Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Comunique-se



CHARGES POLÊMICAS
Milton Coelho da Graça

E se Al-Jazeera debochasse de Cristo?, 3/02/06

‘Jornais dinamarqueses publicaram um cartoon gozando Maomé. O France Soir republicou. E o mundo muçulmano está em pé-de-guerra.

Os três jornais acham que apenas exerceram a liberdade de imprensa. E o mais grave é que uma boa parte da imprensa mundial parece concordar com eles. A CNN teve mais juízo, mostrou a caricatura borrada, com Maomé irreconhecível.

A questão é simples: se A TV Al-Jazeera exibisse uma caricatura de Cristo com jeito gay e de mãos dadas com São João Batista, ou a Virgem Maria de maiô, qual católico ou evangélico – na Dinamarca, na França ou no Brasil – não protestaria?

Eu protestaria e também protesto no caso da caricatura de Maomé. Nunca esquecer que qualquer liberdade – inclusive a de imprensa – termina onde começam as dos outros, inclusive a de fé religiosa. E acho um bom caso para discutirmos entre nós (e com a sociedade) os limites das liberdades de informação e opinião.’



JORNALISMO ESPORTIVO
Marcelo Russio

Escrevemos para nós mesmos, 1/2/06

‘Olá, amigos. Conversando com colegas jornalistas e ouvindo depoimentos e ‘causos’ de erros de português cometidos em jornais, revistas, programas de rádio e em sites, cheguei à conclusão de que escrevemos para nós mesmos, e não para os leitores.

Antes que venham me condenar por propagandear o mau português, defendo a tese de escrevermos sempre da forma mais correta e simples possível, obviamente. Mas que há um preciosismo excessivo em determinados momentos, há.

Há expressões que são banidas das edições dos veículos de comunicação por serem consideradas ‘pobres’ ou ‘batidas’ pelos manuais de redação e estilo, mas que funcionam perfeitamente com o grande público. Muitas vezes os editores simplesmente implicam com determinada palavra e esta tem que sumir definitivamente do vocabulário dos repórteres.

O problema é que estas palavras muitas vezes são as que melhor definem a idéia que o repórter deseja dar no seu texto. Claro que sempre cabe um sinônimo ou uma ‘volta’ um pouco maior para se chegar ao resultado ideal. Mas por que, raios, pôr uma palavra na lista negra de um veículo? Não usá-la denota esse preciosismo de quem escreve para a própria classe, e não para o público não especializado em jornalismo, que entenderia perfeitamente a idéia que se desejasse passar, fosse com a palavra que fosse.

Alguém que não seja jornalista vê alguma diferença entre as frases abaixo?

1) O técnico Leão ainda não definiu a escalação do Palmeiras.

2) O técnico Leão ainda não decidiu quem escalar no Palmeiras.

Certamente as duas funcionam da mesma forma com o leitor comum, que representa a imensa maioria de quem lê um jornal ou um site. Alguém discorda?’



WEBJORNALISMO
Mario Lima Cavalcanti

A Wikipedia de depoimentos, 3/2/06

‘Da matéria de capa do caderno de informática do jornal O Globo desta segunda-feira, 30, sobre os sinais de virtualização dos objetos: ‘o correio eletrônico virtualizou as antigas cartas e está se preparando para virtualizar os documentos, com a certificação e a autenticação digitais. As enciclopédias caíram na rede qual peixes – basta ver o sucesso do projeto Wikipedia…’. A grande Wikipedia. Creio que hoje dificilmente alguém duvida da importância e da eficiência dela. Comumente citada em textos científicos, a gigantesca enciclopédia de colaboração participativa é uma das principais referências em termos de pesquisa. Na mesma linha desta, uma nova, a MemoryWiki, surge com uma proposta diferente, mas tão interessante quanto: ser uma enciclopédia de lembranças.

Segundo os responsáveis pelo projeto, ele foi construído em cima de uma versão modificada do MediaWiki, o mesmo gerenciador de conteúdo utilizado pela Wikipedia. Ou seja, o processo de criação, edição e aferição de veracidade de registros é similar. O layout não ganhou muitas modificações, o que torna a sehhmelhança entre os dois sites notória.

Para exemplificar a diferença entre as duas enciclopédias, vamos supor que você esteja procurando informações sobre as edições de 1969 e de 1994 do clássico festival de música Woodstock. Na Wikipedia teoricamente você encontraria informações didáticas sobre os eventos. E certamente encontraria também uma penca de links e informações sobre as bandas que participaram e, talvez, sobre notícias relacionadas publicadas em jornais na época. Na WikiMemory, no entanto, o que o usuário pode esperar encontrar em primeira instância são memórias, lembranças de quem esteve no evento, ou de filhos de pessoas que presenciaram uma das edições do festival. Ou ainda, talvez, declarações de cantores que tocaram em um dos eventos.

Percebe, caro leitor, a idéia e a grande fornalha de conteúdo que é o WikiMemory? Um gigantesco possível banco de depoimentos. Alimento rico em nutrientes para veículos de comunicação e para o desenvolvimento do exercício da participação. Qualquer veículo digital participativo com boas estrutura e proposta é um contribuinte em potencial para o cenário open source e para o jornalismo online. Tanto do ponto de vista de acostumar os usuários a participar de forma mais ativa das informações que circulam na Rede quanto para alimentar ou servir de referência para demais veículos de comunicação.

