Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

As revistas nada acrescentam à cobertura

Concebidas para consolidar o conhecimento produzido pelas informações dos jornais e outros meios diários, as revistas semanais têm o nobre propósito de fazer a síntese dos acontecimentos e auxiliar os cidadãos no desenvolvimento de sua visão de mundo. Para isso, contam geralmente com equipes de checagem dos fatos e números e ainda mantêm aqueles profissionais que tratam de manter a linguagem alinhada, uniformizada, que dá à publicação certa personalidade. De uma revista semanal se espera que dure mais, muito mais, do que um diário. Apanhada distraidamente na sala de espera do dentista, deve conduzir o leitor, ainda meses depois de ter sido publicada, a uma viagem confiável pela realidade.

As revistas semanais brasileiras, neste último fim de semana, fizeram o contrário do que delas se espera. Tiveram quase toda a semana para investigar a tragédia do Airbus da TAM no aeroporto de Congonhas, São Paulo, contaram com a plenitude de seus recursos para oferecer aos cidadãos uma percepção mais madura do pior acidente aéreo já ocorrido no país. E falharam. A leitura conjunta das três mais destacadas publicações de informações semanais traz ainda mais confusão ao noticiário.

Cada uma delas, conduzida por um viés específico, enveredou por um caminho de interpretação, por uma aposta definitiva, e nenhuma delas oferece ao leitor elementos para entender o que aconteceu a bordo do avião que fazia o fatídico vôo JJ-3054. Todas elas optaram por uma linguagem que viaja do tecnicamente empolado – caso da Veja – ao opiniário apressado – caso da CartaCapital.

Cedo para conclusões

Época saiu com o título que induz à ocorrência de uma culpabilidade institucional: ‘Quantos mais precisam morrer?’, diz o título que antecede o corpo principal de textos –, pressupondo que há um sistema identificável por trás do desastre. A reportagem começa com uma emocionada coleção de perfis de vítimas, revelando o propósito de marcar o relato pelo tom emocional.

O conteúdo interno da revista não permite a consideração imposta pelo título. Se ficar comprovado que a tragédia derivou de uma cadeia de erros e deficiências sem relação direta uns com os outros, a edição deveria ser cremada, para prevenir equívocos de futuros pesquisadores. Época afirma que ‘quando tocou o solo, no ponto previsto da pista, o avião estava a cerca de 140 quilômetros por hora, velocidade normal de pouso’.

Veja assegura que, quando pousou, o Airbus ‘voava a 250 quilômetros por hora, velocidade padrão para um avião desse porte que se prepara para descer’. No infográfico que ocupa suas páginas centrais, a revista reafirma essa informação. O relato dos acontecimentos que culminaram na tragédia, desenrolado passo a passo, induz o leitor a considerar que ainda é cedo para uma afirmação definitiva sobre as causas da tragédia. Mas o último texto sobre o tema, seguindo-se ao título ‘As autoridades são outra catástrofe’, deposita no colo do governo uma responsabilização que toda a reportagem antecedente aponta como prematura.

Leviandade editorial

Todas as revistas, com exceção de CartaCapital, apostaram nas imagens fortes para impactar o leitor antes das informações técnicas e políticas sobres o acidente. CartaCapital e IstoÉ, provavelmente desfalcadas de profissionais em número suficiente para uma cobertura diferenciada, fazem a ‘cozinha’ dos jornais e sites, recheando o material com muita opinião.

Nenhuma das semanais oferece uma contribuição relevante, além do que já haviam apresentado os jornais. Mas cabe a Veja a escolha mais desastrosa da semana: um destaque no rodapé das páginas 70 e 71 lança suspeitas sobre o piloto Henrique Stephanini Di Sacco, ao enfatizar a versão, não confirmada pela Gol e desmentida pela família, de que ele havia sido demitido da empresa apenas três meses depois de haver sido contratado, em setembro de 2001, por ter sido reprovado em teste no simulador de vôo.

A informação é irrelevante, por se referir a um fato suposto, que teria ocorrido seis anos antes, tempo suficiente para um aeronauta evoluir de piloto de bimotor a comandante de jatos de grande porte. Mas inscreve prematuramente um epitáfio desabonador e definitivo na lápide do piloto, que poderia estar no comando do Airbus durante o pouso em Congonhas.

No momento em que o governo e a TAM tentam se desvencilhar das responsabilidades pelo acidente em Congonhas, depositar na opinião pública o germe da suspeita contra o profissional que já não pode se defender diz muito sobre a leviandade com que são feitas certas escolhas editoriais.

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Jornalista