Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aplausos para Ratinho

O 8º Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas, no início de maio, em São Paulo, foi aberto por Carlos Massa, o ‘Ratinho’ do SBT. Fui previamente alertada pelos organizadores, por e-mail, que o apresentador-empresário tinha muito o que dizer sobre ‘comunicação, marketing, força de vendas e reputação’, pois ‘seu império nada tem de ingênuo’.

Como foi mostrado em vídeo exibido no evento, o Grupo Carlos Massa possui investimentos nas áreas mais diversificadas: agricultura (exemplo: soja, milho, trigo e café), pecuária, pequenas e médias indústrias (exemplo: cola, bebidas, alimentos e rações animais) e meios de comunicação. Seu público-alvo, de espectadores e de consumidores, é atingido de uma só vez em seu programa, pois o contrato do apresentador com o SBT prevê o merchandising gratuito dos produtos do grupo. Ratinho, de fato, conseguiu ser ouvido e ser comprado pela população de baixa renda. Basta descobrir o porquê.

Para explicar a questão, apareceu em cena um especialista em marketing e comunicação, Elói Zanetti. O consultor e assessor especial de Ratinho estava disposto a provar que o ‘império’ era conseqüência de um desejo legítimo do povo. A teoria foi ilustrada com a história de um vendedor de literatura de cordel do Nordeste, que passou a vendê-la impressa. Indagado por Elói sobre a descaracterização cultural que aquilo causava, o vendedor respondeu: ‘É o que o povo quer’. E assim, passou a vender 40 mil cópias por semana, a 1 real cada. Elói fez seu papel e limpou o terreno para a estrela principal do show.

Herói da Cultura

Após algumas ralas considerações sobre o negócio, Carlos Massa sofreu, diante de toda a platéia, uma transformação digna de Conga, a mulher-macaco, nos parques de diversão do interior. O empresário de sucesso tornou-se, subitamente, o apresentador que fala aos brados, com sotaque interiorano e de gesticulação convulsiva. Sua experiência circense foi, inclusive, citada na palestra, embora esta referência fosse remetida ao passado do showman. Tratando-se de passado, Ratinho relembrou também sua vida pobre como filho de agricultor. Mas retificou: ‘Eu não gosto de trabalhar, vamos deixar isto claro aqui’. E foi assim que ele começou a falar a mesma língua – não a minha nem a ‘do mulato sabido’, mas a do ‘bom negro e bom branco da nação brasileira’. Pois trabalhar, convenhamos, não dá Ibope neste recanto tropical.

Ratinho é simpático. Pode ser que seu marqueteiro pessoal não o tenha informado, mas o publicitário americano Bill Bernanbach já havia usado nos seus anúncios a mesma ‘simpatia’ que Ratinho exibia àquele grupo de jornalistas. Foi assim que conseguiu vender um carro alemão feio e pequeno nos Estados Unidos da década de 1950. ‘Pense pequeno’, dizia o slogan do Fusca. ‘A minha personalidade é não ter personalidade’; ‘faço o programa deste jeito porque não sei fazer de outro’; e ainda ‘nem eu teria coragem de usar uma camisa com o meu nome’, disse Ratinho, quando perguntado o motivo de suas marcas não levarem seu nome, a exemplo de outros apresentadores de TV. O pequeno roedor colocou em prática o conceito de autodepreciação de Bernanbach e arrancou risos do público de jornalistas.

Mais adiante, Ratinho tentou culpar o meio em detrimento do conteúdo. Citou o caso do Chacrinha, que na TV Bandeirantes era considerado baixaria, e ao migrar para a Globo passou a ser ídolo cult. ‘Se eu for para a TV Cultura viro herói!’, desabafou Ratinho. O apresentador compartilhou com os profissionais da comunicação corporativa brasileira os planos de estender seu ‘império’ ao cinema.

Momento eterno

De todos os comentários, que poderiam ser ordenados aqui por ordem cronológica ou escala de sandice, o mais significativo e impactante é, abre-aspas, ‘se eu fosse presidente, não dava 1 real para o cinema brasileiro!’, fecha-aspas. Para Ratinho, ou para Carlos Massa (aquele empresário do início do texto), o bom cinema é feito pelos americanos, industrializado e enlatado. E os preguiçosos cineastas brasileiros devem parar de mendigar dinheiro ao ministro Gilberto Gil, porque o ‘governo tem que investir em educação, não em cinema’, gritava o apresentador. Sua interpretação do filme Central do Brasil é genial: ‘O moleque não encontra o pai e a mulher volta fodida para casa’. De acordo com ele, Walter Salles cometeu um dos maiores sacrilégios da História do cinema nacional ao dirigir um filme que mostra o lado pobre do país e não tem casamento no final. Ratinho explicou que ‘o americano não está interessado na nossa pobreza’ e por isso mesmo é preciso mentir nas telas.

Parecia óbvio que não havia nada de natural, espontâneo ou autêntico naquele depoimento. A simplicidade da comunicação do Ratinho era uma tentativa de reconstrução minuciosa do popular. Uma tentativa falha. Se os chamados críticos e intelectuais são acusados constantemente, e por vezes com razão, de não conseguirem chegar até o povo, tampouco é possível aceitar que este apresentador o tenha feito de verdade. O grotesco e o mau gosto estão presentes na sociedade desde a Idade Média e, mesmo não sendo sua invenção, é só isso que o Ratinho pode dar à população: mais do mesmo. E será que é somente isso que ela quer ou é o que ela pode ter?

Falava Sartre que o julgamento de valor não se refere ao fato, mas àquilo que deveria ser. O Ratinho faz parte do ‘fato’, já esperado e previsível, mas que poderia ter sido dissecado, pensado e discutido. Os jornalistas presentes simplesmente ergueram-se de suas cadeiras e aplaudiram, como uma massa acrítica disposta a absorver o quanto de técnica fosse possível. Durante o momento eterno que os aplausos duraram para mim, percebi que algo muito errado se passava, e não era a figura polêmica do apresentador ou suas teorias sobre cinema. Era sim a reflexão coletiva que deveria ter sido, e não foi.

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Estudante de Comunicação da UFRJ