Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Anotações sobre procedimentos jornalísticos

Em plena crise política, com CPI dos Correios, relatos sobre um certo ‘mensalão’ e questionamentos de toda ordem sobre o trabalho jornalístico, ainda há sentido em revisitar a cobertura das mortes de Paulo César Farias e Suzana Marcolino. Para reafirmar a velha lição de que o passado ensina a driblar erros e a repetir acertos.


Existe outro motivo: entender um pouco mais sobre um episódio cujo processo está parado no Tribunal de Justiça de Alagoas há mais de um ano, depois que um juiz do Estado decidiu mandar a júri quatro acusados de duplo homicídio. Juridicamente, o Caso PC está em aberto.


Este texto é a continuação de outro, assinado por mim neste Observatório da Imprensa (‘De volta ao Caso PC Farias’, 7/6 ). Aquele abordava comentários feitos por Joaquim de Carvalho no OI na TV (31/5) e em seu livro Basta! Sensacionalismo e farsa na cobertura jornalística do assassinato de PC Farias (Editora A Girafa, São Paulo, 2004). Carvalho voltou a escrever, neste Observatório (‘Notas sobre uma cobertura polêmica’, 14/6) [veja remissões abaixo].


Em seu artigo, ele amplia insultos e adjetivação contra mim, como já fizera também em relação a outros repórteres que divulgaram informações que contradizem a versão de que, em junho de 1996, Suzana teria matado PC e se suicidado.


Tenho uma má notícia para Carvalho: como antes, manterei a argumentação no substantivo. Quanto mais fortes são os substantivos, mais dispensáveis são os adjetivos. Quando mais fracos os substantivos, mais necessários os adjetivos. Espero, a seguir, contribuir para que se entenda por que, no debate jornalístico sobre o Caso PC, uns preferem os adjetivos e outros, os substantivos.


***


1. Por mais complexos ou enfadonhos que sejam certos temas, há questões pontuais que, como síntese, ilustram o resto.


O médico-legista Fortunato Badan Palhares assegura que, na necropsia de Suzana Marcolino conduzida por ele em 1996, a altura da namorada de PC foi medida. Em 1997, uma equipe de peritos projetou uma altura (cerca de 1,57m) diferente da estipulada no laudo coordenado um ano antes por Palhares (1,67m). Em resposta, o legista afirmou que mediu Suzana. Em 1999, a Folha de S.Paulo (31/3) publicou reportagem descrevendo o procedimento, registrado em vídeo por um cinegrafista da equipe de Palhares. As imagens e o áudio mostram que Suzana não foi medida, nem se tocou no assunto ‘altura’ durante a necropsia. Mesmo assim, o médico continuou a dizer: mediu Suzana.


Até hoje, Palhares não identificou em que momento a gravação documenta a medição. Ninguém pode obrigá-lo a dizer qualquer coisa. Mas o vídeo está lá, com a resposta – negativa – à pergunta: Suzana foi ou não medida?


No OI na TV (31/5), Joaquim de Carvalho disse que a Folha (a) ‘reabriu o caso com uma fotografia’, (b) que o jornal encomendou um parecer (ou laudo) para ‘legitimar’ essa fotografia e (c) que o laudo se baseou apenas em uma imagem. Apresentei fontes que negam as três afirmações. Sobre a primeira questão, Carvalho passou a escrever (Observatório, 14/6) sobre ‘muitas fotos’, mas não se pronunciou sobre o seu erro. Sobre a segunda, calou.


Sobre a terceira, insistiu: ‘Uma dessas fotos – repito, uma – foi usada para a realização de exames de perícia e a conclusão do perito: Suzana teria no máximo 1m57. Ela aparece de corpo inteiro e o cocuruto está abaixo do topo da careca de PC’.


Carvalho poderia ter se enganado no OI na TV e se corrigido no texto. Pois no texto reafirmou o que dissera. É o tal episódio que, pontual, sintetiza todo um comportamento.


O laudo pericial ao qual Carvalho se refere não foi encomendado pela Folha, mas pelo Ministério Público de Alagoas. Tem 23 páginas. Foi assinado por Ricardo Molina de Figueiredo (então coordenador do Laboratório de Fonética Forense e Processamento de Imagens da Unicamp) e por Donato Pasqual Junior, assistente técnico.