Experimente pesquisar sobre eventos de grande porte, de importância histórica, de entretenimento… Logo perceberá na prática a proposta da MemoryWiki. Do ponto de vista de redação e produção de conteúdo, perceberá o quanto útil pode ser um banco de declarações como esse. Assim como o sucesso da Wikipedia, não duvido que em breve poderemos esbarrar com artigos que, após constatação de veracidade, carreguem linhas como: ‘Segundo fulano de tal, em depoimento na Memorywiki sobre sua participação na Guerra do Iraque…’ ou ‘De acordo com depoimento de cicrano na Memorywiki, no dia da final entre Brasil e Alemanha na Copa do Mundo de 2002…’. Até a próxima!’



MERCADO DE TRABALHO
Eduardo Ribeiro

As novidades da BBC Brasil para 2006, 1/2/06

‘Ex-repórter do Jornalistas&Cia, em São Paulo, Fernando Soares mudou-se para Londres e lá, agora, além de estudar e desenvolver outras atividades, será correspondente do Jornalistas&Cia. Na estréia, ele entrevistou o diretor da BBC Brasil, Américo Martins, com o objetivo de saber dele os planos da emissora para 2006 e também um balanço sobre 2005. E foram bons os resultados da edição brasileira do site, que bateu recorde de visitação em relação aos serviços nos demais idiomas (fora o inglês). Além disso, o núcleo comemorou também o contrato inédito firmado com a Band para a produção de matérias para a televisão. A boa notícia é que a BBC Brasil prepara-se para montar uma sucursal em São Paulo que deverá ter oito profissionais, com um correspondente em Brasília. Claro, como nem tudo são flores, a preferência, em relação ao preenchimento dessas vagas, será para profissionais brasileiros da própria BBC de Londres, interessados em regressar ao Brasil. Se o número for insuficiente para preencher todas as vagas, aí sim, a instituição contratará profissionais diretamente no Brasil.

Pela oportunidade e interesse da informação, reproduzo, a seguir, a íntegra da entrevista, que está também na edição desta semana da versão impressa do J&Cia.

J&Cia – Como foi o ano de 2005, para a BBC Brasil?

Américo Martins – Excelente. Fechamos o ano com 2,7 milhões de visitantes únicos-mês, no nosso site, o melhor resultado de todas as 42 línguas em que a BBC opera, fora o inglês. Algumas reestruturações, no entanto, nos obrigaram a acabar com programas de longo formato para o Brasil, mas continuamos com as parcerias mais importantes, fornecendo boletins e coberturas internacionais. Alem do mais, passamos a investir mais pesadamente em áreas como televisão e vídeo, de onde saiu o acordo com a Band.

J&Cia – E para 2006, algum projeto especial?

AM – A grande novidade será a criação de uma sucursal no Brasil.

J&Cia – E como ela será montada?

AM – A BBC quer manter seus funcionários, ou seja, a idéia é transferir pessoal de Londres para o Brasil, principalmente aqueles que quiserem voltar. Mas, no futuro, nada impede que contratemos jornalistas no Brasil. Serão provavelmente oito em São Paulo e um correspondente em Brasília. Ainda não definimos quem ficará no comando, mas deve ser alguém da BBC de Londres.

J&Cia – E qual será a importância dessa sucursal, para a BBC?

AM – Isso também é uma vitória para nós e para o Brasil, porque o serviço mundial da BBC tem escritórios em 52 países, inclusive um pequeno no Brasil, mas escritórios de porte de sucursal, a BBC não tem nenhum país da América Latina.

J&Cia – A BBC Brasil está preparando algum esquema especial de cobertura da Copa do Mundo e das eleições brasileiras?

AM – Vamos investir bastante nos dois eventos. A grande missão da sucursal, no Brasil, será cobrir bem a eleição, esquecendo obviamente às picuinhas, o dia-a-dia da política, até porque isso a mídia brasileira faz e muito bem. Deveremos nos concentrar nas coisas de fundo, com coberturas de temas e assuntos que possam mudar o futuro do País. Já a Copa do Mundo, será coberta por uma equipe relativamente pequena (se comparada à imprensa brasileira), mas em compensação se poderá contar com o apoio do resto da BBC.

J&Cia – E a cobertura do Brasil, na imprensa britânica, como se dá?

AM – O Brasil é um país respeitado aqui, e eu diria que está ficando mais importante editorialmente, mas não é o topo da agenda. A realidade é que o Brasil não é um dos principais países do mundo e isso se reflete tanto na cobertura da BBC quanto no restante da mídia britânica. A minha função, como diretor da BBC para o Brasil, é levar o material em português para lá, mas também ajudar na cobertura internacional aqui na Grã Bretanha, para o resto do mundo.

J&Cia – Como foi a experiência da cobertura dos atentados terroristas em Londres, no ano passado?

AM – Essa é uma história curiosa. Vínhamos falando com a Band, com o Carlos Nascimento, o Fernando Vieira de Mello Filho, e o Marcelo Parada, já há algum tempo, antes mesmo dos atentados, discutindo a criação de uma parceria para a televisão. Mas faltavam acertar detalhes, porque todas as parcerias da BBC são comerciais e com contratos muito bem estipulados. Estávamos no meio da negociação quando estouraram as bombas aqui. Naquele dia, corri para a redação e percebi que era fundamental superar a burocracia. Era importante para nós mostrar o material produzido e era importante para a Band ter um correspondente aqui naquela hora. Então, no começo da tarde, assim que cheguei, imediatamente pedi para a repórter Graciela Damiano entrar no circuito. Fizemos tudo na confiança e foi isso, aliás, que ajudou a acelerar o processo. E assim estreamos na tevê, no Brasil, sem um contrato, mas num momento em que o editorial obviamente se impôs. Ali ficou provado que poderíamos fazer a diferença para eles e eles para nós.

