Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As eleições e o processo político

No dia 2 de julho último, um famoso terrorista salvadorenho, de nome Francisco Chávez Abarca, foi preso no Aeroporto Internacional de Maiquetía, na Venezuela. O homem é responsável por vários assassinatos, entre eles um atentado a um hotel de Havana em 1997, no qual um turista italiano morreu. Em depoimento ao serviço de investigações, Chávez Abarca confessou que vinha à Venezuela preparar o terreno para uma série de eventos desestabilizadores antes das eleições legislativas. Confessou ainda que os serviços eram contratados por opositores venezuelanos que estavam sob coordenação do terrorista cubano Luis Posada Carriles, protegido do governo dos Estados Unidos e refugiado em Miami.

No dia 25 de agosto, começou oficialmente a campanha para as eleições legislativas da Assembleia Nacional da Venezuela. A realidade é que a importância dessas eleições tanto para a direita como para o governo Chávez, adiantou o processo já há algum tempo e o presidente e seus aliados tiveram que enfrentar uma forte campanha contrarrevolucionária nestes últimos meses.

Digo da importância, primeiro porque o presidente Chávez venceu 14 dos 15 processos eleitorais que ocorreram desde que foi eleito em, 1998. E quando perdeu, um referendo por uma reforma constitucional em 2007, reconheceu a legitimidade do processo e aceitou os resultados. Isso demonstra como o processo venezuelano se dá dentro da estrutura democrática vigente na maioria dos países do mundo, as eleições.

Em defesa de uma Assembleia Socialista

Mas a oposição venezuelana sabe que tirar o presidente Chávez do poder pela via eleitoral é praticamente impossível. E não é pela ilegitimidade do processo eleitoral. Em que pesem as críticas da oposição, o processo eleitoral venezuelano é de absoluta transparência e confiabilidade, respaldado por diversas instituições internacionais que fazem presença nos processos como observadores internacionais. A ideia do socialismo, ainda que com suas contradições, tem mostrado ao povo a necessidade de mudanças que se percebem na realidade. Os opositores tentam divulgar como legítimas pesquisas de popularidade forjadas, nas quais o povo não estaria com Chávez. Mas sabem que em qualquer pleito que participe, Hugo Chávez sairia vencedor, e ainda com uma ampla votação popular.

Para essa oposição, a estratégia de investir nas eleições legislativas deste ano é a fórmula para minar o poder do presidente através do legislativo. Para manter a governabilidade atual, onde o ‘chavismo’ compõe uma ampla maioria na Assembleia, seria preciso pelo menos dois terços dos deputados. (É preciso lembrar que nas últimas eleições legislativas, de 2005, a oposição, como forma de deslegitimar o processo eleitoral que sabiam que estava perdido, abandonou o pleito horas antes da votação. Dessa forma, atualmente, a grande maioria dos deputados é da base do governo, restando poucos gatos pingados para fazer barulho em nome da direita.)

Outro fator determinante nas decisões da direita nesse processo, conhecida como antidemocrática e golpista, é o fato do presidente Chávez ter a seu favor toda a maquinaria vermelha espalhada pelo país em uma campanha sem tréguas. Se calcula que o Partido Socialista Unido da Venezuela, do presidente Chávez, possui mais de sete milhões de militantes inscritos. Obviamente, um número inchado, considerando os militantes realmente ativos. Mas sem dúvida, um número considerável de pessoas está nas ruas em defesa de uma Assembleia Socialista.

Liberdade de expressão e liberdade de pressão

O papel dos meios de comunicação nesta campanha contrarrevolucionária às vezes é risível, muitas vezes perigoso. O principal canal de televisão opositor, a Globovisión, já declarou guerra ao governo há bastante tempo. O canal é um verdadeiro partido político de oposição. Mas pior, como todo grande meio de comunicação no mundo, é propriedade de um dos maiores oligarcas da Venezuela, de nome Nelson Mezerani. O senhor em questão era dono do Banco Federal. Esse banco sofreu uma intervenção pública por não cumprir com normas de regulação bancária, expressas em lei. Não havia como refutar, o senhor Mezerani havia roubado, literalmente roubado, as economias de milhares de correntistas. O Estado, como deve ser, responsabilizou o empresário e confiscou parte dos bens de propriedade dele para cobrir os rombos nas contas bancárias dos correntistas.

