Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A naturalização dos absurdos

Como é praxe, o noticiário político da mídia jornalística apresenta de forma acrítica as maiores barbaridades. Essa prática contribui para a naturalização de aberrações. Deu no Painel da Folha de S. Paulo (19/1, domingo):

O cientista. Dilma Rousseff ofereceu o Ministério da Ciência e Tecnologia ao PSD de Gilberto Kassab. A pasta é ocupada hoje por Marco Antônio Raupp, indicado por Aloizio Mercadante (PT).

Já respondo. O ex-prefeito prometeu consultar o partido e deve falar de novo com a presidente quando ela voltar de Davos. Os dois se encontraram na última terça-feira, dois dias antes de Kassab ser acusado de receber ‘uma fortuna da Controlar’. Ele afirma ser inocente.”

A nota tem um tom crítico na medida em que se refere a Kassab como suposto beneficiário de propina da empresa que verificava a emissão de poluentes dos veículos da capital paulista. Mas seus autores não perceberam, ou não sinalizaram, que existe algo bem mais grave na historinha: transformar o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) em item do troca-troca político-administrativo que larva sob a égide da famosa “governabilidade”.

Preocupação

Sempre atenta e rápida, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, mandou carta à Folha de S. Paulo cuja reprodução, aqui, pode despretensiosamente ser considerada um serviço público:

“Quero manifestar minha extrema preocupação com a informação de que a presidente Dilma ofereceu o MCTI (Ministério da Tecnologia, Ciência e Inovação) ao PSD como recompensa por apoio eleitoral (Painel, 19/1).

“É preciso entender que ciência, tecnologia e inovação precisam de regularidade de orçamento e de gestão e que outros países têm investido pesado na agenda de pesquisa e inovação tecnológica como combate à crise.

“O MCTI teve o sexto melhor desempenho entre os 39 ministérios, em recente avaliação de uma empresa de consultoria.

“Se tivessem ouvido também os cientistas, a aprovação da gestão atual do ministério teria sido ainda maior. Vamos fazer política, mas vamos respeitar a ciência.”

A carta foi enviada ainda no domingo em que saíram as duas notas no Painel. Saiu no dia seguinte no Painel do Leitor. Vasculhem-se os principais jornais do país de terça-feira (22/1) e não se encontrará nada a respeito. Aparentemente, as editorias estão esperando, como Kassab, que Dilma volte de Davos.

É difícil imaginar entre os “quadros” do PSD, rebento tardio do malufismo (a classificação é deliberadamente simplificadora), alguém que esteja à altura de dirigir o MCTI. Raupp, o atual ministro, é um matemático conhecido e respeitado. Era presidente da SBPC quando o indicaram para substituir Mercadante no MCTI. A propósito, ele pode até ter sido apontado por Mercadante para Dilma, mas muita gente mais – como o ex-ministro Sergio Rezende (2005-10) – subscreveu a indicação.

Desenvolvimento

A informação não poderia ter sido veiculada sem o acompanhamento de um contraponto, a menos que repórteres e editores sejam tão desmiolados que ignorem a importância estratégica da gestão estatal de ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país.

A carta de Helena Nader contém o núcleo de uma pauta jornalística importantíssima. O ponto de partida poderia ser a importância que têm ciência, tecnologia e inovação. Que o digam os povos dos países ricos. A Coreia do Sul há quarenta anos tinha PIB per capita comparável ao do Brasil e sumiu na poeira da estrada.