J&Cia – Logo em seguida teve o assassinato do Jean Charles de Menezes.

AM – Era uma história muito importante e que tínhamos a obrigação de cobrir bem. Por acaso, naquele dia estávamos num churrasco na minha casa e era meu aniversário. Ali mesmo começamos a trabalhar. E aquela história foi muito particular, por envolver um brasileiro em Londres. Isso mexeu com todos. Além do mais, o caso Jean Charles mostrou um grande exemplo de interação pelos dois lados. Ali mostramos como é importante a integração. O lado britânico da BBC, sabíamos, tem fontes na polícia britânica, na Scotland Yard e no governo britânico, coisa que nenhum jornalista brasileiro tinha. Foram eles, aliás, que confirmaram para nós que a vítima era brasileira. Por outro lado, eles não tinham a penetração na comunidade brasileira como nós. A BBC usou muito material nosso. As primeiras fotos do Jean Charles, por exemplo, que circularam, nós conseguimos com o primo dele. Não demos todos os furos da cobertura (a ATN, por exemplo, deu um grande furo ao mostrar a única foto onde aparecia o corpo), mas posso afirmar que fizemos uma cobertura excelente, sem grandes problemas e com uma integração enorme. Isso rendeu, inclusive, um agradecimento direto da diretora de jornalismo da BBC, Helen Boaden, e um nosso, de reciprocidade.’



GISELE NA MÍDIA
José Paulo Lanyi

Desconstruindo Gisele, 2/2/06

‘Gisele Bündchen é agora a ex-Gisele Bündchen. Coitada, descobriram que ela não é mais aquela. Para dizer a verdade, nunca a achei uma… Gisele Bündchen. Fotografa bem, é verdade, mas falta…falta… um ponto de fuga mais, vejamos, brasileiro. E crasse (sic). Ao menos para os meus padrões, diga-se aqui com a humildade de quem sempre viu essas coisas calcado no empirismo. Nem sempre com Giseles… Nem sempre mesmo…

A Folha Online está promovendo a desconstrução da Gisele. Dedica-se a acompanhar-lhe os percalços. Parece-me animada, o que pode ser divertido. Pega um pedaço daqui e põe no canto. Amanhã é a vez de outro, e temos, por fim, o desfile da parte pelo todo. Lembra-me uma campanha do ‘Pânico’, o Amaury Júnior ao contrário.

Se você perdeu os capítulos da Folha, não se preocupe. Sempre fui vigilante. Não seria omisso, não daria uma mancada dessas com os meus leitores:

13 de janeiro:

‘Ciúme ou não da overdose de mídia em torno da modelo brasileira mais famosa no exterior, mais uma beldade do ‘Saia Justa’, programa da GNT, decide publicamente prestigiar a grife Daspu, em detrimento da top gaúcha Gisele Bündchen, 25, que desfila nesta sexta-feira (13) na Fashion Rio, no MAM (Museu de Arte Moderna do Rio) (…) ‘Hoje é dia de Daspu! Sou muito mais Daspu do que Dasgi… não é por nada não, mas chega né… Cansei daquele nariz lindo e vermelho…’, escreveu hoje a atriz Luana Piovani em seu blog. (…) Na sua mensagem, [Luana] Piovani usou a sigla ‘Dasgi’ para se referir a Gisele –conjugando as primeiras sílabas do nome da top e da grife das prostitutas’.

24 de janeiro:

‘Gisele traiu DiCaprio?’ Essa é a manchete da capa da nova edição da revista ‘Contigo!’, que chegou às bancas nesta semana. (…) A edição de ‘Contigo!’ é mais um capítulo do desgaste da imagem da modelo com a mídia. O jornal ‘Extra’, do Rio, divulgou na semana passada que um fã carregou um cartaz que dizia ‘Gisele é ingrata’, na São Paulo Fashion Week. Identificado como Fernando da Silva, 21, ele se declarava fã da modelo, mas teve suas mensagens ignoradas por Gisele. Detalhe: Fernando quer apagar o rosto da top que está tatuado em seu peito, e não tem dinheiro para a cirurgia. Na sua passagem pela Fashion Rio, Gisele também obteve uma repercussão não muito gloriosa na imprensa internacional. A agência de notícias Reuters, cujo material é reproduzido por jornais e revistas no mundo inteiro, transmitiu para seus clientes uma reportagem dizendo que o desfile de Gisele teve o brilho ofuscado pela moda das prostitutas da grife Daspu’.

1 de fevereiro:

Título: ‘Desgaste de Gisele com mídia ganha mais um capítulo’.

‘A saúde de Gisele Bündchen, 25, virou alvo de especulações e protagoniza mais um capítulo do desgaste da imagem da modelo com a mídia. Desde o fim do romance com o ator norte-americano Leonardo DiCaprio, a top gaúcha passou a colecionar notícias negativas, o que deu início a um processo de desconstrução do mito de beleza e sucesso. ‘Gisele Bündchen pode estar com síndrome do pânico’, noticiou hoje o ‘Jornal da Tarde’, de São Paulo, citando que ela começou a sentir claustrofobia (medo de lugares fechados) em setembro de 2005, durante um desfile em Barcelona. A assessoria da modelo negou a doença. Já, no Rio, ‘O Globo’ divulgou que a modelo ‘está fazendo tratamento psicológico e não psiquiátrico’ em Nova York, atribuindo a informação à Img Models, agência de Gisele’.