A pág. 12 do laudo exibe as duas primeiras fotos (uma de Suzana com PC e uma do casal com outra mulher). A pág. 13 contém duas fotos. A pág. 14, uma. A pág. 15, uma. A pág. 16, uma, acompanhada da ampliação do detalhe de salto de bota. A pág. 17, uma, também com ampliação de detalhe de imagem. As págs. 22 e 23 mostram uma foto cada uma. No total, dez fotos. Não entram no cálculo as ampliações de detalhes e 12 imagens produzidas especialmente para calcular o impacto do salto do sapato na altura de uma pessoa.


O laudo está anexado ao processo. Suzana aparece mais baixa ao lado de PC (este teria 1,63m altura, altura não questionada por nenhuma equipe de peritos que atuou no caso) em cinco fotos, e não uma, como insiste em reafirmar Carvalho. Mais importante: há fotos ao lado de sua irmã (a jornalista Ana Luiza Marcolino), que está viva e foi medida, o que ajuda a projetar com precisão a altura da namorada de PC. Mais alta que Suzana, Ana Luiza tem 1,63m.


Perguntas: por que Badan Palhares insiste em afirmação negada pelo vídeo produzido por sua própria equipe? Por que Joaquim de Carvalho insiste que o laudo sobre a altura de Suzana fundamentou-se em apenas uma imagem quando é possível checar o laudo e conhecer a verdade?


Por que Carvalho mantém a afirmação improcedente?


a) Apurou errado uma vez e não checou depois de alertado em 7/6 sobre o erro.


b) Apurou errado duas vezes: antes e depois do alerta sobre o erro.


c) Apurou certo já na primeira vez, mas se confundiu ao afirmar e reafirmar um erro.


d) Apurou certo na segunda vez, mas se confundiu ao reafirmar o erro inicial.


e) Apurou certo na segunda vez, mas preferiu reafirmar o erro.


Diferentemente do que faz Joaquim de Carvalho, recuso-me a especular sobre fontes e interesses. Por isso não posso responder qual a opção correta. A resposta é de Carvalho.


2. A altura de Suzana não é detalhe ou fetiche. Ela é decisiva para a hipótese de suicídio. É o que afirmam Badan Palhares (coordenador da primeira equipe) e os integrantes da segunda equipe de peritos. Bem como os de uma terceira equipe, que em 1999 analisou a pedido do Ministério Público de Alagoas os trabalhos das duas anteriores.


Foi possível reconstituir a trajetória da bala que matou Suzana. O projétil atravessou a região mamária, ultrapassou a parede de madeira atrás da cama e atingiu o braço de uma cadeira da sala. Com dois pontos (um na entrada e outro na saída da parede), os peritos estabeleceram a trajetória da bala, desde a sua saída do revólver. A reta é descendente, menos comum em suicidas, conforme a literatura sobre Medicina Legal. A descrição não é questionada por nenhum dos técnicos que se manifestaram no processo, aproximadamente duas dezenas.


O laudo que sustenta suicídio afirma que Suzana estava sentada. Se ela tivesse 1,57m e estivesse nessa posição, a bala não a teria atingido na região mamária, mas acima. Ou seja: a altura de Suzana é essencial para bancar (ou não) a versão de que ela se suicidou.


3. Carvalho critica (Observatório, 14/6) a escolha que a Justiça de Alagoas fez dos peritos que assinaram o segundo laudo. Afirma que eram todos ‘oponentes’ de Badan Palhares.


Houve uma terceira equipe que comparou os dois laudos. Sua manifestação foi categórica, condenando os resultados do trabalho coordenado por Palhares. Por que Carvalho cala sobre a existência dessa terceira equipe? Eram também, todos, ‘oponentes’ de Palhares?


As divergências entre Badan Palhares e Ricardo Molina foram relatadas pela Folha pelo menos quatro vezes, somente em 1999 (edições de 12, 26 e 27/3 e 26/5).


