Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

ABI pede veto a PLC do Pastor Amarildo

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) pediu ao presidente Lula que vete o Projeto de Lei Complementar nº 79/2004, de autoria do Deputado Pastor Amarildo (PSC-TO), em face daquilo que a entidade classifica de incoerências e incongruências do projeto. Diz a ABI que a proposta contém disposições absurdas, como a de criação da figura do Comentarista, que teria de sair de uma faculdade de Comunicação com saber enciclopédico.


Além de encaminhar ao presidente as conclusões de um estudo que fez a respeito do PLC, cujo prazo para sanção ou veto expira no dia 28/7, a ABI está firmando com outras entidades de profissionais e empresas da área de comunicação um documento que pede a Lula o veto total. Entre as instituições signatárias do memorial figuram a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e o Conselho Federal de Relações Públicas (Conferp).


O expediente encaminhado pela ABI tem o seguinte teor:


A Associação Brasileira de Imprensa dirige-se a Vossa Excelência para ponderar sobre as inconveniências da sanção do Projeto de Lei Complementar n° 79/2004, de autoria do Senhor Deputado Pastor Amarildo, o qual contém disposições que não podem encontrar abrigo na vontade presidencial. Entre essas inconveniências não são desprezíveis os erros de linguagem, como os que anotamos no inciso VI do art. 2° da nova redação que se pretende dar a essa disposição do Decreto-Lei n° 972, de 17 de outubro de 1969, assim como nos incisos V, a, e X do art. 4º desse diploma legal. Há na proposição erros decorrentes até de desatenção na elaboração legislativa, como visível na nova redação cogitada para o art. 6° do citado Decreto-Lei n° 972/69, que fala em ‘Coordenação de Revisão’ (grifo nosso), quando o certo seria Coordenador.


2. Como se redigido por pessoas sem qualquer conhecimento, mesmo que superficial, da realidade e do dia-a-dia das redações dos veículos de comunicação, o PLC 79/2004 intenta promover a invasão da organização interna dos núcleos de produção jornalística, ao delegar ou atribuir responsabilidades a figuras profissionais hoje inexistentes e cuja criação é instituída pelo texto pendente de sanção. É este o caso, na redação que se propõe para o art. 6° do Decreto-Lei n° 972/69, do Editor Responsável (inciso I), do Editor de Jornalismo (inciso II), do Subdiretor de Jornalismo (inciso III), do Coordenador de Reportagem (inciso IV), do Pauteiro (inciso V), da Coordenação de Revisão (sic; inciso VI), do Coordenador de Imagens (inciso VII), do Coordenador de Pesquisa (inciso IX), do Processador de Texto (inciso XIX), do Produtor Jornalístico (inciso XXIII).


3. Ora, é evidente que a atribuição de encargos aos profissionais referidos não pode decorrer de disposição legal, já que o exercício da função de Editor Responsável, por exemplo, deve corresponder, tanto quanto ao nível de qualificação do jornalista, ao grau de confiança que nele deposita a empresa para a qual trabalha. Tal se aplica também a outras figuras profissionais referidas no texto em exame, como Editor de Jornalismo, Coordenador de Reportagem, Coordenação de Revisão, Coordenador de Imagens, que serão definidos pela empresa considerando-se tanto a competência dos jornalistas para exercerem tão relevantes encargos como a confiança que merecem da direção do veículo.


4. Longe de favorecer a categoria profissional dos jornalistas, que se presume seja um dos objetivos do projeto, a proposição cria dificuldades e embaraços à admissão de profissionais pelas empresas, até mesmo porque será reduzido o número de funções no âmbito destas que careçam de ocupação, como a de Editor Responsável. São conhecidos no meio jornalístico casos de profissionais desempregados que não conseguiram ou não conseguem realocação no mercado de trabalho por excederem em qualificação as exigências para admissão em funções de menor importância. ‘Eu não quero ser secretário do jornal, quero ser um redator comum’, disse certa feita um profissional a que se recusava vaga em importante diário do Rio de Janeiro porque não havia vaga de secretário, função em cujo desempenho ele se tornara conhecido.


