Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Assim começa a propaganda popular brasileira

O jeito é de menino, mas a responsabilidade é para além dos seus 22 anos. Com uma tranqüilidade que lhe é peculiar, Herbeson Alves dos Santos, o Binho do AfroReggae, projeto social que nasceu no Rio de Janeiro, assumiu vaga numa das maiores agências de comunicação do país. Para, quem sabe, ter dado início à PPB, propaganda popular brasileira.

Binho nasceu no Rio de Janeiro, está casado há quatro anos e mora em Parada de Lucas, bairro pobre da Zona Norte carioca. Atualmente está em São Paulo, depois de ter recebido proposta para estagiar na agência de propaganda F/Nazca, uma das melhores do Brasil (na lista de clientes da agência, figuram marcas como Skol, Unibanco e Philco).

‘A oportunidade para esse intercâmbio na F/Nazca surgiu com a visita de um dos seus diretores à comunidade Parada de Lucas. Na ocasião, a idéia era ter uma pessoa da própria comunidade para estagiar durante um mês na agência e trocar conhecimentos com base nas vivências de seus colaboradores e dos projetos sociais do AfroReggae’, explica Binho.

‘Descobridor’ de Binho, o diretor de Planejamento de Contas da F/Nazca, Bertrand Cocallemen, elogia o rapaz: ‘É um profissional com muitas qualidades para trabalhar em agência. É articulado, calmo e tem conhecimentos de novas mídias’. Segundo Cocallemen, Binho foi colocado na área de criação, ‘o coração da agência’, para que pudesse interagir com muitas pessoas diferentes.

Adote um publicitário da periferia

O jovem que sabe muito bem o que quer do futuro para si e para as novas gerações já percebeu o interesse das empresas nas classes C e D. Na sua opinião, é fundamental saber o que os consumidores dessas classes pensam, desejam e têm a dizer, para que se possa atender às suas expectativas. ‘Se outras empresas e agências de comunicação tiverem a iniciativa de acreditar e investir em novos talentos vindos da periferia, teremos novas histórias, teremos histórias que a maioria das pessoas desconhece’.

Hoje, no Brasil, é fato que a propaganda se direciona principalmente às classes A e B, aos mais ricos, assim como é fato, também, que os excluídos falam por si mesmos, tornam-se senhores do seu próprio discurso e conhecem melhor sua importância e seu lugar numa sociedade democrática.

A ascensão da periferia se comprova. Pesquisas recentes, como as do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, e da FGV, Fundação Getúlio Vargas, mostram que a classe média já é maioria, chegando a 51,89% da população brasileira, e que mais três milhões de brasileiros já não fazem parte da faixa de pobreza absoluta.

É uma mudança significativa, proveniente da queda do desemprego, do aumento do número de trabalhadores com carteira assinada, da melhoria do salário mínimo e dos programas sociais.

Portanto, a procura de um público variado implica a variedade na informação e no imaginário, e a propaganda tem de conhecer cada vez melhor o seu consumidor e seus anseios, a fim de que possa atingi-lo de forma eficiente.

Compreender a periferia

É nesse contexto que se insere a parceria de interesses da F/Nazca e do AfroReggae. ‘O estágio do Binho se enquadra num projeto específico com o Grupo Cultural AfroReggae, de médio e longo prazo, de capacitação mútua. Visa melhorar a compreensão do universo da periferia e das favelas pela agência, capacitar profissionais do AfroReggae em comunicação e publicidade e , acima de tudo, reduzir um abismo que a sociedade cria entre dois mundos, o morro e o asfalto, a favela e a zona sul (ou Jardins)’, reconhece Cocallemen.

Binho concorda com o publicitário: ‘Não tem nada pior do que a idéia de ajudar as classes inferiores a crescerem, ou seja, não é só dar o peixe, mas trabalhar junto, porque essas pessoas também querem construir e exercer suas cidadanias. Elas não querem somente algo para sobreviver. Querem participar, querem contribuir’.

Mas o que significa o ingresso de novas vozes no mercado publicitário? Qual a sua importância? A propaganda popular brasileira será, no mínimo, responsável pelo nascimento de um conteúdo muito mais próximo do real, dos sonhos, anseios, devaneios e problemas, também, da maioria da população. De gente que, hoje, tem dinheiro para pagar e vontade de falar e participar.

Mais sobre o AfroReggae

Quando o assunto é a ONG AfroReggae, Binho é certamente o melhor para falar: ‘O AfroReggae é uma usina de projetos’.

Foi nessa usina que Binho começou há oito anos, como aluno de informática. Fez, em seguida, preparação para ser monitor e, depois, capacitação para educador social. Hoje, dá aulas de informática e cuida de oficinas, juntamente com a coordenação dos núcleos.

A história do AfroReggae começou em 1993, com um jornal, o AfroReggae Notícias, criado por um grupo de amigos que se reuniam e saíam pela cidade à procura de informações sobre cultura negra, sobre periferias e sobre jovens que apreciavam ritmos como o reggae.

Logo o grupo ganhou notoriedade. Então tiveram a idéia de fazer um projeto de intervenção local nas favelas que transformasse o dia-a-dia dos moradores pela arte. Esse projeto consistia de abrir oficinas e colaborar com a situação das comunidades.

Binho explica: ‘Inicialmente, o AfroReggae foi implantado em Acari e, em seguida, na favela de Vigário Geral, o nosso primeiro Núcleo Comunitário de Cultura. Depois Parada de Lucas, onde acontece há oito anos, além de Cantagalo, Complexo do Alemão, Jardim Nova Era e agora estamos começando um projeto na Rocinha. São seis núcleos e, além desses, existem mais de 60 projetos acontecendo no AfroReggae. Há ainda projetos fora do país, como na Inglaterra’.

Com o crescimento da instituição, desenvolveram-se novos projetos sociais e surgiu, em 2007, a rádio online AfroReggaeDigital, numa parceria com a ONG RadioActive, da Inglaterra, responsável por rádios pela Internet. O projeto recebeu, também, o apoio da BBC de Londres e se transformou numa escola de rádio online.

Binho foi aluno e se tornou um dos professores do projeto. Na AfroReggaeDigital, os alunos são os responsáveis diretos pela programação. ‘Lá é possível ouvir os programas produzidos pelos próprios alunos. Eles determinam as pautas, buscam material e participam de eventos realizados pelo AfroReggae. Temos uma nova turma a cada três meses e são jovens a partir de 15 anos’, conta Binho.

Para apreciar e ouvir de perto as vozes da periferia, clique no site da rádio.

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Da equipe do Jornalirismo