Confesso que ando preocupado com a Gisele. Não é justo o que estão querendo fazer com a moça. No entanto, como este espaço se pretende democrático, lanço aqui, em ano de Copa, uma disputa legítima, nessa esfera que nos é tão cara e afirma a brasilidade mundo afora: a moda.

Aí vai o perfil da outra contendora, de acordo com o mesmo jornal eletrônico: ‘Se a mídia ensaia jogar Gisele para escanteio, quem vai ser a nova ‘bola da vez’? A modelo Carol Trentini, 18, é uma das apostas dos editores de moda. Ela desfilou na São Paulo Fashion Week e, segundo relatos dos fashionistas loucas (sic) em apontar a ‘new face’, a menina ‘domina’ as bancas de jornais em capas e editoriais’.

Que brasileira você prefere? A Bündchen ou a Trentini (veja no Google Imagem)?

É uma discussão necessária. Conto com você.’



DIRETÓRIO ACADÊMICO
Carlos Chaparro

Na Oboré, a arma da utopia contra a crise, 2/02/06

‘XIS DA QUESTÃO – Num texto de quase homenagem a Sérgio Gomes, o jornalista e educador que, na sua Oboré, sabe transformar sonhos em projetos reais, abre-se, aqui, uma discussão sobre a crise histórica, multifacetada, que o jornalismo atravessa. Crise que pode ter várias leituras. Mas que se manifesta em efeitos universalmente perceptíveis, associados, quase todos, ao acesso, ao uso e à posse das tecnologias de difusão. E ao avanço das ‘razões do negócio’ sobre as ‘razões do jornalismo’.

1. De olhos no futuro

Quarta-feira, 1º de fevereiro, almocei na Oboré, a milagrosa oficina de materializar sonhos inventada pelo grande (em todos os sentidos) Sérgio Gomes. Em redor da mesa, mais para conversar do que para comer, perto de trinta jornalistas e professores de jornalismo que há anos, em diversos níveis de colaboração, acompanham solidariamente o belo projeto ‘Repórter do Futuro’, um dos muitos sonhos que Serjão conseguiu tornar realidade. E mais uma vez ali estava o grupo, desta vez com alguns novos integrantes, para, em clima de confraternização, formalizar o pontapé de saída da 12ª edição do projeto. As inscrições estão abertas, esperando-se a repetição do sucesso alcançado em 2005, quando foram 250 os inscritos. Dez por vaga. Este ano, o projeto conta com a parceria da ABI (em fase de reconstrução) e da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

‘Repórter do Futuro’ é uma espécie de curso-oficina de extensão, que acolhe estudantes e recém-formados dos cursos de jornalismo. Realiza-se anualmente, em dois módulos, com oferta de 25 vagas em cada módulo. E a seleção se dá com o preenchimento de um questionário, elaborado de forma a permitir a avaliação do candidato não apenas pelo que sabe e é capaz de fazer, mas também pelo entendimento que tem do que seja jornalismo, aí se incluindo o vigor e a seriedade do ideal profissional.

Dadas as dificuldades que candidatos de outros Estados teriam de acompanhar um curso que exige presença em no mínimo seis sábados e em algumas reuniões de acompanhamento individual, as vagas são normalmente preenchidas por candidatos vindos das faculdades do Estado de São Paulo. Mas estudantes e recém-formados de qualquer faculdade de jornalismo do País podem inscrever-se.

O mais importante está na proposta do projeto, que usa uma pedagogia fundada no tripé ‘pensar+fazer=aprender’, para compensar as precariedades dos cursos de jornalismo e ajudar a colocar, na prática profissional, jovens que ‘queiram ser jornalistas de verdade’. Ou seja: jovens dispostos a ser repórteres comprometidos com o dever social de investigar, questionar e informar. Ou, se preferirem, amantes e artistas da reportagem, em especial da grande reportagem..

2. Utopia, realidade e crise

Não conheço ninguém, a não ser o indomável Sérgio Gomes, capaz de levar adiante, com qualidade e teimosia, a emocionante utopia de um projeto como este. E Serjão está aí para nos provar, todos os dias, que é possível transformar utopias em realidade. Até porque não tem o costume de queixar-se, nem de se refugiar em desculpas, só ele próprio sabe das dificuldades e sacrifícios que já enfrentou, e continuará a enfrentar, para manter de pé a Oboré e os vários projetos que a compõem.

É luta que não dá para enfrentar sozinho. Daí, a preciosidade do talento que Sérgio tem, para se fazer cercar de amigos e colaboradores. Mais do que talento, é vocação, que o próprio nome Oboré pode explicar: oboré é um instrumento tupi de comunicação, usado para chamar a tribo dispersa, quando chega a hora de lutar em legítima defesa.

A Oboré de Sérgio Gomes é isso mesmo: um chamado incansável da tribo dispersa, à luta pela cidadania.