4. Um teste feito com a participação de alunas da USP foi apresentado em 1999, em Maceió, no debate que opôs duas equipes de peritos. O legista Daniel Muñoz reconstituiu o tiro que matou Suzana. As alunas tinham o peso aproximado da namorada de PC, o colchão era semelhante ao da cama onde ela morreu etc. Considerou-se que Suzana estaria sentada, exatamente na posição em que, conforme Palhares e Carvalho, ela teria atirado em si mesma. A conclusão do teste: com a trajetória – conhecida – da bala, mesmo que Suzana tivesse quase 2 metros de altura, ela seria atingida acima da região mamária (ou não seria atingida). Com 1,57m (ou 1,67m), não se ‘encaixaria’ na trajetória da bala. Ao ser atingida, portanto, na verdade ela não estava sentada. E o suicídio narrado por Palhares – e Carvalho – pressupõe que Suzana estivesse sentada.


Por que Joaquim de Carvalho calou sobre esse teste em seu livro, mesmo que fosse para condená-lo? Não há relevância?


5. De acordo com a versão da polícia de Alagoas em 1996, fundamentada no laudo coordenado por Badan Palhares e abraçado por Joaquim de Carvalho, Suzana atirou duas vezes: assassinou PC e se suicidou.


No revólver, contudo, não foram encontradas impressões digitais. Por que Carvalho oculta o fato, mesmo para relativizá-lo? Não é relevante?


6. Em 1997, reconstituição conduzida pelo especialista em balística forense (e não legista, como escreveu Carvalho em seu livro, págs. 149 e 158) Domingos Tochetto fez com que 20 pessoas (17 mulheres e três homens) atirassem duas vezes com arma igual à usada por Suzana. Todas as 20 pessoas deixaram registro de digitais.


Por que Suzana não deixaria marcas dos dedos no revólver, caso tivesse atirado não uma, mas duas vezes? Suicidas, como se sabe, não limpam revólveres depois de se matar. Por que Joaquim de Carvalho não descreve em seu livro o exame de Tochetto, mesmo que para criticá-lo? Não é relevante?


7. Exame de laboratório e referências do fabricante mostram que o tipo de munição usada contra PC e Suzana deixa como resíduos chumbo, bário e antimônio. Não havia resíduos dessas substâncias nas mãos de Suzana. Segundo Palhares e Carvalho, ela teria atirado duas vezes.


Por que Carvalho não informa em seu livro sobre a ausência desses resíduos? Não é relevante?


8. Experiência feita com definição especial de imagens mostra que as mãos de quem dispara com arma igual à usada para matar PC e Suzana é envolta por uma nuvem de resíduos. Esse teste foi apresentado no debate entre peritos ocorrido em 1999. Ou seja: se Suzana tivesse atirado, deveria ter resíduos de chumbo, bário e antimônio nas mãos.


Carvalho afirma ter assistido ao debate em vídeo (pág. 13 do livro). Por que não informou sobre o teste, mesmo que para negá-lo?


9. Carvalho cita (pág. 74 do livro) que foi Perrier a água usada para molhar o algodão passado nas mãos de Suzana já morta. O algodão, assim, recolheria os resíduos. Conforme o primeiro laudo, havia alguns elementos químicos produzidos por tiro nas mãos de Suzana (mas não os três típicos da munição que ela empregou).


Por que Carvalho não informou que alguns desses elementos encontrados nas mãos de Suzana também constam da composição da água Perrier? No debate entre peritos, que ele afirma ter assistido, foi dada essa informação. Seria fácil para um repórter checar a informação, obtendo a fórmula da Perrier.


Ou seja: certos elementos produzidos em tiro existem na fórmula da Perrier, a água que foi passada nas mãos de Suzana. Se a informação é fajuta, não seria relevante expor a fraude?


10. Carvalho afirma (Observatório, 14/6) que ‘os peritos também discutiram nesta época [1996] a altura de Suzana: 1,67m. Isto está gravado em áudio e vídeo. Qualquer um pode conferir.’


