Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mídia e a Olimpíada de 2016





Faltam sete anos para a realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, os primeiros na América Latina, mas a mídia não pode relaxar. Após a euforia das comemorações pela escolha da cidade para sediar a competição, os meios de comunicação têm pela frente um árduo trabalho de fiscalização e de acompanhamento. Com vultosos investimentos públicos e privados envolvidos, cabe aos veículos de imprensa o monitoramento dos gastos desde as primeiras etapas. A mídia brasileira está preparada para cobrir um evento deste porte? Como fiscalizar

o destino das verbas? O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (13/10) pela TV Brasil trouxe essas e outras questões ao debate.

O programa ao vivo recebeu três jornalistas. Em São Paulo, participou Juca Kfouri, que escreve para o caderno ‘Esporte’ da Folha de S.Paulo, participa do programa Linha de Passe e apresenta o Juca Entrevista, na ESPN. Também apresenta o CBN Esporte Clube na Rádio CBN e mantém um blog no portal UOL. No Rio de Janeiro, participaram Luiz Ernesto Magalhães e Marcelo Barreto, que estiveram em Copenhagen para acompanhar o anúncio da sede dos Jogos de 2016.


Repórter da editoria ‘Rio’ de O Globo, Luiz Ernesto também trabalhou na prefeitura do Rio, Jornal dos Sports, O Dia e Jornal do Brasil. Está em O Globo desde fevereiro de 2003, onde faz parte da equipe que cobre administração pública. Marcelo Barreto é apresentador e comentarista do SporTV. Trabalhou em O Globo, no jornal e no portal Lance! e na revista Lance A+. Nas Organizações Globo, foi editor-chefe do Portal do Esporte, editor de texto e repórter.


Sete anos para vigiar


No editorial que abre o programa, Alberto Dines destacou que a imprensa não deve deixar o trabalho de fiscalização para a última hora. Dois anos antes dos Jogos Olímpicos, o país será sede da Copa do Mundo e o Rio de Janeiro precisará ter parte da infraestrutura pronta. ‘A obra mais importante, verdadeiramente precursora, será a criação de uma mentalidade na mídia fiscalizadora. Fiscalizadora ativa, e não passiva. A mídia precisa saber antecipar-se em vez de seguir o que aconteceu ou foi dito’, disse [ver íntegra abaixo]. Antes do debate no estúdio, na seção ‘A Mídia na Semana’, Dines comentou fatos de destaque dos últimos dias [íntegra abaixo].


O Observatório exibiu uma entrevista gravada com Marcelo Damato, colunista do Lance!. O jornalista destacou que o Tribunal de Contas da União (TCU) ainda está analisando os gastos dos Jogos Panamericanos, realizados no Rio de Janeiro em 2007, mas já apontou que há problemas. Competições que envolvem investimentos mais altos, requerem uma transparência ainda maior. Marcelo criticou o fato de o governo, que fornecerá as informações, ser também o agente fiscalizador dos gastos. O monitoramento deveria ser independente dos órgãos públicos.


Outras experiências


Três correspondentes internacionais participaram do programa via internet. De Londres, sede dos Jogos Olímpicos de 2012, Sílio Boccanera comentou que a mídia britânica está de ‘olho vivo’ na realização das obras e dos gastos não só porque há dinheiro público envolvido. Mas já houve um alerta: o orçamento inicial triplicou e atinge a casa do equivalente a 30 bilhões de reais, montante que equivale ao previsto para as Olimpíadas do Rio de Janeiro. ‘Se o precedente de Londres serve para alguma coisa, é bom ficar de olho no orçamento do Rio porque ele tende a aumentar. E não necessariamente por corrupção, por desonestidade, dinheiro por baixo do pano, embora isso sempre possa ocorrer. Mas é que um projeto desta magnitude é baseado em estimativas’, explicou. Quando as obras têm início, o gasto real aparece. A mídia local está sempre cobrando. Os responsáveis pelo evento são convocados a conceder entrevistas com freqüência e se recusarem, são criticados. A entidade pública encarregada do projeto apresenta relatórios periódicos e há um auditor externo.


