Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A máfia do Reino

A investigação do Ministério Público paulista sobre remessas ilegais de dinheiro da Igreja Universal do Reino de Deus ao exterior, revelada inicialmente pela Folha de S.Paulo, começa a interessar também aos dois outros jornais de influência nacional.


O Globo e o Estado de S.Paulo entram firmes na história nas edições de quinta-feira (29/4), o que deve aumentar as pressões por novas revelações e também os decibéis daquilo que já se configura como um novo escândalo.


Recentemente, um destacado dirigente da organização religiosa de negócios apareceu no noticiário graças à gravação de uma palestra na qual ensinava seus sacerdotes a tirar dinheiro dos fiéis. Mais grave, o bispo deixava claro que sua organização prefere se associar a criminosos a colaborar com a polícia.


Discussão embotada


Os três grandes jornais brasileiros revelam como, segundo o Ministério Público, a seita fundada por Edir Macedo em 1977 se tornou uma grande corporação multinacional, presente em mais de 170 países e com faturamento anual na casa dos bilhões de reais. Somente no inquérito que agora ganha espaço na imprensa é investigada a transferência de R$ 400 milhões para o exterior, que teria ocorrido entre 1991 e 2001.


O ponto inicial da investigação é o caso Banestado, provavelmente o maior e mais protegido escândalo financeiro já ocorrido no Brasil. Dos documentos desse caso, que envolveu mais de uma centena de políticos, empresários, autoridades em geral e celebridades, saiu a pista que conduz agora a nova acusação contra a Igreja Universal.


As informações citadas pelos jornais são muito consistentes. No entanto, o Ministério Público tenta intimar o bispo Edir Macedo deste 2009, sem sucesso. Uma ampla rede de figuras influentes protege o dono de um dos maiores negócios de exploração da fé em todo o mundo, e o fato de seu grupo dominar uma extensa rede de comunicações faz com que grande parte da população ignore as acusações que se acumulam contra ele.


Se a imprensa se dispusesse a debater clara e amplamente a questão da propriedade dos meios de comunicação, a sociedade teria mais instrumentos para conhecer como a mídia pode ser manipulada por organizações que se assemelham a verdadeiras máfias.


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Enterrando a História


Os jornais dão a entender que o Supremo Tribunal Federal deverá rejeitar a ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil, que questiona a concessão de anistia a agentes do Estado envolvidos em crimes como torturas e assassinatos durante o regime militar. O voto do relator, ministro Eros Grau, foi contra a petição da OAB e recebeu elogios de outros ministros.


Juristas consultados pelos jornais se dividem entre considerar prescritos os crimes dos militares e agentes da polícia política – se forem vistos como delitos comuns – e considerá-los imprescritíveis, uma vez que seriam tidos como crimes contra a humanidade.


O governo federal é claramente a favor da manutenção da lei da anistia em todos os seus itens, apesar de a OAB e outras organizações argumentarem que os crimes de tortura, assassinato e violação sexual não estavam incluídos no acordo político que deu início ao processo de redemocratização do país.


Os jornais aparentemente ficam em cima do muro, dando espaço mais ou menos equilibrado para as duas opiniões, mas tendem a apoiar o esquecimento e o fim das discussões. Por outro lado, o tema circula com intensidade na internet, no meio das mensagens que já movimentam a campanha eleitoral, pelo fato de dois dos principais candidatos à Presidência, a ex-ministra Dilma Rousseff e o ex-governador José Serra, terem sido perseguidos pela ditadura.


Histórias escabrosas


Está faltando uma parte nesse debate. As famílias das vítimas, citadas eventualmente nas reportagens sobre o tema, têm tido poucas oportunidades para contar suas dores.


A política de compensações financeiras, que promoveu farta distribuição de dinheiro a título de indenizações e apaziguamento de consciências, também beneficiou um punhado de oportunistas, muitos dos quais enriqueceram pelo simples fato de haverem perdido um emprego durante a ditadura.


Enquanto isso, histórias tenebrosas de crimes brutais seguem sendo escondidas embaixo do tapete da história. Como o caso de um bebê, filho de dois jornalistas nordestinos, que foi torturado seguidamente pelos militares. O menino cresceu e, hoje, aos 40 anos, ainda carrega sequelas daquele sofrimento.