Não existe registro em vídeo de Suzana sendo medida por Palhares ou pelos peritos que o precederam e depois assinaram o laudo com ele. Se existisse, Carvalho teria relatado em livro ou artigo. O que as gravações mostram é Palhares indagando a altura. Isso não ocorre no exame do cadáver, mas longe da mesa de necropsia, em outro local e outra situação. Os peritos respondem com o mesmo dado que constava de um documento de Suzana. Para emissão do documento, não se exigia medição da pessoa. Era registrada a altura declarada por ela. Como mostram os saltos usados por Suzana e numerosos depoimentos (professor de ginástica, parentes, amigos, conhecidos etc), Suzana era baixinha e detestava essa condição.


11. Por que, em seu livro e seu artigo, Joaquim de Carvalho não contou que no primeiro laudo encaminhado à Justiça de Alagoas pela equipe coordenada por Badan Palhares não havia menção à altura de Suzana? A informação só foi enviada depois, a pedidos.


12. Carvalho afirma (Observatório, 14/6): ‘(…) Gravação que Magalhães usa para dizer que, em nenhum momento, o professor da Unicamp [Badan Palhares] aparece com fita métrica para medir Suzana, depois da primeira exumação’.


Desafio Carvalho a citar o trecho em que eu teria escrito sobre ‘fita métrica’. Escrevi que, conforme o vídeo que o próprio Carvalho afirma ter assistido (págs. 13, 115 e 116 do seu livro), a altura de Suzana não foi medida na necropsia conduzida por Palhares.


13. Carvalho escreve (Observatório, 14/6): ‘Não é necessário fita métrica quando a mesa da necropsia é dotada de uma régua centimetrada. É só olhar para ela e anotar a medida. Foi assim que fizeram Gérson Odilon, na primeira necropsia, e Badan Palhares, na segunda’.


Carvalho assistiu ao vídeo da necropsia dirigida por Palhares. Não seria mais fácil ele dizer em que ponto do vídeo de 1 hora, 59 minutos e 58 segundos Palhares checa a altura de Suzana na ‘régua centimetrada’? É simples: basta informar. Pode também relatar, na leitura da lista de todos os procedimentos a serem cumpridos na necropsia, se Palhares falou em altura de Suzana.


Nenhuma foto (nem vídeo) mostra ao mesmo tempo os pés de Suzana em uma altura ‘zerada’ e a altura projetada na mesa de necropsia. Mostra-se a cabeça, mas não se sabe onde estão os pés.


14. Inexistem no processo questionamentos sobre a compra, por Suzana, da arma que matou a ela e PC. Por que Joaquim de Carvalho omitiu em seu livro a versão da irmã de Suzana, Ana Luiza Marcolino, de que a namorada de PC estava sendo seguida por ordens de Augusto Farias?


Mesmo se for questionada, a versão não merece nem ser citada?


15. Poucas semanas após as mortes, a família de Suzana Marcolino se mudou. Passou anos morando escondida em outro Estado, com medo de novas mortes. Por que Carvalho silenciou sobre o destino da família de Suzana? Se foi uma encenação, não seria o caso de contar?


16. Carvalho informa em seu livro (pág. 109) que Badan Palhares atuou em numerosos processos. Cita o ‘massacre do Carandiru’ e a ‘carnificina de Eldorado de [sic] Carajás’.


Por que Carvalho calou sobre que parte se apoiou nos laudos produzidos ou co-produzidos por Palhares? Não é relevante? Não ajuda a compor o perfil de um herói do seu livro? Afinal, seus laudos contribuíram para quem quis condenar ou absolver os autores de um massacre e uma carnificina? Por que esconder a quem serviram os laudos de Palhares?


17. Erros são naturais, próprios ao jornalismo. Não se pode condenar Carvalho, mesmo na condição de professor universitário, por pensar que ‘portenho’ é um adjetivo ou substantivo que se refere aos nascidos na Argentina (‘militares portenhos’, pág. 45). Como se pode conferir nos dicionários, ‘portenho’ diz respeito a ‘Buenos Aires (capital da República Argentina) ou o que é seu natural ou habitante’ (‘Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa’, versão no UOL). Chamar um argentino de portenho lembra o hábito de algumas publicações estrangeiras de tratar os brasileiros como ‘os cariocas’, mesmo que não sejam do Rio de Janeiro.