Cada antiga sede é uma história de triunfos ou vexames, na opinião de Caio Blinder, que vive em Nova York. Cidades da América do Norte que já abrigaram jogos podem indicar caminhos para o Rio de Janeiro. As competições de Los Angeles, em 1984, foram um bom exemplo de organização privada. Atlanta também é um bom exemplo. Além de novas construções, o centro da cidade foi revitalizado. Mas os jogos de Montreal, realizados no Canadá em 1976, ainda estão sendo pagos: ‘Até hoje, o imposto do cigarro em Quebec serve para pagar a conta olímpica’, informou Blinder.


Ariel Palacios, baseado em Buenos Aires, explicou que na Argentina o anúncio da escolha do Rio foi bem recebido. ‘Parecia que os jornalistas argentinos eram brasileiros’, relatou. A celebração foi motivada, em parte, porque pela primeira vez, as competições serão realizadas em um país próximo à Argentina.



Ilustração CLAUDIUS


Um país sem cultura olímpica


No debate ao vivo, Dines perguntou a Juca Kfouri o porquê de o jornalista ter criticado a candidatura do Rio a sede olímpica. Kfouri explicou que a cidade brasileira com o perfil mais adequado para abrigar a competição é o Rio de Janeiro. A principal crítica do jornalista não é sobre a falta de transparência, a corrupção. Nem é uma questão de prioridades. ‘O Brasil não merece sediar os Jogos Olímpicos porque nos falta cultura olímpica. Nos falta uma política de esporte, nos falta pensar o esporte de maneira massificada, como fator de prevenção e de saúde’, disse.


No Brasil, na visão de Juca Kfouri, o ministério do Esporte, deveria ‘ser o ministério da Saúde’, na medida em que esporte e saúde são conceitos interligados. O verdadeiro ministério da Saúde, em sua opinião, corre atrás de mais leitos. De todo modo, uma vez que o Rio foi escolhido, Kfouri defende uma organização competente ‘Vamos fazer como os espanhóis fizeram em Barcelona, não como os gregos fizeram em Atenas’, afirmou.


É preciso levar em conta que muitas das instalações esportivas previstas para as Olimpíadas precisam ficar prontas em dois anos. Luiz Ernesto Magalhães explicou que o prazo de determinadas obras é o final de 2010, pois em 2011 serão realizados os Jogos Mundiais Militares. A Arena Olímpica de Deodoro, ainda em fase de preparação para a licitação, e a vila de apoio que abrigará os atletas e técnicos são apenas dois exemplos. Outras duas obras ainda nem começaram.


Uma questão de Estado?


Dines perguntou a Marcelo Barreto sobre a participação de Barack Obama na candidatura de Chicago. O jornalista explicou que após o anúncio da cidade escolhida, houve um debate entre os delegados do Comitê Olímpico Internacional (COI) sobre a presença de chefes de Estado e estes concluíram que ‘isto pode estar sendo levado a sério demais’.


Barreto avalia que o presidente dos Estados Unidos, por já estar sob a pressão da reforma do sistema de saúde, ‘não queria pegar uma pilha’ e ser o culpado pelo fracasso da candidatura de Chicago. Foi uma visita protocolar, o presidente não parecia imbuído do projeto. Luiz Ernesto Magalhães acrescentou que o comprometimento do governo federal americano é diferente do brasileiro: só entra com investimentos em segurança pública.


Em 1996, os Estados Unidos ganharam o direito de realizar as Olimpíadas de Inverno que seriam realizadas em 2002. ‘Descobriu-se que essa Olimpíada foi ganha à custa de propinas pagas a dirigentes do COI’, disse Magalhães. A partir do escândalo, houve uma mudança nas regras para as candidaturas. Proibiu-se a visita de integrantes do comitê às cidades, exceto os que realizariam as inspeções, e qualquer tipo de brindes aos integrantes do COI. A cruzada pela restrição aos investimentos públicos em grandes eventos esportivos foi então empreendida pelo senador John MacCain.


