Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A sociedade à frente da mídia





Na véspera da votação do projeto Ficha Limpa no
Senado Federal, o Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira
(18/5) pela TV Brasil discutiu a contribuição da mídia para esta iniciativa da
sociedade civil. Em menos de dois anos, um milhão de brasileiros mobilizaram-se
em prol da campanha, iniciada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) e encampada por 44 organizações da sociedade civil. Aprovada pelo Senado
na quarta-feira (18), por unanimidade, a lei vedará o registro eleitoral a
políticos condenados pela Justiça por


crimes graves, em decisões colegiadas.
Ainda subsiste uma discussão jurídica sobre se as regras valem ou não para as
próximas eleições. De todo modo, o debate em torno dos critérios mínimos para
candidaturas está aberto.

Para tratar desse tema, o OI na TV recebeu no estúdio de Brasília o
relator do projeto Ficha Limpa na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara dos Deputados, José Eduardo Cardozo (PT-SP) e Daniel Seidel,
secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB. Mestre em
Ciência Política pela UnB, Seidel é coordenador da pós-graduação em Direitos
Humanos da Universidade Católica de Brasília. No estúdio do Rio de Janeiro
participou o cientista social Renato Lessa. Doutor em Ciência Política pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Lessa é
professor titular de Filosofia Política do Iuperj e da Universidade Federal
Fluminense (UFF).


Antes do debate ao vivo, na coluna ‘A mídia na semana’, Alberto Dines
destacou a reforma empreendida pelos três principais jornais do país: O
Globo
, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. Em seguida,
falou sobre o afastamento temporário do juiz espanhol Baltasar Garzón de suas
funções na Audiência Nacional [ver abaixo]. No editorial do programa,
Dines sublinhou que quando a sociedade se articula para ‘impor a sua vontade aos
poderes constituídos, está madura e preparada para operar grandes
transformações’. Para ele, o projeto pode interromper a escalada de corrupção.
‘Com rara felicidade soube a mídia detectar e vocalizar o sentimento coletivo’,
disse [íntegra abaixo].


Votação urgente


A reportagem exibida no Observatório mostrou a opinião de Luiz
Fernando Rila, editor-executivo de O Estado de S.Paulo. Na visão do
jornalista, a mídia foi fundamental para garantir o ritmo necessário para a
tramitação porque este é um ano eleitoral. O tema faz com que os políticos se
sintam pressionados na hora de disputar o voto do eleitor e procuraram ‘dar uma
resposta’, para a mídia e para a sociedade. Para Francisco Whitaker,
representante da CNBB e do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a
imprensa ajuda a mobilização popular, mas tem surgido apenas no ‘ponto final’ do
processo, quando a matéria já está em plenário.


No debate ao vivo, Dines pediu para o deputado Eduardo Cardozo explicar a sua
participação na elaboração do projeto. Cardozo afirmou que este projeto pode
virar um referencial na vida política do país. O deputado ressaltou que quando a
matéria chegou à comissão, grande parte do trabalho já estava realizada pelos
movimentos sociais, que articularam o projeto, e pela relatoria do deputado
Índio da Costa (DEM-RJ), que conferiu o formato. Sua contribuição foi buscar
aperfeiçoamentos técnicos para eliminar resistências ao projeto e facilitaram a
aprovação na Câmara. ‘Foi um esforço coletivo suprapartidário, supra-ideológico,
que chegou a este resultado que eu espero ser expressivo a ponto de contaminar o
Senado Federal’, avaliou.


Conscientização da sociedade


Daniel Seidel relembrou que em 2006 a CNBB já havia tentado promover um
grande debate em torno da questão política no Brasil. Naquela ocasião, percebeu
a dificuldade em tornar o tema compreensível para a população. Uma das formas
encontradas para fazer a discussão chegar até a base da sociedade foi incluí-la
na Campanha da Fraternidade. A CNBB promoveu discussões objetivas dentro das
comunidades. Temas como a renúncia de políticos denunciados por quebra de decoro
parlamentar e práticas lesivas ao dinheiro público eram recorrentes nos
encontros.


‘Nós queremos resgatar na política a dignidade e a forma de fazer isso não é
com discursos moralistas, mas sim com controle social e com avanço nos
mecanismos para fazer com que pessoas bem intencionadas de aproximem da
política’, disse Seidel. Para o representante da CBNN, a democracia
representativa é aprimorada através de projetos como este. O tema foi vitorioso,
na sua opinião, porque canalizou a indignação da população brasileira com o
espectro político e não contra a política em si.


Para o cientista político Renato Lessa, é importante destacar que a CNBB,
apesar de ter um caráter evidentemente confessional, é uma organização da
sociedade e tem uma dimensão laica. Ao longo da história, a instituição sempre
transitou entre a esfera religiosa e os problemas sociais. Alguns dos exemplos
da atuação da instituição foram o forte envolvimento na luta contra a ditadura e
o papel desempenhado no processo de redemocratização do país.


Uma nova forma de luta


Lessa avalia que a participação da CNBB no projeto Ficha Limpa foi
fundamental porque colocou a sua capacidade de organização e sua presença no
território brasileiro a serviço de uma causa que tem um mérito intrínseco forte:
os cargos públicos da representação popular não podem estar submetidos a
critérios menos rigorosos do que cargos mais simples da vida pública. Ao
contrário da maneira tradicional de se tratar a política – abstrata e moralista
–, utilizou-se exemplarmente de um mecanismo popular que aciona do Legislativo
para exercer de uma maneira eficaz a crítica da política.


