Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A mídia e os símbolos da República

É durante a Copa do Mundo de Futebol que os meios de comunicação brasileiros exibem com mais frequência a imagem da bandeira nacional, enfatizando suas cores marcantes. O verde-amarelo está nas vinhetas, no figurino utilizado por apresentadores e comentaristas, em elementos cenográficos. O hino nacional também percorre a programação, seja em seu formato original, seja em versões resumidas ou estilizadas.


O espetáculo visual e sonoro ancorado em tais referências se repete a cada quatro anos e parece encontrar eco no comportamento adotado por grande parte da população ao longo da cobertura do Mundial. Durante a Copa, é comum ver casas e apartamentos decorados com as bandeiras, que também adornam carros e estampam camisetas e bonés.


Discordo dos que classificam tal comportamento dos torcedores como patriotismo de ocasião ou adesão inocente à onda do momento, aos apelos oportunistas da mídia e do mercado. Da disputa antiga e permanente em torno dos sentidos a serem atribuídos ao verde-amarelo, não nos livraremos jamais. Por isso, fico contente que a ele seja possível associar alegria, emoção, fé na vitória e auto estima, sentimentos que podem ser vividos plenamente sem qualquer traço de alienação política ou social. Dizer que a paixão pelo futebol e o entusiasmo pela Copa sempre serão, necessariamente, sinais que revelam um pobre senso crítico, uma alta suscetibilidade a manipulações ou um baixo nível de conscientização cidadã, é promover visão simplificadora e estereotipada sobre o assunto. O mundo dos fenômenos humanos é muito mais rico e complexo.


Vejo, portanto, com bastante simpatia, a ampla disseminação do uso dos símbolos da República, mesmo que isso ainda se dê, entre nós, somente no curso do maior evento esportivo do planeta, de modo, pois, absolutamente esporádico. Tal parcimônia talvez possa ser compreendida à luz de uma reflexão histórica.


Por muito tempo, de modo até compreensível, muita gente manteve atitude desconfiada e até mesmo agressiva em relação aos símbolos republicanos, talvez por identificá-los com períodos específicos da história política do país, notadamente o que se iniciou em 1964. Em muitas circunstâncias, tais símbolos estiveram, de modo equivocado, vinculados exclusivamente ao universo das Forças Armadas e associados a uma ou outra corrente ideológica, distantes de sua função primordial de representar a unidade nacional em torno da República.


Uma atitude serena e madura


O processo de redemocratização, que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, abriu espaço para o gradativo e trabalhoso reencontro do povo com os verdadeiros valores republicanos, suprimidos por mais de duas décadas. Tal reaproximação foi intensificada em 1989, ano das eleições diretas para presidente, realizadas depois de longo jejum, e em 1993, quando, por meio do plebiscito previsto pelo texto constitucional, os eleitores brasileiros consagraram sua preferência pela República como forma de governo, em detrimento da outra opção, a monarquia, fragorosamente derrotada nas urnas.


Em alguns países, a monarquia cumpre papel importante, sendo fator de equilíbrio, unidade e estabilidade institucional. No Brasil, a República tem se confirmado, em várias oportunidades, como a solução histórica, cultural e política mais conveniente. De acordo com os fundamentos por ela estabelecidos, o povo elege diretamente todos os seus governantes. Eles exercem mandatos de duração determinada e devem prestar contas dos seus atos. São absolutamente responsáveis pelo que fazem, podendo, inclusive, ser destituídos caso procedam de modo inadequado. O modelo republicano estimula e exige a vigorosa participação popular na formação da vontade do Estado. Caracterizado por imensas desigualdades sociais e ainda incapaz de garantir à sua população a ampla fruição de direitos básicos como a educação, a saúde e a alimentação, o Brasil não pode prescindir dos valores republicanos como orientadores do exercício da cidadania.


É com base nessas reflexões que devem ser vistos os chamados símbolos da República. Não há mais por que recusá-los. Ainda que à letra do hino, em especial, se façam considerações críticas de variadas naturezas (o que é saudável em um regime democrático), é tolice persistir em uma atitude de oposição, hostilidade ou desdém em relação a aspectos que sublinham nossa identidade nacional, tanto no âmbito interno quanto no plano externo. Todos os países do mundo possuem seus símbolos, traços que os distinguem dos demais, assinalando sua presença única e especial no concerto das nações.


No momento em que o Brasil conquista posição de destaque cada vez maior em nível internacional, pede-se, mais do que nunca, uma atitude serena e madura em relação aos símbolos nacionais. As reflexões sobre o contexto político e ideológico em que tais símbolos foram criados são importantes e úteis, revelam ao povo a sua história, mas não são suficientes para interditá-los como expressões do amor dos brasileiros pelo seu país.


Brasil de todos os brasileiros


É preciso ressaltar , ainda, que o culto aos símbolos republicanos não significa a adoção de uma postura ingênua ou resignada em relação aos gravíssimos problemas do país, nem a adesão a um ou outro dirigente eventual do Estado. Pelo contrário. A atitude de reverência à República implica, necessariamente, uma conduta altiva e firme em relação aos governantes, de quem se deve exigir com vigor o cumprimento rigoroso dos preceitos republicanos, guias permanentes para a vida em sociedade.


Os símbolos são patrimônio do povo, que deve apropriar-se plenamente deles. Sempre que a bandeira for hasteada ou que o hino for entoado, abre-se uma boa oportunidade para promover a afirmação integral do núcleo básico dos valores republicanos: o Brasil é de todos os brasileiros. Tal comportamento deve ser incentivado e ensinado, sempre que possível. E não há dúvida sobre o quanto os meios de comunicação podem ser úteis na execução de tal tarefa.

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Advogado, jornalista, mestre em Direito Internacional pela UFMG e doutorando em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Madri