Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Chegou a vez do BC

Ao longo das últimas três décadas, a economia mundial sofreu um virulento processo de financeirização que redundou nas crises da bolha do ponto com, do México, da Rússia e, mais recentemente, a imobiliária. Até aí, nenhuma novidade. O documentário Inside Job, vencedor do Oscar deste ano, em busca de respostas para esse fenômeno, faz uma incisiva radiografia de o quão longe as relações tentaculares dos players do mercado podem chegar. No filme, estruturas governamentais, acadêmicos e autoridades monetárias são apontados como os principais elos de uma cadeia projetada para perpetuar o modelo, apesar dos crescentes sobressaltos.

Chama a atenção na narrativa, contudo, a ausência de uma menção explícita ao complexo midiático, fator chave para a criação de um senso comum, e não necessariamente de uma arena de debate, a respeito dos diversos temas dominantes nos cenários político e econômico.

Trazendo essa leitura das ações desses players para o cenário doméstico, a bola da vez, em substituição ao BNDES, vidraça em 2010, parece ser o Banco Central, sob a batuta de Alexandre Tombini. Como em um puzzle, onde as peças sozinhas geralmente não fazem sentido, é preciso somar uma boa quantidade delas para que surja uma imagem minimamente clara. Essa definição mais objetiva do quadro começou a se cristalizar na última semana de março, após a divulgação pelo BC de seu Relatório Trimestral de Inflação. No documento, a instituição expôs o abandono do objetivo de levar a meta de inflação para o centro projetado de 4,5% no ano corrente. Trocando em miúdos, a mensagem foi: a política de aumento sucessivo dos juros, discretamente comemorada pelo mercado através das páginas dos jornais, ao final das duas últimas reuniões do Copom – Conselho de Política Monetária, quando as taxas retomaram uma trajetória ascendente, não será adotada automática e sistematicamente por aquela casa.

A independência do Banco Central

O relatório claramente frustrou o chamado mercado, acostumado com os polpudos ganhos de uma taxa nominal de juros quase imbatível no cenário internacional. Foi o suficiente para que as portas do céu – ou do inferno, de acordo com o gosto do freguês – se abrissem para que uma miríade de trombetas surgisse anunciando o apocalipse. De maneira sintomática, um importante jornal paulistano deslocou de sua seção de economia para a de política uma extensa reportagem sobre o tema, onde os chamados analistas de mercado puderam destilar todas as suas preocupações quanto às possíveis medidas heterodoxas do BC no combate a inflação, quanto à proximidade entre Tombini e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, com suas manias desenvolvimentistas, e quanto a uma consequente falta de independência da autoridade monetária em relação ao governo.

Seguindo a mesma linha, outro importante jornal paulistano conseguiu ir até um pouco além, ao ‘lembrar’ das diferenças entre Mantega e o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Este último, apresentado ao longo das semanas que antecederam a posse de Dilma Rousseff como um bom interlocutor do mercado dentro do governo. Segundo a publicação, Palocci haveria declarado ser preciso ‘dar uma paulada nos juros’. Não para baixo, como inicialmente poderia parecer, e sim, para cima! A reportagem aproveitou para retomar o tema, presente também durante a transição, do suposto atrito incontornável entre os dois ministros.

Entrevistados em rádios e programas de TV, ao analisarem a conjuntura econômica seguem a mesma linha monocórdia. Fatores contraditórios, como a análise da inflação contemporânea como um fenômeno mundial ou um voto de confiança para que o país continue perseguindo seu desenvolvimento, livrando-se da enxurrada de dólares e do capital especulativo, pouco aparecem nas falas dos ‘analistas do mercado’. A permanecer o tom da sinfonia, os próximos meses prometem artilharia pesada contra Tombini e, colateralmente, sobre Mantega. Parece que os mercados não gostam muito dos dois. Pelo menos, é isso o que transparece juntando os puzzles midiáticos.

Em tempo: mereceram pouco destaque no noticiário o lucro do BNDES, de quase R$10 bilhões no exercício de 2010, e a informação via WikiLeaks de que Antonio Meirelles, o ex-presidente do BC nos anos Lula, teria pedido auxílio à embaixada dos EUA para pressionar o governo brasileiro em favor da independência da instituição que presidia. Tais assuntos parecem constranger o mercado.

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Jornalista