Na prática, Sérgio Gomes sabe, como ninguém, juntar gente e fazer aliados (ou parceiros, como hoje está em voga dizer), para as empreitadas em que se mete. E é coisa muita, o que o danado faz. Quem ficar curioso ou descrente, dê uma olhada no site da Oboré (www.obore.com). E vai descobrir que, além da respeitável quantidade de projetos e frentes de atuação, nada ali se faz fora da perspectiva da responsabilidade social.

No caso do ‘Repórter do Futuro’, cerca de 300 estudantes ou recém-formados (talvez um pouco mais que isso) já passaram, aprovados, pelo projeto. Não sei se a Oboré tem algum esquema de acompanhamento de como os ex-alunos do curso se comportam na dureza e nas limitações do mercado profissional. Mas não tenho dúvidas de que ao ‘Repórter do Futuro’ o jornalismo brasileiro já deve uma boa contribuição.

Entretanto, assim como não se pode perder a capacidade de sonhar, também é preciso saber impor aos sonhos a moldura nem sempre suave da realidade. O Sérgio Gomes sabe disso. E porque sabe disso, aproveita almoços e reuniões como os de 1º de fevereiro, para provocar discussões sobre temas que têm a ver com a natureza dos projetos da Oboré. Foi o que aconteceu no almoço de lançamento da 12ª edição do ‘Repórter do Futuro’: às tantas, quase sem sentirmos, todos estávamos envolvidos em acalorada discussão sobre os porquês da ausência de meios e espaços para a reportagem investigativa e para o desaparecimento do repórter da investigação exaustiva e do texto literário.

*****

A questão é complexa, e a discussão comprovou isso, com a diversidade de diagnósticos e pontos de vista. Foram jogadas na mesa revelações surpreendentes, nem todas publicáveis, algumas relacionadas com o poder que as teles têm hoje sobre os meios de comunicação, no mundo inteiro.

Na reunião-almoço, ninguém escapou da perplexidade, quase angustiante, a que a discussão conduziu. Estabeleceu-se a convicção inevitável, coletiva, de que o jornalismo atravessa, sem dúvida, uma crise histórica. Crise que pode ter várias leituras, mas que se manifesta em efeitos universalmente perceptíveis, associados, quase todos, ao acesso, ao uso e à posse das tecnologias de difusão.

E a í fica a deixa para o alongamento da conversa, na próxima semana.’



COBERTURA DE GUERRA
Antonio Brasil

Jornalistas da ABC News feridos no Iraque, 30/01/06

‘A bruxa anda solta na rede americana ABC. Após a repentina morte de Peter Jennings, um dos jornalistas mais respeitados dos EUA, neste domingo, Bob Woodruff que co-ancorava o principal telejornal da ABC, o World News Tonight junto com Elizabeth Vargas, foi vítima de ataque com bomba no Iraque.

As notícias mais recentes destacam a gravidade dos ferimentos do âncora e do cinegrafista canadense, Douglas Vogt. Com ferimentos na cabeça, eles foram operados em um hospital militar americano perto de Bagdá e agora estão a caminho da Alemanha. O estado dos dois jornalistas é considerado grave, mas estável. No entanto, os relatórios médicos indicam que os próximos dias são considerados fundamentais.

A notícia do ataque à equipe da ABC no Iraque caiu como uma bomba no meio jornalístico americano.

Bob Woodruff é um jornalista competente e experiente. Como a grande maioria dos profissionais americanos, ele jamais estudou jornalismo. Aqui não é obrigatório. Ele é formado em direito, estudou chinês e foi professor em Pequim durante vários anos. Começou sua carreira no jornalismo como tradutor no escritório da CBS na capital chinesa. Cobriu diversos países do mundo e sempre dizia que queria ser um bom correspondente internacional. De forma meio inesperada e experimental, acabou se tornando co-âncora da ABC News.

Guerra de audiência

Segundo as agências internacionais, Bob Woodruff e o cameraman Douglas Vogt estavam embedded ou ‘embutidos’ na 4ª Divisão de Infantaria do Exército dos EUA. Viajavam pelo Iraque em unidades militares americanas. Mas, no momento do ataque, eles estavam em um veículo mecanizado iraquiano – alvo preferido dos insurgentes – gravando uma matéria sobre o treinamento e as condições de trabalho dos militares iraquianos. Especialistas em segurança declararam que eles estavam fazendo algo muito perigoso e pouco recomendável.

Pelo jeito, os jornalistas americanos se tornaram as últimas vítimas da guerra do Iraque e da guerra de audiência.

O ataque pode ter sido uma ‘fatalidade’. Mas, talvez também pode ser o resultado da vontade de acertar, de mostrar serviço a qualquer custo e de mudanças estratégicas na ABC. O fantasma de Peter Jennings continua assombrando a redação da rede americana. Bob Woodruff e Elizabeth Vargas são as ‘novas’ promessas do telejornalismo da ABC. Assim como as tropas iraquianas, Bob Woodruff estava sendo ‘preparado’ pelo alto comando da rede americana para assumir grandes responsabilidades.

Em tempos de crise, os novos âncoras da ABC precisam provar ao público e aos patrocinadores que são dignos do privilégio de apresentar o melhor telejornal americano. Agora, mais do que nunca, exige-se que os âncoras saiam do conforto do estúdio e corram atrás da notícia. O problema é que as boas notícias estão cada vez mais em lugares considerados muito perigosos. Os custos e os riscos dessa guerra de audiência são enormes.