O que não é natural é criar personagem. Nas págs. 26 e 27 do livro, Carvalho escreve:




‘As salas não tinham outra finalidade que não a de receber empresários interessados em favores do governo ou em interferir nas disputas eleitorais onde o PT tivesse chances. Eram banqueiros como Joseph Safra, industriais como José Ermírio de Moraes, empreiteiros como Andrade Gutierrez. Boa parte da plutocracia brasileira passou por ali ou mandou representantes autorizados’.


Quem é o empreiteiro Andrade Gutierrez? Esse é o nome de uma empresa, que tem entre seus proprietários a família Andrade e a família Gutierrez. Nunca se soube de um ‘empreiteiro’ que freqüentasse PC e tivesse o sobrenome ‘Andrade Gutierrez’. Como o próprio texto indica, não houve erro de digitação, mas descrição de pessoa física.


Trata-se, aqui, de metodologia de apuração e checagem de informações.


18. Numa das raras respostas que deu aos 49 pontos de interrogação do meu artigo de 7/6 (o autor do livro Basta! somou 50; acontece), Carvalho diz por que não contou no seu livro que um jornalista, funcionário do jornal então controlado pela família Farias, foi flagrado no que o delegado que presidiu o inquérito em 1999 chamou de ‘tentativa de suborno’ (trechos no OI, 7/6, item 18).


Respondeu: ‘Como jornalista, procuro me ater a questões centrais, não a intrigas ou a questão laterais’.


Quer dizer que, em um livro sobre a cobertura jornalística do Caso PC, não é relevante o relato de uma suposta tentativa de suborno (para não comprometer o então deputado Augusto Farias) feita por um jornalista, empregado do jornal da família Farias, ao delegado que depois viria a indiciar o irmão de PC como co-autor de duplo homicídio?


19. Carvalho afirma (Observatório, 14/6) que o jornalista funcionário dos Farias foi ‘grampeado numa gravação sem pé nem cabeça’.


Dizer que foi grampeado dá a entender que houve interceptação telefônica. Não foi o caso. Em duas gravações (uma só com áudio e outra com áudio e imagem, esta com equipamento cedido pela TV Globo), foi o delegado quem gravou a conversa sua com o jornalista.


O laudo com a transcrição das conversas é extenso. Por que desqualificá-lo com a expressão ‘sem pé nem cabeça’? Não seria melhor expor o seu conteúdo, mesmo que para concluir que tudo não passou de um mal-entendido?


20. Carvalho afirmou (Observatório, 14/6) que eu ‘distorci fatos’ para mostrar o jornalista Ari Cipola como um ‘perseguido’. Cipola e Paulo Peixoto foram os companheiros com quem dividi a apuração sobre o Caso PC, em 1999, pela Folha. Já relatei a intimidação de que Ari foi vítima por parte de Augusto Farias e a proteção policial que sua família recebeu por mais de um ano (Obsevatório, 7/6, itens 19 e 20). Ari Cipola morreu de causas naturais em novembro de 2004.


Carvalho: ‘Magalhães omite o fato de que, depois que assinou as reportagens sobre a investigação das mortes de PC e Suzana, Cipola foi nomeado duas vezes secretário de Estado de Alagoas, na gestão do governador Ronaldo Lessa e, por indicação de senadores, atuou no Sebrae, em Brasília. Ao se tornar autoridade do Estado, Ari Cipola fez companhia ao promotor que denunciou os seguranças de PC e teve entre outras atribuições cuidar da implantação de um banco popular. Definitivamente, não é o perfil de um perseguido’.


O artigo que escrevi discute a cobertura do Caso PC. Ari trabalhou na Folha até pelo menos outubro de 2001, como correspondente da Agência Folha. A penúltima vez em que o nome de Ari apareceu no jornal naquele ano foi em notícia (16/10/2001) sobre o lançamento do seu livro sobre trabalho infantil. Foi apresentado como repórter da Agência Folha. O indiciamento de Augusto Farias e oito pessoas por duplo homicídio aconteceu em novembro de 1999, dois anos antes.


