Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A língua tupi

A língua nheengatu não era escrita.

O padre e santo José de Anchieta (1534- 1595) foi quem teve o cuidado de estudar e de aprender a língua dos habitantes da colônia do Brasil, quando aportou em 1554, aos 19 anos de idade, para poder exercer suas atividades missionárias. Por isso mesmo, estudou, pesquisou e até publicou a primeira gramática da língua tupi, informando as suas características. Todas as línguas do mundo – 1612, segundo o compêndio Ethnologue – têm a sua gramática, mesmo que seja informal e rudimentarmente resumida.

O professor Salvador Pires Pontes (1891-1982), graduado em farmácia pela Universidade de Ouro Preto, dedicou-se, também, ao estudo dos idiomas falados pelos povos tupis: Tupinambás, Tupiniquins, Caetés e outras tribos que habitavam as terras do Brasil, antes mesmo do seu descobrimento. Escreveu Noções da Gramática Tupi, editado pela Imprensa Oficial de Minas Gerais.

Os brasileiros estariam falando a língua nheengatu ainda hoje, se não fosse a interferência do Marquês de Pombal (1699-1782), então governante de Portugal. Por seu decreto, em 1758, proibiu o uso no território da colônia ultramarina do Brasil. Essa língua nheengatu era, para ele, “invenção diabólica”. Até essa época, era falada por aproximadamente, 75% da população dessa colônia. E hoje, como teria sido?

Mesmo com esse decreto, a gramática e o vocabulário da língua portuguesa foram enriquecidos pela influência das tribos primitivas. Principalmente, o vocabulário. Hoje, há palavras de uso comum cujas origens tupis nem são imaginadas. Os topônimos são os principais baluartes das línguas indígenas. Também as plantas e os animais. Guarapari, Ibituruna, Itabira, Itaúna, Itacolomi.

Assim, considera-se enriquecido o vocabulário da língua portuguesa no Brasil, mesmo que esses termos introduzidos passem despercebidos em Portugal e em outras nações lusófonas. Os missionários que aqui aportassem deveriam estudar e falar o nheengatu para o exercício religioso.

A maior parte dos substantivos do nheengatu eram palavras oxítonas, isto é, tinham o acento caindo na última sílaba.

Alguns sons comuns na língua portuguesa eram desconhecidos para os tupis. Assim, eram omitidos os sons das letras l, r, f, v, z, deixando vestígios no linguajar de algumas regiões brasileiras. Essa dificuldade fonética aparece ainda hoje, como nas pronúncias de melhor/mió, família/famia,  mulher/ muié, carta/caita, porta/poita. Daí também a resistência dos brasileiros no uso do pronome lhe, difícil de se pronunciar.

Outra característica do nheengatu é a inexistência dos artigos definidos e indefinidos, e dos gêneros masculino e feminino.

A nasalação era um fenômeno inexplicável pela sua frequência. Assim, o verbo nheengá/falar. Até o nhenhenhém: lengalenga, falação. E o próprio deus Tupã, foneticamente nasalado. Kurumin ou kunumin: criança.

Outro fato interessante é a composição das palavras, ajuntadas formando um ideograma. Aglutinantes. As palavras adquiriam ideias em continuidade. Muriaé: fruta que envenena; ipanema: água muito ruim para ser bebida. Há ainda os sufixos determinantes de tamanho: mirim e açu. Ou os formadores de macho e fêmea.

Y: água, curso, rio. Ty: água – Tietê: água que corre, fundo. Cy: mãe, fonte, origem. Uba: pai. Abá: macho (pessoas, animais). Oca: casa. Pirá: peixe.

Os números? Yepê: um, sozinho. Mocoin: par, dois. Etê: muitos. Assim: pira etê, muitos peixes. Ou piraeta.

Masculino/Feminino. Não há os gêneros nem números. Para distinguir sexos, basta antepor ou pospor aos substantivos: cunhã, feminino, mulher, índia, ou apiaba, que significa macho, homem ou animal. Jaguara apiaba: cão macho. Jaguara cunha: cadela, fêmea.

Algumas palavras do nheengatu, hoje de cidadania brasileira: capenga, catapora, cupim, curumim, gambá, guará, guri, lengalenga, mandioca, perereca, pipoca, pitanga, saúva, xará, tiririca, mutirão, macuco, oi (saudação tupi), oca, maloca, mameluco, mantiqueira, maracanã, maracujá, maritaca, mirim, mingau, moranga, muriçoca, abacate, abacaxi, arapuca, araponga, piranha, pindorama, pindaíba, tocaia, capinar, socar, pereba, toró, jururu, cutucar, potiguar, Jurandir, Iara, Jacira, Iraci, Moema, Ubirajara, Potira, Ubiratã.

As línguas primitivas têm as suas características dirigidas para as necessidades imediatas e básicas do meio grupal, na vida cotidiana, na alimentação e na subsistência. Os fenômenos da natureza, as intempéries, a caça e a pesca. E as relações com os animais que disputavam formas de convivência em constante luta. Assim, o vocabulário não poderia ir além desses limites.

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Rogério de Alvarenga é escritor