Correspondentes pára-quedistas

Após cobrirem as eleições na Palestina, o âncora Bob Woodruff e o cinegrafista Doug Vogt estavam de ‘passagem’ no Iraque. Hoje, os novos correspondentes de TV, por motivos de economia ou por questões de segurança, fazem regularmente essas ‘viagens relâmpagos’ a lugares perigosíssimos como Bagdá no Iraque ou Kabul no Afeganistão. É cada dia mais difícil e caro manter correspondentes internacionais em lugares considerados ‘quentes’. Essa cobertura internacional com jornalistas ‘pára-quedistas’ pode ser bem mais em conta para as empresas. Mas tende a comprometer a qualidade do conteúdo e põe em risco a vida de tantas colegas.

Há alguns dias, foi seqüestrada uma jovem jornalista americana, Jill Carroll freelancer do Christian Science Monitor. Na ocasião, os seqüestradores exigiam a libertação de todas as mulheres iraquianas presas pelos americanos. Concederam um prazo de 72 horas que já se esgotou e até agora ninguém sabe o que aconteceu com a jornalista.

O cinegrafista da TV sunita, Mahmoud Za’al, da TV Bagdah, também foi morto pelas tropas americanas nesta mesma semana.

Apesar das tentativas dos americanos de convencer o mundo de que estão ganhando a guerra no Iraque, mais do que nunca é evidente que não há as mínimas condições de segurança no país.

Valeu a pena?

Essas últimas fatalidades, e principalmente o ataque à equipe da ABC podem significar um sério revés para o governo do presidente Bush. A opinião pública americana está cada vez mais insatisfeita com o número de mortos no Iraque e com o custo financeiro da aventura no Iraque. A imprensa americana e os patrocinadores dos telejornais começam a perceber as mudanças. Assim como na guerra do Vietnã, podemos estar diante de uma grande reviravolta.

Em outros tempos, Walter Cronkite, o velho âncora da CBS, após visitar o Vietnã e constatar o caos que se encontrava o país, anunciou para mundo que os americanos tinham cometido um grande erro e que estavam perdendo a guerra. O que aconteceu nos meses seguintes hoje é historia. Ao constatar a perda do apoio de um jornalista, o ‘homem que o público americano mais confiava’, o presidente Johnson renunciaria a candidatura à reeleição e alguns anos mais tarde o governo americano acabaria se retirando do Sudeste Asiático. O bom jornalismo prevaleceu.

A História jamais se repete. Mas, podemos aprender lições importantes com o passado. De alguma forma, temos que justificar a morte de tantos colegas. Em seu último relatório, a organização Repórteres Sem Fronteira anunciou a morte de 79 jornalistas somente no Iraque desde a invasão americana em março de 2003. Desses, 43 eram iraquianos.

Fica no ar a questão: valeu a pena?

Notícia de última hora

Pelo jeito, a bruxa também anda solta para o lado dos brasileiros. Segundo as agências internacionais, o carioca Felipe Carvalho Barbosa de 21 anos que servia no Corpo de Fuzileiro Navais dos EUA morreu neste sábado no Iraque depois que o caminhão que o transportava capotou. O incidente está sendo investigado pelos americanos. Pode ter sido um acidente. Mas também pode ter sido mais um ataque dos militantes iraquianos.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

Título arretado, 2/2/06

‘O considerado Alberto Bertrand, de Curitiba, navegava pelo site da Gazeta do Povo, jornal que está sempre em concerto com seus leitores, quando deparou com este título deveras espetacular, todavia pouco original diante do que a imprensa já fez com Pedro Álvares Cabral:

Se estivesse vivo Mozart faria 250 anos este mês

Bertrand, que cultiva aquele humor à Bouvard e Pécuchet (leiam Flaubert!!!), anexou à mensagem uma frase de gentil senhorinha de sua intimidade:

Só falta sair assim a matéria de Natal: ‘Se estivesse vivo Jesus Cristo faria 2006 anos’.

Para Janistraquis, que acredita na Santíssima Trindade e no presidente Lula, não necessariamente nesta ordem, o título sobre Jesus estaria perfeito:

‘Considerado, somente os ímpios de coração não crêem nos poderes do Filho!’, clamou o cínico, abraçado a uma esfarrapada bandeira do Vasco…

Macabro encontro

Deu na muito apreciada coluna do considerado Ancelmo Gois:

Cine memória

Uma banca na feirinha dos sábados na Praça XV, no Rio, está oferecendo uma coleção de 50 fotografias de Harry Stone, o todo-poderoso representante do cinema americano no Brasil que promovia badaladas sessões de filmes nos anos 80 e 90 no Rio.

Numa das fotos, Stone, já falecido, aparece ao lado de Ronald Reagan.

Janistraquis achou incrível, fantástico, extraordinário:

‘Considerado, quer dizer que o Reagan tirou foto ao lado do cadáver?!?!?!’

Ignoro detalhes dessa história, mas deve ter realmente ocorrido porque senão Ancelmo teria escrito no primeiro parágrafo: ‘…Harry Stone, o falecido todo-poderoso…’, etc. e tal. Porém, como o ‘falecido’ só aparece no segundo parágrafo, era intenção do colunista divulgar o macabro encontro.