5. As incoerências e incongruências do PLC 79/2004 alcançam dimensão que se aproximam do ridículo, como ao prever, na nova redação proposta para o art. 6° do Decreto-Lei n° 972/69, a criação da figura do Subdiretor de Jornalismo, função que, como já referido, caberia a um profissional designado pela empresa. Pela proposta do ilustre Deputado Pastor Amarildo, a pessoa ingressaria numa faculdade de Comunicação Social para se qualificar não para o exercício da função de Diretor de Jornalismo, mas de Sub – Subdiretor, sub-raça, subprofissional. Seria cômico, se não fosse trágico, como é.


6. Ao pontificar sobre seara que lhe é estranha, o autor da proposição deixa entrever que desconhece não apenas o cotidiano da vida interna dos órgãos de comunicação, mas igualmente a realidade das faculdades de Comunicação Social, que se pretende sobrecarregar com a obrigação de formar profissionais que prescindem de formação de nível superior, como é o caso, por exemplo, do Arquivista-Pesquisador, do Diagramador, do Assessor de Imprensa ou do Ilustrador. No caso do Arquivista, seja pesquisador ou não, já existe regulamentação legal específica, como lembrou o Presidente do Conselho Nacional de Arquivos, Jaime Antunes. E é passível de questionamento, igualmente, a atribuição do encargo de Assessor de Imprensa apenas a jornalistas profissionais, como advertiu o Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas.


7. A todas essas inadequações se junta a proposta da inclusão nos textos normativos da profissão de jornalista da figura do Professor de Jornalismo (inciso XXI do art. 6º), atividade que deve ser definida e regulada pela legislação pertinente à organização do ensino superior. Mais que inadequada, é absurda a instituição da figura do Comentarista (inciso XIII do citado art. 6º), novidade que desde logo afasta a possibilidade de os meios de comunicação, especialmente o rádio e a televisão, recorrerem a especialistas para análise de questões que o veículo considere relevantes.


8. Além de impedir que, afora os profissionais já em atividade, cujos direitos adquiridos terão de ser respeitados, pessoas com notório saber em seus campos de atividade, como ex-jogadores, ex-treinadores e ex-árbitros de futebol, sejam chamadas a fazer comentários sobre suas especialidades, o PLC n° 79/2004 ignora a impossibilidade de formação universitária de profissionais sob a denominação genérica de Comentarista. Para se capacitar para o exercício de atividade de tão largo espectro num veículo de comunicação, o profissional teria de contar com uma formação de saber enciclopédico, o que demonstra a inconsistência e o despropósito da disposição proposta.


9. É certo, Senhor Presidente, que o PLC n° 79/2004 promove uma alteração legislativa que há muito carecia de adoção, como a eliminação de figuras profissionais que desapareceram no universo da produção jornalística desde a edição do Decreto-Lei n° 972, em 1969. Neste caso situa-se a figura do Repórter de Setor, que não mais existe e que o texto em comento suprime da enunciação originária do Decreto-Lei n° 972/69. Entretanto, o mesmo cuidado não se teve em relação à figura do Noticiarista, que também há muito desapareceu das redações e é mantida no texto legal.


10. É com base em estudo que conduziu a estas observações que a Associação Brasileira de Imprensa postula de Vossa Excelência, Senhor Presidente, a impugnação, através de veto, do malsinado PLC n° 79/2004, que não atende aos interesses dos profissionais e das empresas de comunicação nem ao aperfeiçoamento do exercício da liberdade de informação e opinião consagrada na Constituição da República.


No ensejo, Senhor Presidente, renovamos as expressões do nosso elevado apreço.


Cordialmente, (a) Maurício Azedo, Presidente

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Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)