídia.


Já o Conselho Federal dos Jornalistas, depois de aprovada a sua retomada no recente congresso nacional da categoria, em Ouro Preto, no começo de julho, é por enquanto uma meta ainda a ser atingida. E sabe-se que esta meta depende da boa vontade do poder Executivo. Só esse poder detém a capacidade de criação de uma nova autarquia federal, via decreto ou medida provisória, ou projeto de lei.


Autarquias federais, como a OAB, o Conselho Federal de Medicina e tantas outras, representam suas categorias profissionais. E podem organizar e criar seus órgãos próprios para normatizar e fiscalizar o exercício profissional. É esse o direito reivindicado pela Federação Nacional dos Jornalista (Fenaj) e pelos sindicatos de jornalistas dos 26 estados brasileiros, mais o do Distrito Federal.


‘São hipócritas’


A edição de quinta-feira (20/7) do Globo anuncia: o ministro das Relações Institucionais, o gaúcho Tarso Genro, avisa que o governo federal ainda não decidiu sobre o projeto que atualiza e amplia as funções dos jornalistas. ‘O Planalto vai aproveitar o prazo para sanção ou veto da proposta, que vence dia 28 deste mês, para debater o assunto com o setor de comunicação, na tentativa de evitar reações como as que ocorreram quando enviou ao Congresso o projeto de criação do Conselho Federal dos Jornalistas, no ano passado’, diz o jornalão carioca. ‘Estamos em processo de discussão. Há várias opiniões sobre o assunto’, disse Tarso, segundo O Globo.


Na mesma matéria, O Globo afirma que ‘o governo está dividido, em meio a várias opiniões sobre o projeto, que amplia de 11 para 23 as funções privativas de jornalistas profissionais. A Fenaj defende o projeto, mas diversas outras entidades, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) são contra’. Somam-se à bateria contrária ao projeto a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Fitert, já mencionada neste artigo.


Na sexta-feira (21/7), o jornalista, professor e escritor luso-brasileiro Carlos Chaparro publicou artigo no site Comunique-se sob o título ‘Tributo ao obscurantismo’. Ele faz uma relação entre 1969 – o ano em que o regime militar baixou o decreto-lei que, até hoje, já no século 21, rege a profissão de jornalista – e a corrente batalha para atualizar a regulamentação profissional. Diz Chaparro:




‘A Fenaj está amarrada a idéias lamentavelmente obscurantes. (…) O aí dito vale também para as leis, a argumentação e as práticas policialescas das entidades de Relações Públicas. Que, ultimamente, retomaram com vigor abusivo a lógica obscurantista dos tempos em que ajudaram o regime militar a pensar e a elaborar o seu plano estratégico de comunicação, nos idos de 1968. São hipócritas, na contestação que agora fazem ao desastrado projeto da Fenaj’.


Ousar sonhar


A polêmica está, pois, desatada. Na categoria e fora dela, na sociedade civil ou em parte dela. No Rio Grande do Sul, o Sindicato dos Jornalistas afirma em seu site:




‘O presidente Lula, que está com o poder de decisão, pode ter certeza de que – apesar de toda a pressão da grande mídia – os que defendem a regulamentação são maioria. Podem não ter voz, porque são empregados, mas são milhares em todo o Brasil. São profissionais que denunciam diariamente ao Sindicato dos Jornalistas práticas irregulares em todos os cantos do Rio Grande do Sul. (…) Os donos da mídia não querem regras e normas. O melhor cenário para eles é o de lei nenhuma. Assim, eles podem atrelar o Jornalismo e os jornalistas somente aos seus interesses econômicos e políticos, fazendo o que bem entendem, desde as relações de trabalho até à decisão da informação que a sociedade deve, ou não, receber’.


O artigo ‘O CFJ, a ética e a polêmica’ recebeu 14 comentários postados até o início da tarde de segunda-feira (24/7). A maioria favorável, uns dois ou três contrários. Na contramão do apelo de Mino Carta, por exemplo, um leitor de Recife – que é engenheiro, não um jornalista – escreve: ‘Lula, aprove o Conselho Federal dos Jornalistas para o bem da Democracia brasileira’. Só que a pressão está ficando insuperável sobre o presidente.


Adiante, há um comentário de outro leitor, este um carioca jornalista e professor de História: ‘Diante da avalanche antidemocrática do patronato, acho difícil o Lula não vetar o projeto de lei. (…) Vamos reagir, ainda que a luta pareça impossível’.


Na conferência de abertura do 32º Congresso Nacional dos Jornalistas, a filósofa paulista Marilena Chauí discorreu sobre ‘Mídia e poder’. Em quase três horas, uma verdadeira aula aos 800 participantes do evento, disse Chauí:




‘Na mídia hoje em dia, os especialistas e os chamados `formadores de opinião´ são os intérpretes dos temas políticos, econômicos, sociais,culturais. Com seu poder, a mídia deste século 21 determina o que devemos pensar, sentir e falar. Assim, se apresenta uma verdadeira intimidação cultural, e social, sobre as grandes maiorias. A presença diária, 24h a fio, destas imagens de uma certa `competência´ levam à interiorização da ideologia deste pensamento único, consumista e neoliberal nas consciências das populações. E todo este gigantesco poder da mídia está, por inteiro, nas mãos do grande capital transnacional’.


Então, para concluir: se a luta parece difícil, quase impossível, resta uma única saída: pensar, tomar posição. E depois ir à frente, com os argumentos disponíveis. Com muita lucidez. E também com emoção. O CFJ será realidade, mais cedo ou mais tarde. E a regulamentação, também. Depende de nós procurar a inspiração naquela frase bordada numa camiseta de uma jovem colega, lá em Ouro Preto: ‘Jornalismo te dá asas’. Ou seja: enxergar um pouco além da vida precária e provisória de todos nós, de nossos horizontes limitados e limitantes. Ousar sonhar, ousar lutar.

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Jornalista, integra a Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Rio Grande do Sul