Novos tempos

Depois de longa temporada na Inglaterra, onde ministrou um curso de paleontologia na Universidade de Cambridge, o considerado Cleber Bernuci, diretor de nossa sucursal do interior paulista, reassumiu o posto e, lá de Americana, despachou ‘a primeira de 2006’:

Eis que eu fuçava pelo portal IG quando quedei os olhos sobre deveras chamativa manchete: Cadela salva bebê recém-nascido ao desenterrá-lo de buraco. Li a matéria que despencava título abaixo; li novamente; reli e reli e então percebi que não há menção alguma ao sexo do bebê que a cadela (esta sim, com sexo, nome, endereço, CPF e carteirinha de sindicato) desenterrou. Como pode?!?!?!

Janistraquis examinou o assunto com aquela isenção que caracteriza os julgamentos do presidente do STF, Nélson Jobim, e concluiu:

‘Acontece, considerado, que não é politicamente correto manifestar interesse pelo sexo dos bebês; afinal, homem e mulher são iguais perante a lei e o jornalismo moderno, embora a notícia venha da província de Chiriqui, oeste do Panamá, fronteira com a Costa Rica, onde imaginávamos que ainda deveria haver algum resquício do velho machismo latino…’

Carne dá câncer?

Pavorosa matéria do Globo Online, creditada às ‘agências internacionais’ e hospitalizada sob o título Dieta à base de carne vermelha aumenta risco de câncer:

LONDRES – A carne vermelha produz substâncias no intestino que prejudicam o DNA e poderiam provocar câncer, segundo um novo estudo de pesquisadores do Medical Research Council, em Cambridge, publicado na revista ‘Cancer Research’.

Os pesquisadores asseguram ter encontrado um mecanismo bioquímico que poderia explicar a relação entre o câncer de intestino e o consumo de carne vermelha.

Janistraquis, que nunca acreditou em nada dessas coisas, convencido de que o pior dos males é a fome, reagiu:

‘Considerado, se isso tivesse um dedal de verdade, tigre de jardim zoológico estava mais do que ferrado!’

É verdade. Tigres e demais carnívoros, entre os quais os gaúchos que não passam sem uma boa churrascada.

(Leia no Blogstraquis a íntegra dessa besteira)

Alto risco

O considerado César Augusto de Oliveira, de Manaus, que deparou com outro Evangélio em lugar de Evangelho, desta vez no Correio Amazonense, já ameaça voltar às aulas de catecismo; porém, antes de radicalizar enviou à coluna mais uma pérola jornalística cultivada no Diário do Amazonas. Dizia a manchete do jornal:

Garota de 15 anos é suspeita na morte de amante aposentado

Oliveira deixou o queixo cair:

Pois até virou profissão, com direito a aposentadoria! Eu não sabia! Será que é melhor que ser jornalista?

Janistraquis está persuadido, como tantos outros velhos profissionais, que nada supera o jornalismo:

‘É muito melhor do que trabalhar, considerado; e amante é profissão de alto risco…’

Sina de craque

O considerado Rogério Ferraz Alencar, cearense, como anuncia o sobrenome ilustre, envia de Fortaleza este modelo de jornalismo moderno e esclarecedor que saiu na página de esportes de O Povo Online:

FIM DA NOVELA

Finalmente Gian chegou

Até que enfim o meia Gian foi apresentado como jogador do Ceará. Após quase vários dias de negociações e de se refazer de problemas familiares, somente ontem o possível camisa dez do Alvinegro pôde conhecer seu novo clube.

Janistraquis, íntimo das coisas do futebol, estranho mundo no qual quem está ‘prestigiado’ pode ir arrumando as malas, analisou a situação do craque:

‘Considerado, se após quase vários dias de negociações e de se refazer de problemas familiares, somente ontem o possível camisa dez pôde conhecer seu novo clube, acho melhor o nosso Gian botar o galho dentro e se apresentar ao Fortaleza…’

Vida mansa

Do nosso arquivo recente sai esta chamadinha do Pelé.Net na capa do UOL: Edmundo bebeu demais quando foi preso, diz IML.

Janistraquis, que não costuma freqüentar o IML, ficou na dúvida:

‘Considerado, Edmundo bebeu antes ou depois de ter sido preso?’

Respondi que, no Brasil, com a licenciosidade do sistema prisional, o elemento pode muito bem encher a cara dentro da cadeia, onde também fuma, enche a mufa de drogas, comanda o tráfico e ainda recebe a visita de mulheres.

Meu secretário pensa seriamente em cometer um crime hediondo só para poder cumprir folgadas e longas férias em Bangu I.

Gambiarra

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de onde, com o binóculo ao contrário, é possível enxergar Nélson Jobim como candidato à presidência da República pelo PMDB, pois Roldão lia o Correio Braziliense quando deparou com o seguinte textículo, pisoteado pelo título Sujos, atrasados, superlotados:

(…) O reboque do ônibus estragado, fabricado em 1993 e cheio de gambiarras, só chegou às 11h.

Roldão, homem equilibrado e bem informado, ao contrário desse sonhador presidente do STF, comentou a notícia do jornal:

O ônibus deveria estar bem iluminado, com tantas gambiarras… Gambiarra é uma extensão de fio com lâmpadas. Consertos mecânicos improvisados podem ser chamados de ‘armengues’, uma gíria não dicionarizada, ou de outro nome qualquer.