O fato do banqueiro em questão ser acionista majoritário do principal canal de oposição, levou a direita mundial a começar um ataque ao governo pela discussão da liberdade de expressão, sem fazer qualquer discussão sobre os delitos que o empresário havia cometido. As grandes redes de informação a nível mundial, que são as mesmas que nutrem os meios de comunicação no Brasil e no mundo, tentam atribuir a ideia falsa de que a comunicação deve funcionar de acordo com quem a dirige, sem leis, sem normas. Parece que os jornalistas andam se achando os melhores cidadãos, que têm o direito de sair por aí fazendo o que bem entenderem, sem qualquer responsabilidade com o que dizem ou com as consequências do que dizem.

Outro exemplo disso foi a manipulação grosseira do caso da proibição da publicação de algumas fotos em jornais impressos opositores. As imagens mostravam o interior de um necrotério, repleto de corpos, sem qualquer tido de coberturas. Simplesmente a foto, na capa do jornal. Como em qualquer país do mundo, a imprensa precisa respeitar limites no que se refere ao conteúdo, principalmente com o uso da imagem. Parte desses padrões tem a ver com a apropriação desse conteúdo por crianças. A própria CNN Internacional teve que reconhecer que o conteúdo da foto era forte demais para sua programação. Usaram o tema para descer o cacete no governo venezuelano, e mais uma vez confundir a liberdade de expressão com a liberdade de pressão. Mas se negaram a publicar as imagens que, segundo um apresentador, ‘poderiam causar um choque muito grande nos telespectadores’ e dessa forma não seriam mostradas.

Ampliação da capacidade informativa

Todo o tempo o tema da liberdade de expressão volta à tona, usado como carta branca para fazer uma campanha suja contra um processo político, que gostem ou não, é legítimo e tem mostrado sua legitimidade em todos os processos eleitorais nos quais foi colocado à prova do povo.

Essa apropriação indevida do conceito de liberdade de expressão a favor dos interesses dos grandes meios de comunicação, teve seu maior exemplo em 2006, quando o governo venezuelano, através das instituições e leis correspondentes, decidiu por não renovar a concessão pública ao canal Radio Caracas de Televisão – RCTV. Este canal esteve diretamente envolvido, e foi partícipe, do golpe de estado fugaz contra o presidente Chávez que durou dois dias do mês de abril de 2002. Manipulou imagem, escondeu informação, incitou à violência e, portanto, foi diretamente responsável por assassinatos, e interferiu diretamente no processo democrático venezuelano. Como na grande maioria dos países do mundo, os meios de comunicação escondem o fato de que funcionam dentro de um espectro que é de propriedade do Estado. E para o seu funcionamento, dito meio de comunicação precisa cumprir com normas estabelecidas dentro do regulamento maior, a Constituição Nacional e as leis derivadas dela.

Escondem este fato para naturalizar a existência de um discurso, como se o mundo não pudesse viver sem ele. O Estado venezuelano, em 2006, fez cumprir as leis e a Constituição Nacional quando retirou a concessão pública de RCTV, entendendo que este canal havia desrespeitado as normas previstas na legislação, e havia cometido graves delitos de ordem pública. Naquela época, e até hoje, os meios de comunicação internacionais, aliados de um discurso hegemônico, jogam com o tema da liberdade de expressão, fazendo acreditar que um veículo de comunicação social está acima das leis nacionais, e que a intervenção do governo não passava de um ataque contra um discurso opositor.