Juca Kfouri comentou que, assim como pequenas obras particulares, as obras de infratestrutura de grandes eventos estão sujeitas a passar do prazo de entrega e estourar o orçamento previsto. Mas com um custo inicial elevado, como o acertado para a conclusão das obras em 2016, o total poderia chegar a 300 bilhões de reais. E o problema já ocorreu com o orçamento do Pan 2007. ‘A mesma turma que fez isso dois anos atrás, do ministro do Esporte ao presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, está aí’, lembrou.


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O que esperar da imprensa


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV n. 524, no ar em 13/10/2009



Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Depois da euforia em Copenhagen, onze dias de folga. Agora chega, está na hora de trabalhar. O prazo de sete anos até 2016 não significa que devemos adotar a estratégia de sombra e água fresca.


Em primeiro lugar porque os sete anos até o início das Olimpíadas não são sete anos, são apenas quatro, porque em 2014 o Rio de Janeiro hospedará a Copa do Mundo que vai abrigar alguns jogos e a final. Isso significa que parte das obras de infraestrutura do Rio devem estar prontas dois anos antes dos Jogos Olímpicos.


Porém, a obra mais importante, verdadeiramente precursora, será a criação de uma mentalidade na mídia fiscalizadora. Fiscalizadora ativa, e não passiva. A mídia precisa saber antecipar-se em vez de seguir o que aconteceu ou foi dito.


O Brasil tem um time formidável de jornalistas capacitados e experimentados que cobrem há décadas campeonatos mundiais de todas as modalidades; temos jornalistas especializados em Olimpíadas, acostumados não apenas com a cobertura esportiva propriamente dita, mas também com a organização do evento e a preparação das cidades e países.


O prazo de sete anos será suficiente desde que a nossa mídia o aproveite para mudar sua disposição, sua ótica e sua função. Antes de exibirmos ao mundo nossa capacidade organizacional conviria mostrar que nossa imprensa amadureceu e já não se contenta apenas em repercutir.


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A mídia na semana


** Pode não ter sido esta a intenção da Folha de S. Paulo, mas a matéria publicada com grande destaque no domingo (11/10) sobre os negócios do grupo Sarney representa um claro desafio aos juízes do STJ de Brasília que há mais de 70 dias mantêm o Estado de S. Paulo sob censura. O interlocutor é o mesmo Fernando Sarney, o inquérito da Polícia Federal ao qual a Folha teve acesso é o mesmo que vazou para o Estadão. Ora, se os juízes não acionarem a Folha, terão que tirar a mordaça do Estadão, e se a censurarem obrigarão o Globo a entrar na guerra. A novela Sarney ficou animada novamente.


** Contrariando o entusiasmo com que foi recebida a concessão do Nobel da Paz ao presidente Barack Obama, jornalistas daqui e do exterior alegaram que o prêmio é prematuro, por enquanto os esforços de Obama ainda não teriam frutificado. Este é um tipo de jornalismo burocrático, não-participativo. A busca da paz é sempre um processo lento e coletivo. Se a mídia não consegue enxergá-lo, fica fora dele. Premiar intenções é o primeiro passo para produzir resultados.


** O casal presidencial Kirchner conseguiu diferenciar-se de Hugo Chávez na tentativa de enquadrar a mídia. A lei do audiovisual aprovada no último sábado não ameaça conteúdos, está voltada para a estrutura do sistema midiático, demasiadamente concentrada. A diferença entre os Kirchner e Chávez não consegue esconder uma jogada visivelmente autoritária. A legislação argentina tem quase 30 anos e foi usada plenamente pelos Kirchners para atender aos seus interesses. Aparentemente esses interesses mudaram.