Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

‘A presidenta Dilma – quer dizer:…’

Em jornalismo, entendo que o texto falado deve merecer de seu autor o mesmo zelo que recebe o texto escrito. Concisão, clareza, precisão são recomendáveis a um e a outro. Dar a informação precisa, escolher a palavra exata, concluir uma frase: todo jornalista deve se empenhar nisso.

Não é o que vejo ocorrer com um comentarista político de uma emissora de rádio que integra uma das mais prestigiosas redes de comunicação do país. O jornalista em questão é mestre em pontuar suas frases por recorrentes ‘quer dizer:’, sempre interrompendo suas alocuções, o que torna difícil – quando não impossível – entender o que ele, efetivamente, quer dizer em seus comentários. Seu ‘quer dizer:’ em meio a qualquer frase é tão desnecessário que quase nunca precede uma correção de rumo, no que estava dizendo – o que seria um uso mais adequado da expressão. Assim, para o ouvinte, é como se o texto apenas fluísse aos solavancos, como se dirigíssemos um veículo com problemas de câmbio e embreagem numa via repleta de quebra-molas.

Na verdade, seu recorrente ‘quer dizer:’ não quer dizer nada; é somente uma inexplicável muleta. Um cacoete verbal que, não sem esforço, precisa ser abolido. Afinal, o jornalista também é repórter especial de uma revista semanal, onde, com certeza, esse vício não passaria impune sequer pelos corretores ortográficos do mais básico editor de textos de um computador.

Indefectíveis reticências

Se o seu ‘quer dizer:’ já denota pouca clareza ou precisão, o que dizer de frases reticentes e que não se concluem? É mais um dos pecados cometidos pelo referido jornalista em seus comentários diários. Ao ouvinte, mais uma vez, restam a incerteza e a dúvida, não apenas sobre o que pensa o comentarista, mas, muitas vezes, sobre a própria completude da informação por ele veiculada.

E quando o jornalista consegue a proeza de elaborar uma frase composta apenas de sujeito + ‘quer dizer:’ + reticências – como a que dá nome a este artigo? Aí, ele quase se supera porque, às vezes, até corrige-se e muda de assunto na frase seguinte. Mesmo assim, a emenda parece ficar pior que o soneto, já que o desavisado ouvinte perde-se em especulações sobre os motivos daquela frase reticente, inconclusa e desconexa em meio ao comentário – e já não ouve mais o que o comentarista dizia.

E não acabam aí, os problemas com o texto oral. Há outras recorrências à imprecisão da notícia ou do comentário, como o abuso das expressões ‘tem aquela coisa’, ‘essa coisa’, ‘aquela questão’ e similares (muitas vezes combinadas com as indefectíveis reticências ao final de uma frase: ‘ E tem ainda aquela coisa do…’).

Quem escreve bem, fala bem

Certamente, minhas críticas pegaram um pra Cristo. Pois é fato que esses problemas também acontecem com muitos outros repórteres, comentaristas e apresentadores de rádio e TV. E o que é pior: disseminam-se tanto entre jovens profissionais como entre veteranos das redações.

Nem dá pra querer culpar a sempre questionável qualidade de ensino de nossas sempre questionáveis escolas de Jornalismo. Como jornalista autodidata, não passei por nenhuma delas. Aprendi o pouco que sei no batente das redações de jornais que nem existem mais. Nos livros, aprendi outro tanto. Acho que foi daí que tirei essa ideia – talvez anacrônica e caduca – de que quem lê escreve bem. E quem escreve bem, naturalmente, fala bem. Para quem escolheu o jornalismo como ofício, isso me parece ser uma obrigação.

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Escritor e jornalista, Belo Horizonte, MG