Eduardo Galeano foi mais uma vez sábio quando mencionou que uma vez chegou à Venezuela, ligou a televisão e estava um personagem bem vestido que dizia ‘aqui não há liberdade de expressão’. Ligou o rádio e uma voz imponente dizia ‘aqui não há liberdade de expressão’. Abriu o jornal e na primeira página havia um título em letras garrafais que dizia ‘aqui não há liberdade de expressão’.

A Venezuela ampliou enormemente sua capacidade informativa. Criou um sistema sólido de meios do Estado. Distribuiu concessões públicas de rádio e televisão populares. Fomentou a criação de uma série de veículos impressos, jornais, revista, livros. Criou, em parceria com Argentina, Bolívia, Cuba e Nicarágua, a Telesur, um canal informativo sobre a América Latina e o mundo, promovendo um novo discurso frente às grandes cadeias informativas. Mas, claro, aprendeu a fazer valer o poder do Estado, controlado em sua medida por um povo, frente à carta branca auto-outorgada pelos meios de comunicação tradicionais, acostumados a brincar com o povo a serviço de interesses privados.

A proposta de Ahmadinejad

Obviamente que toda a conjuntura interna da Venezuela, as tentativas de avanços que requer constantes momentos de defesa, e principalmente as movidas da oposição interna, está amarrada com uma conjuntura internacional e as movidas dos fatores internacionais mais determinantes. Para falar desses fatores, não é possível deixar de se ater aos Estados Unidos, embora pareça clichê.

Falar de Estados Unidos é falar sobre uma forte crise econômica que sacode o mundo e tem como epicentro original, a economia deste país. Falar de Estados Unidos é falar de um fracasso evidente da tentativa de acabar com o movimento talibã no Afeganistão, e ser obrigado a sair de mais essa guerra com umas forças armadas desmoralizadas perante o mundo. Falar deste país, é falar de uma histórica política de ingerência, e que na América Latina se caracterizou até os últimos anos como o financiamento de partidos políticos e grupos armados relacionados com os interesses do império.

Fidel Castro em suas últimas reflexões alertou sobre o perigo iminente de uma guerra nuclear, caso os Estados Unidos atacassem o Irã. Os meios de comunicação de todo o mundo fazem acreditar que a loucura do presidente Ahmadinejad obriga os Estados Unidos, juiz das causas justas no mundo, a intervirem na política nuclear iraniana. Esses meios de comunicação metem medo nas pessoas, com o objetivo de legitimar uma agressão estadunidense ao povo iraniano. Assim como fizeram no Iraque, com a desculpa das armas nucleares jamais encontradas, e assim como fizeram no Afeganistão, com a campanha antiterrorista depois dos atentados do Word Trade Center em Nova York. Desculpas para assassinar civis inocentes, e promover o crescimento de uma economia que se move por armas, drogas e petróleo.

Os Estados Unidos buscam uma desculpa mais para atacar o Irã, quando foram eles os únicos no mundo que usaram armas nucleares para assassinar inocentes. Ahmadinejad propõe um mundo sem armas nucleares, mas como isso significaria o desarmamento das grandes potências – a saber, Estados Unidos, Rússia, China, índia, França e Paquistão –, nenhuma palavra sobre o tema nos meios de comunicação.

‘Nada será como antes’

Mais além das movidas em outras latitudes, os Estados Unidos sempre tiveram as garras postas sobre a América Latina. E não foi à toa que a Venezuela se tornou um dos principais inimigos do império na região. Quando chega o presidente Chávez em 1999, o barril de petróleo era vendido a cerca de sete dólares o barril. Era praticamente um subsídio do Estado venezuelano para que o país mais rico mundo comprasse o petróleo, de uma das reservas mais importantes do mundo. Enquanto isso, o investimento social do país era um dos mais baixos da América Latina.

