Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mídia fez uma aposta e perdeu

Eu sou ateu. Minha mulher é católica não-praticante. Aos nossos filhos não é imposta nenhuma forma de religiosidade. Nem sequer ensinamos a eles os dogmas cristãos. Mas, certo dia, minha filha, de 5 anos, contou à mãe a história de Cristo. A versão bíblica havia sido ensinada a ela por uma babá evangélica. Com a inocência da idade, minha filha disse à mãe que Jesus era bandido. Perguntamos por que ela pensava assim. Ela respondeu que ele havia sido preso, então devia ser bandido. Como uma criança de 5 anos faz essa ilação? A resposta é bem simples. É quase um silogismo. As premissas são as seguintes: ‘Meu pai é policial e prende os bandidos’; ‘Cristo foi preso’. A conclusão lógica, para uma criança de 5 anos, é: ‘Cristo era um bandido’.

Quem leu até aqui pode perguntar: ‘Tá, e daí? Onde é que tu quer chegar?’ Respondo: à forma como decodificamos as informações que recebemos. Nós processamos o conhecimento utilizando como referência nosso microcosmo. O ambiente em que vivemos e o conjunto de valores que nele impera. Então, vamos transportar esse referencial para a sociedade brasileira. Consideremos que, para muitas pessoas, tudo que é impresso e dito pelos apresentadores de telejornais é a verdade absoluta. São pessoas incapazes de elaborar um juízo crítico dessas informações.

Para essas pessoas o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores, submetidos a uma campanha de ‘desconstrução da imagem’, são a encarnação do mal. Durante 18 ou 19 meses a mídia desenvolveu uma campanha que, em termos militares, poderia ser definida como ‘bombardeio de saturação’, na qual procurou apresentar o PT e o governo como responsáveis por toda corrupção e malfeitoria que assolam o Brasil. É como se a corrupção tivesse surgido em 1º de janeiro de 2003. Até então vivíamos numa república de vestais.

Concorrência benéfica

Nada a questionar sobre a compra de votos para aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição, cujo único objetivo foi impedir a vitória de Lula, porque o PSDB não tinha candidato viável, diga-se de passagem. Nenhum reparo à privatização das estatais compradas com moeda podre. Aliás, conheço uma pessoa que ganhou milhões negociando TDPs que eram comprados com deságio de 95% e aceitos, na compra de estatais, pelo valor de face. Em suma, um governo ‘ético’. ‘Ético’ no sentido de que sua ‘ética’ era beneficiar o ‘capital’. E a mídia, com raras e honrosas exceções, era cega, surda e muda nessa ‘quadra da existência’, como diria o ministro Marco Aurélio.

E agora, derrotada em seu projeto de definir a eleição presidencial, a mídia posa de vítima. A mim não comove. A mídia fez uma aposta e perdeu. Quem joga assume o risco. Se o que estava na mesa era o monopólio da possibilidade de disseminar a informação, nada mais justo de que esse monopólio seja quebrado. Que venha a democratização da mídia. A concorrência faz bem ao prestador de serviço e mais bem ainda ao consumidor. (Eu ia escrever usuário, mas lembrei de um comentário, atribuído a Bill Gates, que diz que todo mundo tem cliente. Só quem tem usuário é traficante e analista de sistemas.) Democratizar a mídia é bom para o Brasil e melhor ainda para os brasileiros.

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Policial Civil, graduado em Direito e pós-graduando em Segurança Pública e Direitos Humanos, São Pedro do Sul, RS