Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A paranóia fake continua

Uma vez mais, o Brasil, sob o gerenciamento da ‘grande mídia’, parece envolto por um inebriante manto de abstração infantil: prédios, ruas, meio-fio de calçadas… tudo em verde-amarelo. O destino de uma nação parece ser decidido e definido fora daqui. A TV Globo, como principal agente de disseminação virótica, não perde um minuto sequer para inocular, no combalido imaginário societário brasileiro, overdose de estimulações sensoriais em favor de um de seus ‘produtos’ mais rentáveis: futebol. Quem paga a conta? É simples: a credulidade de amplos segmentos da população. Se no país há prova de ‘democracia’, sem dúvida outra maior não há que não seja o ‘amor’ de outrora que evoluiu para a ‘patologia do agora’ em relação ao esporte, principalmente, o futebol.


Sem mencionar o tédio promovido pela ‘abertura’, fato registrado por alguns veículos menos comprometidos com a ‘venda de produto’, fiquemos, de saída, com o elenco de seleções integrantes do ‘espetáculo’.


Percorrendo a tabela, figuram seleções como África do Sul (país-anfitrião), Argélia, Austrália, Camarões, Costa do Marfim, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Eslovênia, Gana, Grécia, Honduras, Japão, Nova Zelândia. Que estas figurem é um direito. Todavia, em respeito à tradição, o que fazer com seleções como Áustria, Bélgica, Escócia, Romênia, Rússia e Suécia? Bem sei que umas entram e outras não, por conta de competições eliminatórias. A questão reside nos critérios da Fifa, cujos interesses, há muito tempo – desde a Copa da Espanha (1982) –, dizem respeito à expansão planetária das marcas de produtos esportivos em prejuízo do verdadeiro espetáculo futebolístico. Assim é que a própria tabela, desde a ‘gestação’ do ‘grande evento’, tem uma combinação em torno de ‘marcas’.


Mesclar religião com futebol?


O leitor pode ter certeza de uma coisa: a vencedora desta Copa não haverá de ser nenhuma seleção patrocinada pela Puma, pois esta foi a vitoriosa na Copa de 2006: a Itália, para tanto, já está eliminada. A presente competição terá, como laureada, uma seleção patrocinada pela Adidas ou pela Nike.


Outro aspecto que não deve passar ao largo é o fato de, cada vez mais, ocorrerem erros grosseiros de arbitragem. É fundamentalmente neste ponto que as manipulações se dão. É crível que um juiz gabaritado e um bandeirinha credenciado, ambos pelo mais rigoroso órgão internacional, não tenham visto o gol (que seria de empate, ainda no primeiro tempo), no jogo Alemanha x Inglaterra? Se o primeiro tempo terminasse em 2×2, não teria sido diferente o transcorrer do segundo tempo? É aceitável que juiz e bandeirinha, ambos selecionados por exigentes critérios de avaliação, não tenham flagrado o impedimento escancarado do atacante no gol inaugural da Argentina contra o México? Todavia, para a maioria dos ‘apaixonados’ pelo rolar de uma bola, nada disso faz o menor sentido. Ao contrário, são exatamente essas situações de conflito que potencializam a expansão das ‘emoções’. Ok! Difícil é, para os aficcionados, aceitarem que nos bastidores milhões e milhões de dólares são aplicados e precisam ser ressarcidos em montante lucrativo bem maior.


A fórmula já foi ensinada desde o Império Romano. De lá para cá, muito tempo passou… Contudo, a ingenuidade humana permanece intacta aos apelos da manipulação. Para tanto, não falta, na realidade presente, o impacto exercido de maneira inapelável pelos meios de comunicação de massa que, ardentes de desejo pelo tanto que colhem de receitas, sequer disfarçam quanto a práticas de sedução e indução primárias. O espanto, para cegos seguidores, se dá quando uma voz diferenciada entra no circuito e cria um ‘mal-estar’: o jornalista Juca Kfouri, ao confrontar o perfil do ‘Roberto Carlos’ do futebol brasileiro atual: Kaká. Nota 10! Kfouri foi na ferida. Mesclar religião com futebol? Que é isso?


Nike ou Adidas?


Está certo, Juca! Lamento que sua voz seja única. No mais, aguardemos o desfecho. Proponho para os leitores apaixonados por tudo que se dá nas ‘quatro linhas mágicas’ qual será a fórmula mais rentável para a Fifa: ser a seleção campeã aquela que sediará a próxima, ou permitir que a anfitriã de 2014 chegue até o mais próximo possível e perder, deixando no imaginário sequioso do torcedor brasileiro aquele desejo de devolver ao mundo a dor, revestida de delírio, pela superação do trauma da Copa de 1950? As duas opções são apetitosas para a ‘lógica perversa do mercado’. Seguramente, quem nada aprecia a presente configuração é aquele que se planta diante de uma tela de TV de última geração e vive, até o ápice de sua agonia, o desenrolar de uma trama cuja definição já está, primeiramente, decidida no sorteio, e segundamente, definida pelas arbitragens, seja pela ‘invisibilidade’ de lances decisivos, seja pela ‘política’ de aplicação de cartões.


Para a reta final, existem as seguintes opções, na relação seleções/marcas: a Puma (vencedora da Copa de 2006) comparece com, apenas, duas seleções: Gana e Uruguai; a Nike (vencedora na Copa de 2002) ostenta três: Brasil, Holanda e Paraguai; a Adidas, que não vence desde a Copa de 1998, se faz representar por seis seleções: Alemanha, Argentina, Eslováquia, Espanha, Japão e Paraguai. Como solitária concorrente, encontra-se a pouco expressiva Diadora, com um único representante: Chile.


Alguém tem dúvida quanto a quem caberá a vitória? Nike ou Diadora? É só aguardar. De resto, aguardemos qual seleção da Adidas erguerá o troféu máximo.

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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da Facha (RJ)