Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Até quando Lula vai continuar massacrando a imprensa?

Incisivo, soube perguntar e soube replicar. Preparou-se, mostrou que está por dentro da cena política. Repórter famoso, mas repórter: não é um destes parajornalistas pára-quedistas que nos últimos seis meses desqualificam a mídia brasileira.


Pedro Bial, no entanto, não fez a pergunta que angustia aqueles que se preocupam com o futuro da nossa imprensa e da nossa democracia:




– Presidente Lula, o senhor é um autêntico fenômeno midiático, ganhou as eleições porque conquistou a imprensa. Mas por que razão vem massacrando a imprensa desta forma? Durante nossos intervalos democráticos, nunca houve um presidente tão rancoroso com a imprensa.


A pergunta não foi feita nesta e nas anteriores entrevistas porque é explosiva, mexe com a vaidade do presidente da República. Pode abrir um fosso ainda maior entre o presidente, seus assessores e os meios de comunicação. Como todas as crianças mimadas, Luiz Inácio Lula da Silva quer mais, não se contenta com o que lhe oferecem.


Resultados medíocres


O problema de Lula com a imprensa e com os jornalistas não começou em maio de 2005, quando aquele vídeo produzido na periferia da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) escancarou as entranhas da ‘base de apoio’ do governo. A crise política, o mensalão e o valerioduto apenas agravaram uma disposição de exigir mais, se possível tudo, de uma instituição que precisa ao menos aparentar um mínimo de isenção.


No final de dezembro de 2003, ainda em plena lua-de-mel com a imprensa, o presidente já tentava ensinar o padre-nosso ao vigário com aquela sua cartilha sobre o que é jornalismo e o que é propaganda. Embutia-se ali um qüiproquó que acabou ganhando proporções inéditas num país que se supõe comprometido com o Estado de Direito.




[No pé deste texto, veja um levantamento das críticas do presidente da República à imprensa, desde a campanha eleitoral e depois de sua posse, que constituem um dos mais importantes capítulos da moderna história da imprensa brasileira.]


No Fantástico do último domingo (1/1), dois anos depois, Lula retomou o tema ao reclamar da imprensa maior cobertura dos seus magníficos feitos e da sua inigualável ‘agenda positiva’.


Ora, presidente, seu antecessor e ídolo, Juscelino Kubitschek, jamais cobrou da imprensa uma cobertura do binômio ‘energia & transportes’, nem reclamou mais destaque para o funcionamento do GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística) do antigo BNDE, que mudou a fisionomia industrial do país.


A imprensa, como instituição, é por natureza safa: só pega carona em iniciativas que resultam em ganhos para os seus leitores. E, em seguida, para ela própria. Os medíocres resultados das vendas do último Natal mostram que os apregoados ganhos sociais ainda não conseguiram ultrapassar o misterioso mundo das macro-estatísticas.


Não interessa reclamar


Em troca de duas pequenas confissões de teor nitidamente policialesco (‘fui esfaqueado’ e ‘o PT ainda vai sangrar muito’), o presidente Lula ganhou o direito de saudar o povo brasileiro no primeiro dia depois de encerrado o teneboroso ano de 2005 e aproveitou o resto do tempo para exercitar a sua especialidade – o meeting político.


E aqui entra(m) a(s) pergunta(s) que Pedro Bial não fez:


** Se a imprensa brasileira é efetivamente denuncista, leviana, golpista, a serviço das elites, etc. etc. como o presidente e seus companheiros têm dito há seis meses, por que só agora Sua Majestade, o Presidente da República Federativa do Brasil, admite que foi esfaqueado?


** Por que não gemeu antes, santo Deus? Por que não gritou ‘Acudam!’ e pediu socorro? Por que tenta avacalhar aqueles que há mais de seis meses exibem a ferida, tentam curá-la, mostram os rastros de sangue, as impressões digitais na faca, indicam executantes e mandantes do esfaqueamento?


Está evidente que mudou a estratégia comunicativa da Presidência da República. À entrevista a Paulo Markun e à antiga equipe do Roda Viva da TV Cultura (7/11/2005) soma-se esta, num dos programas de maior audiência do país. Virão outras, isso é certo: a Folha de S.Paulo está irrequieta, cansada de atender a pequenos pedidos da Secretaria da Imprensa, mas sempre protelada em demonstrações de apreço – como esta à Rede Globo.


Em troca de mais algumas gotículas confessionais a respeito de esfaqueamentos insignificantes e já conhecidos, o presidente está montando o comício virtual que usará de graça, quantas vezes quiser, antes mesmo de anunciar a sua candidatura à reeleição.


É por isso que não interessa a ninguém reclamar contra o sistemático esfaqueamento da imprensa nos pronunciamentos presidenciais. Vão cessar: desde que a imprensa aceite converter-se em seu palanque eleitoral.