Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A traição dos intelectuais

A história dos intelectuais de esquerda e direita está cheia de traições e linhas desviadas. Os novos neomarxistas e neoliberais brasileiros dos anos 70 até os desta primeira década do século 21 delas nada sabem ou silenciam ardilosamente. A autocrítica para eles não existe. Os jornais, sob rígida censura no Estado Novo (1937-1945), não se fechavam para os jornalistas comunistas. Recordo que, em 1945, houve uma reunião de comunistas. Foi convocada por José Maria Crispim, com o objetivo de reunir intelectuais militantes.

O romancista Jorge Amado foi acusado de oferecer 30.000 (trinta mil reis) para Oswald de Andrade escrever um livro de viagens à Europa, com um capítulo elogioso à Alemanha de Hitler. Foi um escândalo. Não se sabe se Jorge Amado cumpria missão do Kremlin ou de ‘alguém’ do extinto Komintern acantonado no Brasil, com o fim de, entre os países figurantes no livro proposto a Oswald, falar das ‘maravilhas’ do ‘paraíso do proletariado’.

Oswald (1890-1954) narra o episódio em seu livro Telefonema (Obras Completas, 2ª edição, Civilização Brasileira). A relação dos textos foi organizada por Vera Chalmers. Não se trata de obra escrita com o fim de ‘desmoralizar’ a experiência soviética. A obra de Vera se fez sob supervisão crítica de Antônio Cândido de Mello e Souza (USP).

A coleção de textos começou nos primeiros anos do século 20. Segundo Vera, quando ainda não circulava O Pirralho, em 1911. Nos textos já se vislumbra a linha inquieta de Oswald de Andrade. A vida no jornal sempre esteve conjugada com a vida literária e política de Oswald, sempre altivo e independente. Fez a coluna ‘Teatro e salões’ do Diário Popular (1901), que antecedeu O Pirralho. De 1926 a 1927 (depois da Semana da Arte Moderna, 1922), Oswald publicou crônicas no Jornal do Comércio (paulista).

Jornais de 1950 eram melhores

Quando do pacto entre a Alemanha nazista e a Rússia comunista (1939), já sob o terror stalinista (Trotsky foi morto por ordem de Stalin em 1940), Oswald escrevia no jornal Meio Dia até junho de 1939. Posteriormente, quase no fim da Segunda Guerra, o escritor paulista publicou a coluna ‘Feira das Sextas’ (julho de 1943 e 1944), no Diário de São Paulo; entre novembro de 1944 a 1945 escrevia para o Correio da Manhã (Rio), e pode ser característica do pensamento de Oswald, depois de 1944.

Fez crítica teatral no antigo jornal A Gazeta. É bom anotar que o texto 3 linhas e 4 verdades é da campanha para deputado de Oswald pelo Partido Republicano Trabalhista (PRT), de Hugo Borghi. Ali, Oswald fala o que o levou a romper com o PCB, ao fim da guerra, com a extinção da III Internacional. Oswald estava bem impressionado com o trabalho de Browder, chefe do PC americano. E também porque, conforme se sabe, Oswald não concordava com a Comissão Nacional Reorganizadora Provisória (CNOP) do PCB. Ele não acatava a liderança de Luís Carlos Prestes. Posteriormente, na campanha presidencial de 1945 (eleição em 2 de dezembro simultânea com a eleição da Assembleia Nacional Constituinte), Borghi inventou aquela frase de Eduardo Gomes: ‘Eu não preciso do voto de marmiteiros’.

Nesse tempo Borghi estava no PTB de Getúlio. Por falar nisso, há dez anos descobri que Hugo Borghi estava vivo e era fazendeiro em Goiás. Essa foi uma das matérias que pautei e a chefia de redação cortou. Todos sabem que a campanha dos marmiteiros e o apoio de Getúlio ao general Dutra foram determinantes para a derrota do brigadeiro em 1945.

A maior parte deste esclarecimento foi feita com outras palavras, por Vera Chalmers, em 1973. Nota: o meu exemplar de O Telefonema foi surripiado de minha biblioteca particular. Lembro Plínio Doyle, do Sabadoyle: livro não se empresta…

Atenção: quem ler o texto de Obras Completas – 10, de Vera Chalmers, verá que os jornais de 1950 eram bem melhores que os atuais. Noticiava-se tudo, teatros, shows, livros lançados, comentários políticos. Oswald cobria todos os teatros e dava notícias de interesse literário e cultural. Claro que prevalecia o poder dos donos dos jornais. Ou então os órgãos davam preferência aos amigos e à matéria paga que se publicava (como hoje) como matéria de redação.

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Ex-presidente do SJPMG (1975-1978) e ex-presidente do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos de Minas Gerais (Dieese)