Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A valentia dos anônimos

Ainda falta mais de um ano para começar oficialmente a campanha presidencial de 2010, mas as feras já estão soltas na web, prontas para matar ou morrer, como se o país estivesse em guerra.


Dá para imaginar o que nos espera nesta primeira eleição geral no Brasil na qual a internet terá um papel decisivo, como já vimos na campanha que levou Obama à presidência dos Estados Unidos.


Com mais de 60 milhões de brasileiros já ligados à grande rede, uma terra de ninguém, sem regras nem responsabilidades claramente estabelecidas em lei, o vale tudo não tem limites, e fica cada vez mais difícil estabelecer um debate minimamente civilizado.


Quem me chamou a atenção para esta situação nova e preocupante na disputa política foi o colega Luiz Antonio Magalhães, em corajoso artigo publicado esta semana no Observatório da Imprensa, sob o título ‘Blogosfera desvairada – Sob o império da lei da selva‘.


Encarregado de fazer a moderação dos comentários do OI, Magalhães fala das dificuldades encontradas. ‘Em muitos casos, os internautas reclamam de ‘censura’, em outras apontam supostas ofensas e até crimes de calúnia, injúria e difamação em textos liberados pelo moderador’.


‘Censura! Censura!’


Eu mesmo muitas vezes fico na dúvida sobre o que devo ou não liberar para publicação. Se levar esta tarefa a ferro e fogo, sobraria pouca coisa, e logo seria xingado de censor por não aceitar opiniões contrárias às minhas.


Não se trata disso, garanto. Desconheço outro blog em que a área de comentários publique tantas críticas ao próprio autor e a tudo o que ele escreve, como são testemunhas os leitores deste Balaio – entre outras razões, por ter trabalhado durante dois anos no governo Lula, como informa meu currículo profissional publicado no blog.


O grande problema que vejo nesta história toda, desde que comecei a escrever na internet, em 2005, é a praga do anonimato que se espalha por todos os espaços da web.


Em alguns blogs – não é o caso do Balaio, onde a grande maioria dá seu nome completo –, a quantidade de leitores que se ‘identificam’ como ‘anônimos’, ou usam alcunhas, pseudônimos, niks e não sei mais o quê, é assustador, chega a quase 100%.


Gostaria de saber qual o motivo destes valentes caluniadores não poderem se apresentar com seu próprio nome, arcando com as consequências por aquilo que escrevem.


Agridem com a maior leviandade a honra alheia, levantam falsas acusações, ofendem outros leitores e, quando seus comentários não são publicados, saem gritando: ‘Censura! Estou sendo censurado!’.


Novas regras


Luiz Antonio Magalhães observa, com toda razão:




‘A internet é um fenômeno ainda muito novo no mundo inteiro. A legislação que servia para a imprensa escrita, falada e televisiva não contemplava tamanho grau de interatividade e muito menos as enormes possibilidades de anonimato que a rede mundial permite e até incentiva’.


A baixaria permitida por este anonimato muitas vezes é incentivada pelos próprios blogueiros, que atiçam seus fiéis seguidores a se tornarem cada vez mais intolerantes, sectários, preconceituosos e fanáticos, criando verdadeiras cruzadas em defesa do seu campo ideológico e de ataques a quem pensa diferente.


Magalhães pinçou alguns exemplos de blogs em que os leitores repetem com mais fúria e sem nenhuma responsabilidade os bordões dos donos do pedaço. Não se trata de eventuais aberrações.


Esta prática está-se tornando cada vez mais comum na web, fazendo lembrar aqueles rapazes da TFP (por onde andarão?), que ficavam com seus estandartes pelas esquinas da cidade praguejando contra o perigo vermelho que ameaçava a tradição, a família e a propriedade.


A cada dia aparecem novos justiceiros botando mais fogo no circo numa disputa feroz para ver quem é o mais radical, o mais ousado, formando novas legiões de fanáticos que se recusam a utilizar argumentos para combater idéias, partindo diretamente para o confronto insano, que tem como pano de fundo a disputa eleitoral do próximo ano.


Magalhães lembra que o STF acaba de derrubar a Lei de Imprensa da ditadura, sem estabelecer novas regras para disciplinar a atividade. ‘Está valendo o que diz a Constituição Federal, promulgada quando a internet ainda engatinhava no país’.


Concordo plenamente com ele, quando diz:




‘Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que existe um vazio enorme, uma lacuna que precisa ser preenchida. Não se trata, é óbvio, de defender a restrição das atividades que os internautas desenvolvem na web, mas sim a de algumas regras básicas para disciplinar estas atividades. A internet não pode se transformar em uma máquina de moer reputações’.


Questão vital


Não gosto de apenas fazer diagnósticos, mas me esforço para encontrar soluções concretas.


Assim como defendo para todos o direito de ir e vir com seus automóveis, desde que tenham carteira de motorista e respeitem as leis do trânsito, também defendo a liberdade para que todos escrevam o que bem entenderem na web, mas que sejam responsáveis por suas palavras.


Não é justo que o responsável pelo blog esteja sujeito a processos na Justiça pelos crimes praticados por terceiros na área de comentários e seja obrigado a passar o dia inteiro cercando os cachorros loucos que invadiram a web.


Por isso, proponho que se crie alguma regra do jogo que todos sejam obrigados a respeitar, até para que a internet possa continuar sendo este fantástico instrumento de democratização de informações e opiniões, um espaço que deixou de ser monopólio de meia dúzia de empresas e colunistas do pensamento único.


Uma forma de se estabelecer um mínimo de civilidade na grande rede é criar uma espécie de Cadastro Nacional de Internautas.


Cada cidadão teria direito a uma senha para frequentar este espaço, uma vez registrado com seu nome verdadeiro, endereço, CPF e demais dados para que possa ser criminalmente responsabilizado, se não respeitar as leis vigentes no país.


Deixo aqui a minha sugestão, mesmo sabendo que o assunto é bastante delicado e, portanto, polêmico. Mas é importante abrir esta discussão, que deve ser travada no Congresso Nacional e em todas as instâncias da sociedade civil organizada.


Trata-se de uma questão vital para a democracia, diante desta grande revolução nas comunicações humanas deflagrada pela internet, com consequências ainda imprevisíveis.

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Jornalista