O governo de Chávez, dentro das instituições que lhe correspondia, aumentou o preço do petróleo, que chegou a quase 200 dólares o barril, renacionalizou a principal empresa petroleira do país, a PDVSA, e ao mesmo tempo, direcionou as ganâncias da venda ao investimento social direto. Criou missões, ofereceu educação pública em todos os níveis, alfabetizou 100% da população, possibilitou saúde gratuita, desde a preventiva até o atendimento de urgência, enfim, tirou a população mais excluída do país de uma situação de miséria generalizada em muitíssimo pouco espaço de tempo. Mas riquezas nacionais para interesses nacionais, e ademais, para os pobres? ‘Onde é que já se viu?’, sussurraram os porta-vozes do império.

Por isso precisamente é que a política dos Estados Unidos para a América Latina passa a se tornar cada vez mais agressiva. As tentativas ou sucessos de golpes de estado nos últimos dez anos são muito bem explicáveis. O mesmo golpe de estado na Venezuela em abril de 2002 foi coordenado e financiado diretamente por instituições do poder dos Estados Unidos. A advogada e investigadora venezuelana-estadunidense Eva Golinger apresentou – no livro intitulado Bush versus Chávez, e antes, no trabalho O código Chávez – provas irrefutáveis da participação de ‘agências de promoção da democracia’, como a NED – Fundação Nacional para a Democracia e documentos da CIA que provam a ingerência dos Estados Unidos nos acontecimentos dos dias 11, 12 e 13 de abril. Essas mesmas organizações ainda hoje financiam candidaturas de políticos opositores nos diversos processos eleitorais do país.

Para um jovem de 25 anos ou menos, falar de golpes de Estado, ditaduras sangrentas, parece coisa do passado. Já diria a música ‘Nada será como antes’… Mas parece que sim, será.

A gota d´água em Honduras

À medida que os Estados Unidos veem seus interesses na América Latina ameaçados por processos minimamente progressistas, radicaliza sua capacidade de ingerência. Ocorreu em 1973 com Allende no Chile e jamais vão perdoar o fato de não haverem vencido a Cuba revolucionária na invasão à Baía dos Porcos naquele 1962. Naqueles mesmos anos, Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Chile mergulharam em tempos escuros de ditadura militar. A grande maioria dentro da chamada Operação Condor, uma aliança político-militar para instalar um regime de repressão nesses países, como porta de entrada para a implementação do neoliberalismo na América Latina.

Agora uma operação parecida parece ter sido reativada, desde que governos progressistas começaram a surgir dentro da mesma legitimidade da democracia burguesa, as eleições. Venezuela, Bolívia, Equador, foram países que há muito pouco tempo tiveram que enfrentar de frente com tentativas de golpe de estado e desestabilização patrocinadas pelos Estados Unidos.

Em junho de 2009, sob o comando de Jonh Negroponte, personagem estadunidense ligado a quase todos os processos de desestabilização da América Central revolucionária de há três décadas, um pequeno país centro-americano, pouco conhecido no Brasil, sofreu o primeiro golpe de Estado da América neste século.

Os golpistas não precisaram de muito. O senhor Manuel Zelaya, empresário e latifundiário hondurenho havia chegado ao poder com a ideia de buscar aliados por todos os caminhos e promover o crescimento do país, conhecido como a primeira república bananeira. Mas para isso, Zelaya teve que sentar em uma mesa de negociação com o presidente Hugo Chávez e seus aliados. Isso significou, por exemplo, a retomada, depois de anos, das relações diplomáticas e comerciais com o governo Castro em Cuba.

Zelaya precisava do petróleo venezuelano, mas a relação com Chávez incomodou os gringos. Honduras entrou para a Alba – Alternativa Bolivariana para os povos da nossa América, instituição criada por Cuba e Venezuela como instrumento de cooperação regional entre os países membros. Aderiu à Petrocaribe, iniciativa do governo venezuelano de associação de países produtores de petróleo na América Latina e Caribe. E por último, quis consultar a população, sem caráter vinculante: se os cidadãos, ou seja, a ‘voz da democracia’, desejava rever, ou reformar a Constituição do país. Essa foi a gota d´água.