Os ataques públicos de Augusto Farias a Cipola ocorreram em agosto de 1999. A proteção da Polícia Federal e da Polícia Militar de Alagoas seguiu até pelo menos o segundo semestre de 2000. Ao deixar a Folha, por iniciativa própria, para trabalhar no Sebrae, Cipola não mais escreveu no jornal. Não escreveu sobre o Caso PC quando sua condição não era mais a do repórter independente que sempre fora. É inescrupulosa (aqui emprego um adjetivo, quase um eufemismo) a sugestão de que Ari tenha sido convidado para trabalhar no governo como pagamento por sua atuação na cobertura das mortes de PC e Suzana.


21. Carvalho afirma (Observatório, 14/6) que ‘Cipola (…) morreu jovem, num camarote VIP de uma festa badalada’.


Não procede a versão de que Ari morreu em uma festa ou em um camarote. E se tivesse morrido, qual o problema? Ao morrer, ele não era mais alvo da intimidação promovida, cinco anos antes, pelo deputado Augusto Farias. Nem era mais repórter.


Ao se sentir mal em casa, Ari Cipola foi levado de carro por seu filho mais velho para o hospital. Não sei dizer se morreu no caminho ou ao ser socorrido pelos médicos. Considerei que seria ignóbil telefonar para o jovem Ariel e pedir detalhes.


A descrição de Carvalho sobre a morte de Ari também não corresponde à verdade. Como qualificar tal procedimento?


22. Um registro.


Em vez de responder às perguntas que lhe formulei, Carvalho buscou desqualificar o meu texto pelas perguntas. Li e reli, para acreditar: disse que não são próprias a reportagens. Um professor de jornalismo não sabe distinguir dois gêneros elementares do jornalismo? Uma coisa é reportagem, outra artigo, opinião. Reportagens devem reportar fatos, versões, não manifestar opiniões do repórter. A editorialização da reportagem é um dos maiores males do jornalismo brasileiro contemporâneo. O que escrevi no Observatório foi um artigo. Para cada informação citada de Carvalho, relatei um fato, contradizendo-a. Seguiam perguntas. Carvalho preferiu não responder. Mas confundir artigo com reportagem… Agora talvez eu entenda por que em 1996 Carvalho decretou em reportagem que o Caso PC estava ‘encerrado’ – era a sua opinião. Discute-o até hoje.


23. O debate sobre a cobertura jornalística do Caso PC não trata de processo concluído. Como afirmei, há quatro pessoas pronunciadas por duplo homicídio, e o processo está em curso na Justiça de Alagoas. Informação substantiva: o anúncio do livro de Carvalho foi saudado em Alagoas.


O jornal Extra (30/5 a 5/6/2004) comemorou o lançamento do livro. Gabriel Mousinho, um dos diretores da publicação alagoana, assinou artigo (não reportagem…) intitulado ‘Enfim, uma versão abalizada’. Escreveu:




‘Joaquim, jornalista experimentado [com] o qual tive a oportunidade de ter vários contatos durante a apuração do Caso PC, economiza adjetivos contra uma imprensa maldosa, beirando a irresponsabilidade (…). O livro de Joaquim, que analisa todos os momentos do inquérito da morte de PC, se não cicatriza feridas marcadas no coração de Augusto Farias, pelo menos lhe traz a sensação do reconhecimento de que tudo não passou de uma farsa orquestrada (…).’


Gabriel Mousinho dirigiu o jornal um dia controlado pela família Farias, a Tribuna de Alagoas. A cobertura que fez do Caso PC não merece comentários.


Não insinuo nada. Apenas reafirmo: os debates sobre a cobertura do Caso PC são saudáveis. E não falam de um caso encerrado. O processo está aberto. Só para constar.


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Nota do OI: O presente debate, saudável sob todos os aspectos, começou com uma entrevista com Joaquim de Carvalho, publicada no OI, seguida da participação desse jornalista no programa Observatório da Imprensa na TV (31/5). Suas afirmações na TV foram contestadas pelo jornalista Mário Magalhães em artigo neste Observatório, que na edição seguinte publicou uma réplica de Carvalho e, agora, a tréplica de Magalhães. De modo a evitar que o debate se estenda em demasia, aos dois jornalistas será garantido o espaço que lhes aprouver na próxima edição do OI, para as considerações finais a respeito desse assunto. (Luiz Egypto)