O deputado Eduardo Cardozo rememorou as dificuldades encontradas para
defender o projeto. O panorama era complexo porque era preciso conciliar
diversas opiniões – algumas ‘radicalizadas’, segundo ele – e chegar a um
denominador comum. O primeiro passo foi criar um ambiente de diálogo fraterno e
franco entre todos os segmentos interessados na matéria. Participaram tanto os
favoráveis à aprovação quanto os contrários e também aqueles que pretendiam
aperfeiçoar o texto. Durante os diálogos, foi acordado que a ‘espinha dorsal’ da
iniciativa deveria ser mantida.


Para o relator, o resultado foi positivo porque conjugou a vontade original
da sociedade com o aperfeiçoamento técnico. Era necessário atender ao desejo da
população de afastar das disputas eleitorais políticos com vida pregressa suja
e, ao mesmo tempo, preservar o Estado de Direito e a possibilidade de defesa.


Esforço suprapartidário


‘Foi um esforço coletivo. Houve momentos em que eu temi que se tentasse,
neste ano eleitoral, transformar o projeto em um palanque – de um lado os
oposicionistas e de outro, os governistas. Nós conseguimos, com a ação dos
movimentos sociais, superar isso e colocar acima das disputas eleitorais e
ideológicas’, disse Cardozo.


Daniel Seidil explicou que a CNBB permanentemente mantém espaços de discussão
suprapartidários. O secretário-executivo da organização frisou que a Câmara dos
Deputados ainda não tem regulamentação para acolhimento de iniciativas
populares. A iniciativa popular de lei, para tramitar, precisou que um grupo de
deputados assinasse como autores do projeto. Foi constituído um grupo de
trabalho autônomo, do qual os movimentos sociais fizeram parte. Seidil destacou
que mesmo que a lei não entre em vigor para o próximo pleito, os eleitores
poderão votar com mais consciência porque há instrumentos para a pesquisas sobre
o candidato. ‘Para a sociedade brasileira, o Ficha Limpa vai valer este ano’,
disse.


***


O projeto Ficha Limpa


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na
TV nº 546, exibido em 18/5/2010


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


O líder do governo no Senado, Romero Jucá, cometeu uma gafe quando tentou
diminuir a importância do Projeto Mãos Limpas. Ao afirmar que não era um projeto
do governo, mas da sociedade, sem perceber não apenas legitimou e valorizou a
iniciativa mas conferiu à sociedade brasileira um status superior. Uma sociedade
que se organiza para impor a sua vontade aos poderes constituídos está madura e
preparada para operar grandes transformações.


A imagem das mãos limpas não é nova: nos anos 1990 a sociedade italiana
lançou-se na memorável cruzada das ‘Mani Pulite’ contra juízes corruptos e
autoridades ligadas à máfia. A nossa Ficha Limpa é menos ambiciosa: quer apenas
sanear os legislativos porque neles começa o círculo vicioso da corrupção. Se
candidatos a qualquer função pública são obrigados a apresentar um currículo
impecável, aqueles que farão as leis não podem ostentar máculas ou abrigar
suspeitas.


Representantes do povo desqualificados só podem produzir sistemas capazes de
mantê-los impunes. O círculo virtuoso deve começar pelos que fazem as leis. O
acerto desta campanha iniciada pela CNBB está na compreensão de que vereadores,
deputados estaduais ou federais e senadores jamais teriam condições – mesmo que
o desejassem – de reverter procedimentos imorais tão arraigados.


Com rara felicidade soube a mídia detectar e vocalizar o sentimento coletivo.
Graças a isso, em menos de dois anos quase dois milhões de assinaturas foram
coletadas. Hoje [18/5] o senador Demóstenes Torres, relator do projeto na
Comissão de Constituição e Justiça do Senado, confirmou que não vai alterar o
texto remetido pela Câmara e prometeu enviá-lo no mesmo dia ao plenário.


Estamos na véspera de um grande momento: aprovada, a ficha limpa lavará a
nossa alma.


***


A mídia na semana


** Os jornalões brasileiros querem resistir ao haraquiri coletivo e anunciam
grandes mudanças. O Estadão já fez a sua em grande estilo, há dois meses.
O Globo preferiu fazer a sua devagar, aos pouquinhos, porque afinal os
jornais saem todos os dias. A Folha está anunciando uma mudança drástica
no próximo fim de semana. Será o jornal do futuro para o leitor inteligente. Mas
enquanto o futuro não chega, o que fazer? Aguentar o mesmo jornalismo
apressadinho, superficial e incompleto?


** A Espanha está revoltada com a tremenda injustiça praticada pelo seu
judiciário. Sob o pretexto de ter abusado do poder, o destemido juiz Baltasar
Garzón foi suspenso da audiência nacional porque ousou iniciar investigações
sobre os crimes cometidos pela ditadura franquista, entre 1936 e 1975. Na
verdade, Garzón está sendo punido pela direita espanhola porque está
investigando o megaescândalo que envolve o Partido Popular. O dramático episódio
Garzón está comovendo a Europa, parte da América Latina e também os Estados
Unidos. Aqui não desperta a atenção da mídia. Está faltando alguém para levantar
o Brasil a favor de Garzón, como o fez Rui Barbosa no fim do século 19, em
defesa do capitão Dreyfus.


** O treinador Dunga selecionou os 23 jogadores que vão representar o Brasil
na África do Sul com base no patriotismo, na disciplina e no comprometimento.
Mas Dunga não está se incomodando com a presença de uma cervejeira como
patrocinadora da nossa seleção. Esporte e álcool não é uma boa combinação, abala
a disciplina, abala o cumprimento do dever e abala o patriotismo. A mídia aceita
a vergonhosa combinação porque as cervejeiras são as maiores anunciantes do
país. O único a revoltar-se foi o colunista da Folha Ruy Castro.