Acusações não provadas

No dia 28 de junho Honduras tinha um novo governo, que já assassinou milhares de militantes da resistência, democratas e revolucionários, povo, gente comum e corrente, para deixar o exemplo de que com os gringos não se pode brincar. Somente até a metade do mês de agosto deste ano, 10 jornalistas foram assassinatos pela força pública por trabalhar a favor do restabelecimento da ordem democrática no país, e do direito de falar. Liberdade de expressão não foi o tema das últimas manchetes de jornal.

Alguns outros exemplos da mirada posta dos Estados Unidos sobre a América Latina foi a recente reativação da quarta frota, que por certo anda rodeando o Brasil, e a aprovação em julho deste ano, do envio de um contingente militar que inclui 45 navios, 10 aviões e 180 helicópteros de guerra à Costa Rica, um país que há mais de 60 anos aboliu as Forças Armadas, depois da guerra civil. Parece que o senhor presidente Nobel da Paz não está pra brincadeira.

Mais o verdadeiro aliado dos Estados Unidos na região contra as forças progressistas, sem dúvidas se trata da Colômbia, para isso é preciso se ater um pouco mais.

Todas essas são somente algumas demonstrações da política de ingerência estadunidense na América Latina. Para não mencionar todas as demais que ocorreram nos últimos anos de história, basta olhar para este país, localizado no extremo norte da América do Sul, porta de saída para a América Central, com fronteira ao leste com a Venezuela, Panamá ao norte, Brasil ao Sul e Equador a sudoeste. Conhecido em todo o mundo por ser o maior produtor da cocaína que é consumida nos países do norte, tendo como seu maior comprador, os Estados Unidos.

Além disso, a Colômbia vive um conflito armado desde os anos 40, uma realidade maltratada pelo Estado colombiano desde então, e pelos meios de comunicação no mundo. Estes tratam de fazer entender que o conflito armado está diretamente associado ao crime organizado e ao narcotráfico, quando nenhuma dessas acusações puderam ser provadas. De alguma forma, tratam de associar as Farc ao narcotráfico, como forma de combater o inimigo de classe através da acusação de terroristas. Uma vez mais é preciso dizer: nenhuma dessas acusações puderam até hoje serem provadas pelos sucessivos governo colombianos, ou estadunidenses.

Colômbia e Venezuela

O que oculta, com obviedade, é uma realidade ainda mais atemorizante. O estado colombiano é completamente penetrado pelas estruturas do narcotráfico e do paramilitarismo. O mesmo ex-presidente da Colômbia, o senhor Álvaro Uribe Vélez, é acusado de vínculos diretos com grupos paramilitares, mortes extrajudiciais, e tráfico de drogas. Documentos dos próprios institutos de inteligência antidrogas dos Estados Unidos apontam Uribe entre os maiores narcotraficantes de todo o mundo.

A realidade na Colômbia pouco pode ser vista nas agências internacionais de notícias. Mas o drama dos colombianos que vivem em meio à estratégia de segurança democrática do governo já cobrou a vida de milhares de pessoas e obrigou que milhões de colombianos a deixassem o país. Somente na Venezuela são mais de cinco milhões de refugiados colombianos.

No dia 22 de julho deste ano, foi descoberta na cidade de La Macarena, na Colômbia, uma fossa comum com mais de dois mil corpos. Os jovens assassinados fazem parte dos milhares de casos dos chamados ‘falsos positivos’. A lei de segurança democrática da Colômbia, que conta com a ajuda financeira dos Estados Unidos, premia os militares que apresentarem ao Estado, guerrilheiros das Farc ou do ELN, vivos ou mortos. Isso gerou a prática das mortes extrajudiciais, que se tratam do assassinato massivo de civis camponeses por parte do exército ou de grupo paramilitares, como título de promoção e recompensa.

