Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

‘Cansei’ das boas notícias

Assuntos de saúde ocupam as manchetes. Linfoma no Brasil, dengue na Argentina, gripe suína no mundo todo. Eu gosto disso. Parece um defeito profissional porque sou jornalista especializada em saúde. Mas não é. Ninguém deve acreditar que adoro más notícias. Que fique claro: eu gosto do que estou lendo… entre linhas.


Se eu fosse do movimento ‘Cansei’, poderia dizer que cansei que as matérias sobre saúde sejam individualistas. Nesse palco que a gente está habituada a presenciar, só entra você, seu dinheiro, sua doença, sua medicina. Cansei das boas notícias médicas que só servem para vender remédios.


Os políticos sabem que doença, dinheiro e relações extraconjugais são difíceis de esconder por muito tempo. Mas o que acontece quando o prontuário das pessoas públicas vira notícia pela própria vontade delas? Em primeiro lugar, planos políticos à parte, os especialistas em psico-oncologia acreditam que dar publicidade à própria doença tem um efeito positivo, é um sistema de defesa, uma catarse emocional. A comunicação faz com que o paciente não se sinta tão isolado do mundo das pessoas sadias. Em outras palavras, aparecer como paciente exemplar é terapêutico.


Detecção precoce e medicina preventiva


Mas o que eu quero ressaltar é que a dor é um mal que pode se transformar num bem para os outros. Assim, um dos efeitos colaterais do tumor achado no corpo da ministra Dilma Rousseff foi o que a impulsionou a olhar para a frente e falar de uma doença grave pelo próprio nome. Para enfrentá-la, é preciso não escondê-la.


Mais do que isso. Dilma sentiu-se obrigada a falar à mídia sobre a importância dos exames preventivos periódicos. Sentiu que esse era o seu dever como pessoa pública. E, como uma bola de neve, muitas pessoas sentiram na hora que era o dever deles, como cidadãos, exigir esse beneficio para quem utiliza a rede pública de saúde. Isso se viu, semana passada, nas cartas de leitores de muitos jornais. Pergunto: o que sentem os jornalistas e editores? Que o dever deles é simplesmente informar sobre a doença, ou que devem aproveitar a difusão dada pela pré-candidata – e pedida pelos leitores – para a promoção de uma mudança?


A origem de muitas melhoras no atendimento médico está na agenda responsável da mídia. Foi assim com aquela que luta pelos direitos reprodutivos e se transformou em núcleos de planejamento familiar dentro dos hospitais; a exemplar política de combate ao vírus da Aids, que colocou ao Brasil à frente de países mais desenvolvidos, também nasceu das reivindicações do povo. Agora é um momento especial para que os holofotes iluminem o debate em um dos cantos escuros da saúde pública brasileira: a deficiência da detecção precoce e a medicina preventiva. Obrigada, Dilma.


O dengue na Argentina


Na Argentina, fazia muitos anos que os especialistas em saúde pública alertavam para o crescimento da desigualdade social e a falta de ação dos sucessivos governos, que tinham aberto as portas para o dengue e a febre amarela. Mas, para os jornalistas, era mais fácil publicar matérias sobre botox. O leitor estava mais interessado em outros assuntos, e a ameaça, tantas vezes anunciada, não tinha interesse jornalístico. Mas os mosquitos não ligam para pesquisas de opinião.


Hoje, no país vizinho, há mais de 21.000 pessoas com dengue, a maior epidemia das últimas quatro décadas. E o pior ainda não chegou, asseguram os especialistas, pois não se está adotando uma boa política preventiva. Um grupo de deputados pediu, na semana passada, a demissão da secretária da Saúde da província do Chaco, Sandra Mendoza, mulher do governador Jorge Capitanich, por ter atuado de forma negligente no início da epidemia de dengue.


Mais o problema é nacional e quando a ministra de Saúde Graciela Ocaña disse aos microfones que a dengue tinha chegado à Argentina para ficar, os cientistas não deixaram passar a mensagem sem resposta. Difundiram na mídia um relatório alertando que ‘pela primeira vez na história da Argentina, aconteceram numerosos surtos de dengue em quase metade do território nacional e estamos perigosamente perto de uma epidemia generalizada’. O documento acrescenta que as palavras da ministra geram ‘resignação’ e os médicos pedem uma ‘política de Estado’ para combatê-lo.


Nada é mais letal que o desconhecido


Por outro lado, a globalização do vírus mexicano veio mostrar que não há uma ação individual que possa enfrentar uma pandemia. A responsabilidade individual é necessária, mas não suficiente. Isso é certo para uma pessoa, um estado, um país, um continente.


Infelizmente, o vírus se espalha. Felizmente, desta vez, a informação também. No mundo todo, os cidadãos cobram de seus governos planos para evitar a pandemia. As medidas sociais ganham relevância. Ninguém quer viver de novo o que aconteceu com a gripe aviária, com um governo ditatorial colocando os relatórios médicos em baixo do tapete.


Nos jornais, na internet e na TV há exageros e erros. O discurso catastrófico faz parte da natureza humana. Mas também há acertos. As informações da OMS e dos wikimapas estão disponíveis para serem vistas por todo mundo. Se o mundo está hoje melhor preparado do que antes, não é pelo trabalho solitário de alguns cientistas. Os pilares da luta são ciência e tecnologia, mas também informação.


Ninguém é imune ao linfoma. Ninguém é imune, ainda, ao novo vírus da gripe. Nada é mais letal que o desconhecido. É um fato. Bem-vindas as manchetes!

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Bióloga e jornalista