Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘A Folha tem tratado os professores do ensino público que ficaram em greve em São Paulo por três semanas sem nenhuma boa vontade. Posicionou-se em editorial contra a paralisação, publicou colunas agressivas contra eles e, no noticiário, tratou do assunto mais como empecilho adicional e desnecessário ao caótico trânsito da cidade do que como problema sério de políticas públicas.

Até aí, tudo relativamente bem. O jornal e seus colunistas têm pleno direito de manifestar as opiniões que julgam as mais acertadas. As páginas informativas, que nunca podem ser contaminadas pelas de opinião, não chegaram a se engajar em campanha contra os grevistas. De resto, a categoria dos professores do ensino público e seus representantes sindicais estão longe de não merecerem críticas.

A questão importante é outra. A greve é excelente oportunidade para a imprensa fazer levantamento detalhado das condições da educação, que a Folha desperdiça.

Dezenas de leitores se dirigiram ao ombudsman para reclamar da cobertura da greve. Nenhum a elogiou. Nas queixas, não identifiquei ranço ideológico ou partidário.

Há consenso nacional sobre a importância da educação para melhorar o futuro do país. Mas quando é necessário demonstrar concretamente esse compromisso, poucos dizem presente.

Para um jornal ir além da retórica precisa investir em reportagens minuciosas sobre os problemas que travam a melhora da educação.

Pelo que a Folha publicou desde o início da greve, não é possível concluir se ela foi justificável ou não.

Nem questões básicas, como o número de faltas permitido foram resolvidas (um leitor explica que são 32 faltas/ aula, cinco ou seis dias por ano, não 32 dias, como deu a entender o noticiário).

Não foi feita discussão profunda sobre o decreto que detonou a greve. Não se chegou nem perto de uma radiografia de dificuldades como: violência de alunos contra professores, existência de equipamento didático necessário nas escolas, incentivo para aperfeiçoamento profissional, tamanho de turmas em salas de aula, adequação de carga horária e currículo, acesso a internet, realização de excursões, qualidade de bibliotecas, laboratórios e salas de arte.

Não houve diagnóstico das condições salariais médias do professor: qual porcentagem de sua remuneração é salário e qual são bônus e gratificações, como se compara o pagamento do professor paulista com os de outros Estados e países, quantas horas semanais precisa trabalhar (em sala de aula e fora dela) para ganhar uma remuneração minimamente compatível com sua formação e a importância estratégica de sua profissão.

Pedi à Secretaria de Redação uma auto-avaliação da cobertura. Ela respondeu considerá-la ‘correta, mas é claro que sempre é possível melhorar’. Disse ter sido este jornal que primeiro questionou o valor do reajuste anunciado pelo governo (foi de apenas 5,41%, não de 12% como apregoado). Sua resposta não me convenceu de que a Folha tenha ido bem.

Ou a educação é um tema prioritário para o jornal ou não é. Houve época, meados da década de 70, em que sem dúvida foi, apesar de muitos erros. Agora, não é mais. Deveria ser. A greve lhe dá uma chance para que seja de novo.’

***

‘Notas altas e baixas’, copyright Folha de S. Paulo, 6/7/08.

‘Duas novidades mobilizam os paulistanos: a lei seca no trânsito e a restrição a caminhões em parte da cidade. Nos dois casos, a Folha tem feito cobertura correta, com diversidade de opiniões garantida, grande abrangência, espírito didático e precisão.

Entre 1996 e 2006, o Brasil conseguiu feito extraordinário: a desnutrição infantil crônica diminuiu 46% no país e 74% na região Nordeste; a mortalidade infantil caiu 43,5%. Este jornal, no entanto, não deu destaque à conquista. A notícia não apareceu em primeira página; saiu apenas no pé da capa de Cotidiano de sexta.

O caso Alstom tem grande importância para leitores que criticam a Folha por favorecimento ao PSDB. Semanas de desempenho fraco intensificaram essas acusações. Mas o jornal melhorou e tem se mantido bem, com diversas linhas de investigação e revelações exclusivas.

Problemas com o português continuam a amaldiçoar estas páginas. Muitos jornalistas mal conseguem dominar seu idioma E há os que se aventuram a errar em outros. No domingo, apareceu erro na declinação da segunda pessoa do singular do presente do indicativo do verbo ser em espanhol (‘es periodista?’ em vez de ‘eres periodista?’). E sobram anglicismos dispensáveis, como ‘bear market’ em título de matéria na quinta.’

***

‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 6/7/08.

‘‘Pedagogia da Autonomia’, de Paulo Freire. Editora Paz e Terra, 2008 (a partir de R$ 6,10) – sintética lista de sábias recomendações a professores para melhorar seu desempenho

‘A Escola no Futuro’, Lauro de Oliveira Lima. Editora José Olympio, 1974 (a partir de R$ 8 em sites que negociam livros usados) – clássico livro do grande educador, escrito originalmente há 42 anos, com suas previsões para a escola deste futuro atual

‘Comunicação Docente’, de Moacir Gadotti. Editora Loylola, 1975 (a partir de R$ 10, usado) – reflexão profunda sobre a importância vital da relação entre professor e aluno para o sucesso da educação

PARA VER

‘A escola’, de Daniele Luchetti, com Silvio Orlando, Anna Galiena, 1995 – magnífico relato da realidade do ensino público italiano, em muitos aspectos similar ao brasileiro

‘Ao Mestre com Carinho’, de James Clavell, com Sidney Poitier e Christian Roberts, 1967 ( a partir de R$ 29,90) – clássico sobre a dificuldade de ensinar a adolescentes revoltados, no caso em bairro pobre de Londres na década de 1960

‘O Substituto’, de Robert Mandel, com Tom Berenger e Raymond Cruz, 1996 – drama sobre escola em Miami em que o tráfico de drogas e a violência são problemas comuns

ASSUNTOS MAIS COMENTADOS

1. Greve de professores paulistas

2. Cobertura das eleições municipais

3. Lei seca no tráfego

ONDE O JORNAL FOI BEM

Apagão

Correta a cobertura do apagão digital que afetou São Paulo, em especial na orientação aos consumidores

Primeiras páginas

Semana plena de capas bonitas e de bom conteúdo, particularmente a de domingo passado

Ingrid

Jornal tratou de maneira prudente, serena e completa o resgate da ex-candidata à Presidência da Colômbia

E ONDE FOI MAL

Rio Grande do Sul

Leitores continuam sem ter uma visão ampla da crise gaúcha

Mercosul

Cúpula da entidade regional do Brasil mereceu por dias bem menos destaque do que a da União Européia

Bill Gates

Aposentadoria de um dos mais importantes homens de negócio do século 20 mereceu tratamento apenas discreto do jornal’