A relação entre a Colômbia e a Venezuela vai mais além do fato de compartilharem uma fronteira, ou um só processo de independência. Desde muitos anos, são parceiros comerciais importantes. Mas a subida ao poder de Álvaro Uribe fez com que essas relações ficassem abaladas com o passar dos anos. O primeiro grande conflito aconteceu quando em março de 2008 o exército colombiano bombardeou um acampamento das Farc na região de Sucumbios, em território equatoriano, no qual morreu o número dois das Farc, Raúl Reyes e outras 25 pessoas. O presidente Chávez condenou o ataque e apoiou o colega Rafael Correa, presidente do Equador, levando o assunto à apreciação dos países da Unasul. Desde então, as relações entre a Colômbia e a Venezuela nunca mais foram as mesmas.

Novos mecanismos de comunicação

Em 2009, o governo de Uribe assinou um acordo militar com os Estados Unidos que previa a instalação de sete bases militares gringas, que teriam o objetivo de combater o narcotráfico, chamadas por Fidel Castro, ‘as sete punhaladas no coração da América’. Essa foi a gota d’água. O presidente Chávez ordenou a substituição das importações colombianas e o redirecionamento do comércio para países como Argentina e Brasil, como forma de prevenção a uma possível agressão estadunidense – colombiana.

Outro ataque da Colômbia à Venezuela veio julho deste ano, quando o governo colombiano denunciou a suposta presença de guerrilheiros das Farc e do ELN em território venezuelano. Mas na ‘hora H’, não apresentou qualquer prova que respaldasse as acusações, somente fotografias tomadas em supostas paisagens sem qualquer signo que a pudesse identificar que haviam sido tiradas dentro do território da Venezuela.

De fato não haviam provas, nem evidências, somente um alvoroto que provocou a pior crise diplomática entre os dois países. Há apenas cinco dias da saída oficial do presidente Álvaro Uribe e da cerimônia de posse de Juan Manuel Santos, o governo venezuelano decidiu romper totalmente as relações diplomáticas com a Colômbia, e os dois governos passaram a tomar medidas que evidenciavam o clima pré-guerra que se apresentava.

O rechaço ao acordo militar entre os Estados Unidos e a Colômbia, e a necessidade de entender com mais precisão o conflito armado colombiano, suas consequências e sua vigência, tem raiz na provável intervenção e constante ameaça de uma agressão à Venezuela, em uma ação combinada.

A Colômbia é hoje a principal porta de entrada para o exército dos Estados Unidos na América do Sul. Controlam a desculpa para intervir: o narcotráfico. Tem um objetivo tático: liquidar com a esquerda revolucionária no país. E um objetivo estratégico, derrotar o presidente Chávez, na Venezuela, e voltar a sentar sobre a imensa reserva de petróleo localizada exatamente debaixo do solo deste país.

Esses elementos, e claro, muitos outros que representam a correlação de forças a nível mundial, são necessários serem levados em conta para a construção de um discurso, para o trabalho de análise e contribuição com os processos sociais em todo o mundo. Mas o papel dos meios de comunicação tradicionais é exatamente ocultar todos esses elementos. Selecionar seus próprios métodos de análises, com ferramentas forjadas, para criar um censo comum que, obviamente, atende a interesses muito além de nós, cidadãos comum e correntes.

Para analisar a realidade atual dos diferentes processos políticos na América Latina, com maior atenção neste epicentro das lutas mais ou menos radicais, como o é a Venezuela, é preciso abandonar os meios de comunicação tradicionais como fonte de elementos para a análise dessas realidades. E buscar, e criar novos mecanismos de comunicação e intercâmbio de conhecimento para não cometer o erro de julgar e apontar o dedo à realidades que não conhecemos, ou que conhecemos de maneira superficial, de maneira espontânea e acrítica.

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Jornalista, residente em Caracas, Venezuela, onde trabalha para o Coletivo de Comunicação Alternativa Depana e para o canal de notícias internacional Telesur