Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Algumas novidades e poucos progressos

Este é o último de três artigos de Balanço 2007 sobre as Comunicações cuja publicação foi iniciada neste Observatório há três semanas [ver ‘As críticas de Gore e Blair à grande mídia‘ e ‘Mais recuos do que avanços‘]. O artigo reúne o segundo conjunto de temas sobre os quais arrisco observações pontuais. Embora tenha evitado repetir avaliações já feitas, eventuais superposições são inevitáveis. Os temas foram organizados por ordem alfabética e fragmentados para facilitar a análise.

1. Atores principais (major players)

O Poder Executivo, por mais um ano, não tomou a iniciativa de elaborar um projeto de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa a ser encaminhado para apreciação do Congresso Nacional. A TV digital e a Empresa Brasil de Comunicação, portanto, entraram em funcionamento em um verdadeiro vazio regulatório.

Do ponto de vista das relações com a mídia, vale registrar que o presidente Lula concedeu 152 entrevistas ao longo do ano, 60 a mais do que em 2006. Os números foram divulgados no dia 20 de dezembro pela Secom.

No Congresso Nacional, merece registro:

(a) a lamentável desativação do Conselho de Comunicação Social, que não se reúne desde dezembro de 2006, quando terminou seu segundo mandato. Num período em que decisões fundamentais estão sendo tomadas no setor, o órgão auxiliar do Congresso aguarda, há mais de um ano, a escolha de sete novos conselheiros pela Mesa Diretora; e

(b) a não instalação da CPI sobre a venda da TVA do Grupo Abril para o Grupo Telefônica, da Espanha. Apesar de subscrito por 182 deputados de 15 dos 19 partidos com representação na Casa, o presidente da Câmara optou por não atender ao requerimento. Como esta CPI certamente provocaria também a investigação da compra da NET pela Telmex – segundo a própria Abril, as transações comerciais são análogas – o que se pode deduzir é que pressões poderosas inviabilizaram a instalação.

No setor privado, um fato de singular relevância é a inquestionável consolidação do grupo Record (leia-se Igreja Universal do Reino de Deus) como um dos maiores (o segundo?) conglomerado de comunicações do país: 23 emissoras de TV, 40 de rádio, dois jornais diários (Belo Horizonte e Porto Alegre), o maior jornal semanal do país (Folha Universal, com tiragem de 2 milhões de exemplares) e duas gráficas.

As teles entraram de vez na disputa pela distribuição de conteúdo, até então monopólio dos grupos privados concessionários de radiodifusão.

Por outro lado, o poder de fogo dos atuais operadores e concessionários de TV ficou patente, mais uma vez, na resistência imposta aos critérios de classificação indicativa dos programas de televisão (Portaria 264 do Ministério da Justiça).

2. Circulação/audiência

Segundo dados da ANJ, inverteu-se a tendência de queda na circulação de jornais diários (aqueles publicados no mínimo quatro dias por semana). A circulação média teve um aumento de 0,8% em 2004, de 4,1% em 2005 e de 6,5% em 2006, atingindo 7,230 milhões de exemplares dia.

Já na mídia eletrônica, a principal notícia talvez seja a confirmação da tendência de queda na audiência da Rede Globo e de crescimento da Rede Record. Dados do Ibope Telereport, comparativos do share das emissoras de TV (a quantidade de telespectadores de cada emissora em pontos percentuais), para os meses de janeiro a agosto de 2006 e 2007, apontam uma queda de 9,5% da Rede Globo no horário nobre (das 18h à 1h) na grande São Paulo e de 7% em todo o país.

Considerando-se a audiência para o dia inteiro (das 6h à meia-noite) no mesmo período, a queda foi de 10,5% na Grande SP e 7,3% no total nacional. Por outro lado, no mesmo período, a Record aumentou sua participação no horário nobre em 23%, tanto na grande São Paulo quanto em todo o país. Durante o dia, o crescimento foi de 28% na grande São Paulo e 27% no Brasil.

3. Cobertura jornalística

Infelizmente boa parte da grande mídia não aprendeu com as lições do passado recente. A ‘condenação’ pública antecipada do padre Júlio Lancelotti foi o exemplo mais gritante de jornalismo irresponsável que ignora o direito à presunção de inocência.

A entrada em funcionamento (setembro) do canal de jornalismo da Rede Record – o primeiro da TV aberta – renova a esperança de que pode haver pluralidade no telejornalismo.

A registrar o desequilíbrio unânime e inequívoco da cobertura política, sobretudo das ações do governo federal, na contramão dos índices de aprovação reiterados pelas pesquisas de opinião ao longo do ano. Faço minhas as palavras de Carlos Heitor Cony, publicadas na Folha de S. Paulo no último dia 16/12 (A-2):

‘Pode-se dizer que a classe política e a mídia (esta em forma consensual) não aprovam sua (do presidente Lula) atuação no cenário nacional. Poucas vezes na história do Brasil um presidente e um governo recebem tantas críticas e despertam tantas cóleras nos arraiais da política e da mídia. Praticamente não há, nos meios de comunicação, uma voz discordante, clamando no deserto. O pau é geral.’

