Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mídia também é culpada

O torcedor chora a eliminação do Brasil da Copa da Alemanha. Ao mesmo tempo, os críticos dão início à velha ladainha: encontrar o culpado (ou os culpados) pela desclassificação mais justa que já pude acompanhar em Copas do Mundo. Esquecem, porém, os dignos analistas que parte da mídia esportiva tem lá sua parcela de culpa por tudo o que não aconteceu de bom na Alemanha.

Os problemas da seleção só apareceram durante a Copa, porque a maioria dos jornalistas brasileiros foi à Alemanha para passear. O Brasil era só festa. A seleção, ‘a ponto de bala’, não tinha com o que se assustar. Parreira tinha a escalação na ponta da língua. Ronaldo era Ronaldo, Cafu homenageado dia e noite por seus recordes, Roberto Carlos ainda vivia, Ronaldinho o rei, Adriano o imperador e Juninho, a solução. Foi o que se ouviu e leu nesse período.

Mas ninguém, ninguém mesmo, teve a coragem de falar ou escrever que a seleção de Parreira não poderia ir muito longe, pelos simples fato de não ser uma equipe. O nosso técnico tinha apenas um time nas mãos. É isto, caro observador, que me incomoda muito. Em artigo publicado há duas semanas neste Observatório, escrevi que parte dos jornalistas serviu apenas de claque para Parreira e o tal quadrado mágico durante os treinos na Suíça.

Depois que tomaram conhecimento de que a seleção apenas passeou em Weggis, começaram a surgir comentários dissonantes. O primeiro a se manifestar foi Telmo Zanini, do SporTV. Depois, alguns dos participantes do CBN Esporte Clube. Falo tão-somente daqueles programas que tenho o costume de assistir. Então, o que era invisível tornou-se evidente. Os jogos mostraram as deficiências de um time que nunca treinou junto, embora tivesse todo o tempo do mundo para fazê-lo.

‘Gestor de talentos’

Na entrevista que deu após o medíocre jogo contra a França, Parreira atribui o fracasso ao fato de o Brasil não ter realizado ‘mais jogos’ antes da Copa. Dissimulado. Neste momento, não apareceu um jornalista brasileiro sequer para desmascará-lo ao vivo. O planejamento coube a ele, e a ninguém mais. O ‘gestor de talentos’, como se autodenominou já na Alemanha, acreditou tanto nesse ato falho que esqueceu de treinar a equipe.

Todo esse oba-oba para cima da seleção começou com a ‘espetacular’ reportagem da revista Época, comparando Ronaldinho Gaúcho a Pelé. Nessa esteira, vieram outras matérias e reportagens. Quando não era o Gaúcho, tinham-se informações sobre os possíveis recordes de alguns jogadores nesta Copa. E tudo ia se passando, sem que ninguém percebesse que o Brasil não treinava. As feras de Parreira estavam somente à espera dos jogos para trucidar seus adversários. O ‘gestor de talentos’ não se mexia.

As movimentações do grupo resumiam-se a infrutíferos treinos táticos, em campo com as dimensões reduzidas, e ao famoso ‘dois-toques’. Talvez seja por isso que Cafu, Roberto Carlos, Ronaldo, Emerson e Ronaldinho só se movimentavam numa pequena parte do campo durante os jogos. Treinos coletivos, única alternativa para se formar equipes, praticamente não existiram. Juninho e Gilberto Silva, que entraram contra a França, jamais tinham jogado juntos. Não houve tempo. Parreira só tinha olhos para os 11 que saíram do Brasil escalados. Titulares incontestáveis.

É fácil ser vidente

Pode parecer pretensão da minha parte, mas não posso deixar de repetir uma advertência que fiz há mais de três anos sobre o difícil caminho que o Brasil teria para conquistar o hexa com Parreira no comando. Em janeiro de 2003, estreei neste Observatório com um artigo sobre a escolha de Parreira para comandar a seleção. Concluí o texto com a seguinte observação:

‘Não se surpreendam, caros observadores: apesar da riqueza de craques que o país produz, muitos pesadelos nos esperam a caminho do hexa’.

Neste mesmo artigo foi dito mais:

‘Ao escolher Parreira para treinar e Zagallo para coordenar a Seleção, a CBF optou, indiretamente, por um esquema de jogo que nada tem a ver com o nosso futebol. Poucos se lembram, mas essa dupla foi duramente criticada nos Estados Unidos em 1994. Trouxemos o caneco, mas o futebol apresentado pela equipe de Parreira desagradou a todos’.

Mais adiante, ainda na linha de alerta sobre o risco de se ter Parreira como treinador, argumentei:

‘O time de Parreira é tão pragmático, tão enrolador com a bola nos pés, que faz qualquer torcedor dormir, nas arquibancadas ou em casa (…) Parreira nunca conseguiu dar brilho às suas equipes’.

Como se vê, caro observador, é fácil ganhar a vida como vidente, tendo Parreira como treinador (ou melhor, como ‘gestor de talentos’) da seleção brasileira. Os críticos mais ‘pés no chão’ também puderam antever o fracasso do time brasileiro. Só que cometeram a mesma falha que os demais: acharam que a arbitragem não deixaria o Brasil conquistar seu sexto título. E esqueceram que o perigo tinha nome e endereço: Carlos Alberto Parreira, um brasileiro.

Por tudo isso, pode-se distribuir a culpa pela eliminação do Brasil entre Parreira e a mídia esportiva – que, em Weggis, assistiu a tudo impassível, deixando para apontar os problemas do time brasileiro apenas quando o caldo entornou de vez. Não tenho dúvida de que, se tivéssemos jornalistas menos comprometidos com os profissionais que formam a seleção, nossas alegrias seriam mais constantes e menos dependentes do pão e circo em que se transformou a cobertura desta Copa pela imprensa brasileira.

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Jornalista em Brasília