Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A superexposição das crianças à televisão

A preocupação com a relação existente entre violência, televisão e seus reflexos no comportamento de telespectadores começou a despertar interesse a partir da década de 50. Foi nessa época que, assim como aconteceu com o rádio e, posteriormente, com o cinema, a influência da violência vinculada na televisão começou a ser alvo de estudos que buscavam identificar e quantificar como a violência poderia ser um fator presente para explicar comportamentos agressivos ou transgressivos. E acabaram por evidenciar que o quantitativo de violência ao qual somos expostos pode, sim, influenciar atos e comportamentos violentos.

Mas mesmo com toda preocupação com o nível de violência ao qual o telespectador está exposto quando em frente à televisão, houve um momento em que a preocupação se tornou maior! Foi quando uma onda de desenhos violentos japoneses desembarcou mundo a fora. Não que clássicos da nossa infância e de nossos pais não tivessem uma boa dose de violência. Contudo, foi a partir dessa invasão, no início dos anos 90, que o tema começou a dar espaço para reflexões relacionadas à formação de uma sociedade menos violenta a partir do que as crianças estariam vendo na televisão.

Na semana passada, a discussão sobre violência e infância voltou à cena com a divulgação de um vídeo em que o pai ensinava o filho, de 4 anos, e a sobrinha, de 3, a roubar. Rafael Borba – foragido da polícia, entre outros crimes, pelo sequestro de uma mulher e seu filho de 3 anos – usava brinquedos das próprias crianças como artífices de técnicas criminosas.

Uma aura de fantasia

A indignação geral insuflada com a divulgação do vídeo leva à reflexão sobre violência, infância e televisão e aí algumas questões se colocam: quem realmente é responsável por incutir em crianças e adolescentes o gosto pela violência? Até que ponto nosso comportamento permissivo não nos torna cúmplices do pai criminoso que ensinava a seus filhos seu ofício, ao não sermos capazes de nos indignar com a exposição gritante e crescente de nossas crianças a uma violência que vem maquiada de programação infantil?

Ao não sabermos exigir o real cumprimento da classificação indicativa, protegendo horários que a rigor seriam voltados para o público infantil, não obrigamos a programação infantil a ser, de fato, composta de conteúdo e programas infantis. Também na semana passada, quase na reta final, o Ministério da Justiça proibiu a exibição às 14h30min da novela Senhora do destino (Rede Globo), que na primeira exibição foi ao ar às 21 horas, por conter conteúdo inadequado ao horário. A lentidão do Ministério vem de encontro à nossa pouca capacidade de proteger nossa infância.

O fenômeno das babás eletrônicas acabou abrindo brecha para uma superexposição das crianças à televisão. Uma análise breve, até superficial, do conteúdo da programação dos programas infantis em exibição na totalidade das emissoras abertas brasileiras, não deixa dúvida de que a banalização da violência é o carro-chefe de grande parte dos desenhos animados. É possível que o que mais tenha chocado no fato do pai criminoso seja a natureza da violência em questão. A violência real, do cotidiano, ainda causa perplexidade, espanto, indignação, mas aquela que vem envolta em uma aura de fantasia, não!

A banalização de atos violentos

No final de março, quando a Rede Globo começava a anunciar sua nova grade de programação, a chamada para os novos desenhos do infantil TV Globinho dava um destaques especial aos vilões, e não aos heróis: ‘Vilões incríveis!’, ressaltava o locutor da emissora. E os tais vilões da TV Globinho se somam os das demais emissoras. É certo que lutam contra monstros milenares e tantos outros inimigos que existem somente no campo do imaginário. Entretanto, o teor violento se mantém.

Não que não saibamos o que significa uma boa programação infantil. Grades de programação infantil de qualidade, onde entretenimento e educação andam juntas, são a tônicas da programação dos canais infantis das emissoras pagas. Programação de qualidade 24 horas por dia. Mas inacessível a quem de fato precisa estar exposto a programas onde o estímulo a uma perspectiva melhor de sociedade seja uma realidade.

Sobra, àqueles pais que não têm como se refugiar nas bem produzidas programações infantis das televisões a cabo, de alto custo para quem muitas vezes não tem dinheiro para comer, a programação ruim das televisões abertas. Onde a banalização de atos violentos rotineiros destes desenhos pode funcionar como o fio condutor que possibilitou que aquelas crianças vissem como diversão os ensinamentos violentos do pai irresponsável.

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Crítica de televisão, Brasília, DF