4. Observação da mídia

Alguns canais de TV do campo público mostraram que se pode fazer ‘observação’ séria da mídia na própria mídia. Foi criado o ombudsman da Radiobrás; o programa semanal de debate Ver TV, transmitido pela Radiobrás e pela TV Câmara, se consolidou; e o Observatório da Imprensa, na web, na TV e no rádio, prosseguiu na sua trajetória pioneira. Vão se consolidando também outras experiências de crítica da mídia como o Observatório Brasileiro de Mídia (capítulo brasileiro do Media Watch Global); o Observatório do Direito à Comunicação (iniciativa do coletivo Intervozes); e a Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi), que reúne observatórios, sobretudo, no mundo acadêmico.

A se registrar também programas de debate sobre a cobertura jornalística na TV Senado, na TV Câmara e em alguns canais comunitários.

5. Opinião pública

A quase totalidade dos editorialistas e colunistas da grande mídia continuou, em 2007, tão ‘descolada’ da opinião que prevalece no conjunto da população como já estava em 2006.

Um exemplo desse ‘descolamento’ são os resultados de uma pesquisa mundial sobre liberdade de imprensa divulgada no início de dezembro. Encomendada pelo Serviço Mundial da BBC, a pesquisa foi realizada pelas empresas GlobeScan e Synovate entre os dias 1º de outubro e 21 de novembro e avaliou a opinião da população de 14 países. Foram feitas 11.344 entrevistas e a Oceania foi o único continente não incluído no levantamento. Na América Latina, o levantamento foi feito no Brasil, México e Venezuela. Seleciono alguns resultados:

Os brasileiros se mostraram os mais preocupados com a concentração dos meios de comunicação nas mãos de um ‘pequeno número de grandes empresas do setor privado’. Segundo o levantamento, 80% dos brasileiros acreditam que esse controle pode levar à ‘exposição das visões políticas’ de seus donos no noticiário.

Cinqüenta e dois por cento (52%) dos brasileiros entrevistados disseram acreditar na liberdade da imprensa brasileira. Por outro lado, 63% dos venezuelanos acreditam na liberdade de imprensa na Venezuela. O índice venezuelano é maior do que a média geral obtida nos 14 países pesquisados (56%).

Além disso, contrariamente ao que se escuta, se lê e se vê na grande mídia todos os dias, a pesquisa apontou que os venezuelanos ‘são um dos maiores defensores da liberdade de imprensa e têm uma visão positiva sobre a liberdade que os órgãos de comunicação gozam no seu país para cobrir notícias de forma precisa, verdadeira e imparcial’. E ainda: ‘A percepção dos venezuelanos sobre o desempenho da mídia é consideravelmente mais positiva do que em outros países da América Latina’; os dados revelaram que 42% dos venezuelanos consideram ‘bom’ o trabalho dos órgãos de comunicação controlados pelo governo, enquanto que no Brasil e no México este índice foi de 25%.

6. Personagens

** Rupert Murdoch – A compra da Dow Jones (Wall Street Journal) e a continuada inflexão político-partidária dos noticiários da Fox News do grupo News Corporation, fazem de Murdoch um nome a ser registrado em 2007.

Sobre a Fox News, aliás, foram publicados os resultados de um experimento inédito apoiado por duas renomadas instituições de ensino/pesquisa (Universidade da Califórnia, Berkeley e Instituto Internacional de Estudos Econômicos da Universidade de Estocolmo) e pelo instituto de pesquisa de opinião Scarborough Research, os quais, ao longo de quatro anos, estudaram a introdução do canal de notícias em 20% das cidades estadunidenses. As conclusões apontam que a Fox influiu em até 28% dos votos recebidos pelos candidatos republicanos nas eleições de 1996 e 2002 (cf. S. Della Vigna e E. Kaplan; ‘The Fox News effect: media bias and voting’ in The Quarterly Journal of Economics, Harvard e MIT, agosto de 2007).

** Antonio Carlos Magalhães – Faleceu, em julho, aos 79 anos. Sua biografia, e sobretudo sua carreira política, são paralelas à consolidação de um sistema de comunicação de massa na Bahia e no Brasil. Político profissional desde o início da década de 50 do século passado, ele talvez tenha sido a figura emblemática do coronelismo eletrônico no país, aspecto da sua vida pública que os vários obituários publicados pela grande mídia ignoraram ou ao qual fizeram apenas uma referência ligeira.

Observações finais

Ficam fora dessa avaliação pontual temas como o mundo do cinema, sobretudo da produção, distribuição e exibição do audiovisual nacional; o que se passa nos cursos de Comunicação (ou de mídia?), tanto no que se refere à formação profissional quanto à pesquisa; a questão do monopólio das transmissões esportivas na TV (aberta e paga); a mídia alternativa (sim, ela existe), dentre outros.

Registro, finalmente, algo que me impressiona já há algum tempo: o crescente debate sobre a mídia na sociedade brasileira. Em 2007 não foi diferente. Seminários, congressos, fóruns estão sendo promovidos por partidos políticos, universidades, sindicatos, associações de bairro, igrejas e outras instituições. Da mesma forma, o debate está sendo feito na internet, nas escolas (de todos os graus), no Congresso, na mídia alternativa etc. etc.

Esse é um avanço importante: debater a mídia – como se debate qualquer outra instituição de interesse público – é o primeiro passo para a universalização do direito à comunicação e é fundamental para a saúde de nossa democracia.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)