Nota dez

O considerado Ricardo Kotscho caiu da escada, fraturou umas costelas mas a cabeça continua ótima, como se verifica em sua coluna do site No Mínimo:

(…) Pensando bem, a maioria dos nossos problemas e os do país poderia ser minimizada com a utilização mais freqüente destas duas palavras tão simples quanto mágicas: bom senso. No entanto, parece que é exatamente isso o que mais tem faltado aos que gostam de apontar os dedos para cima e para os lados, sem se dar ao trabalho de, vez ou outra, se olhar no espelho para saber se está tudo bem do lado de dentro.

Errei, sim!

‘CONFUNDINDO – Com autoridade, a coluna Zózimo, de O Globo, preponderou: ‘Um lembrete aos visitantes da exposição Rodin, neófitos em artes plásticas. A tela ‘A Batalha dos Guararapes’ é de Pedro Américo e não do escultor francês’.

Janistraquis, que costuma confundir Manet com Monet, nem havia se recuperado ainda do choque quando Zózimo voltou ao assunto, no dia seguinte: ‘Para não confundir ainda mais os neófitos em artes plásticas, retifica-se: a tela ‘A Batalha dos Guararapes’, em exposição no Museu Nacional de Belas Artes, não é de autoria de Pedro Américo, mas sim de Victor Meirelles’.

Meu secretário suspirou: ‘Ainda bem, considerado; ainda bem que o colunista não confundiu Victor Meirelles com Henrique Meirelles, porque este é presidente do Banco de Boston!!!’ (junho de 1995)’



REPORTAGENS PREMIADAS
Cassio Politi

Bastidores da entrevista com matador de aluguel, 3/2/06

‘Solange Azevedo é repórter da revista Época. Vez ou outra, assina reportagens ousadas, que viram capa e faturam prêmios. Em setembro de 2003, uma matéria foi especialmente ousada. Entrevistou gente que matou e gente que mata, defendendo-se ou atacando. Um dos personagens é procurado pela polícia porque deve 100 anos de prisão à Justiça. O motivo: sua atividade é matar por encomenda.

Fazer diferente

Números da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontaram, em agosto de 2003, o Brasil como líder mundial no número absoluto de assassinatos. A pergunta que os colegas de redação de Época pautados para uma reportagem sobre o assunto era desafiadora: como abordar esse tema sem repetir tudo o que já foi publicado? A saída proposta foi levantar os motivos que levam as pessoas a matar. Inicialmente, foram traçados cinco perfis. Gente que mata por ciúme, em legítima defesa, a serviço do estado, em série ou por encomenda.

Por incrível que pareça, encontrar o assassino que age por encomenda foi uma tarefa relativamente mais simples. O que é mais pitoresco: o matador de aluguel estava foragido da Justiça na época da entrevista. Solange acionou uma fonte indispensável a quem se especializa em reportagens investigativas: um ex-presidiário. Foi ele quem ajudou a localizar o matador de aluguel. Fazer contato com alguém procurado pela polícia não poderia ser fácil. O encontro demorou a ser marcado.

Cuidados e exigências

Após duas semanas de conversas por telefone ou por intermediários, foi acertado o encontro. O local: a casa da irmã do ex-presidiário (fonte da repórter), num bairro de classe média baixa de São Paulo. Por precaução, Solange pediu ao motorista que tirasse do carro as identificações da revista. Não interessava chamar a atenção da vizinhança.

No horário marcado, encontraram-se no portão da casa e foram todos diretamente para o quintal dos fundos: repórter, fotógrafo, ex-presidiário e matador, identificado pelas iniciais P.S.L., então com 32 anos de idade. Na esquina, comparsas armados do matador de aluguel estavam de plantão.

O motorista da revista estacionou o carro ‘à paisana’ em frente à casa e pretendia esperar ali. ‘Os bandidos são neuróticos. O matador [de aluguel] exigiu que o motorista entrasse na casa. Temia que ele fosse chamar a polícia’, lembra. O motorista entrou e ficou na sala.

Tensão e confiança

Começou a entrevista. Nos primeiros instantes, nada de ele abrir o jogo. Não queria detalhar. A situação ficou tensa repentinamente. ‘Cadê o motorista?’, desesperou-se P.S.L.. Não havia ninguém na sala. Telefonou para os comparsas. O fotógrafo, apavorado, telefonou para o celular do motorista. ‘Ouvimos o telefone dele tocar do lado de fora. Ele já estava entrando na casa. Tinha ido a um boteco, a poucos metros dali, para comprar uma coxinha. Pediu desculpas e disse que estava com fome’, lembra a jornalista, com alívio.

A pausa levou a relação de confiança de volta à estaca zero. Solange é do tipo de pessoa de fala tranqüila e jeito delicado de abordar as pessoas. Beira a timidez. Esses ingredientes certamente a ajudaram a se reaproximar do entrevistado. Foi necessário gastar um bom tempo frente a frente com P.S.L. para que ele finalmente falasse dos crimes e de si mesmo. Não escondeu o lado frio, de quem mata por dinheiro. ‘O curioso foi ele mostrar um lado afetivo. Tirou da carteira a foto dos filhos e do avô. Eu não ando com a foto do meu avô na carteira. Você anda?’, brinca a jornalista.

O resultado foi um box na página 58, com a história em primeira pessoa. P.S.L. conta ter matado 13 pessoas, 12 delas por encomenda. O primeiro trabalho, em 1995, rendeu R$ 5 mil, valor pago por um traficante. A vítima: um viciado que devia R$ 200. Detalhou até uma tabela de preços, que varia de R$ 500, por um vagabundo, como ele próprio define, a R$ 100 mil, por um empresário. Mulher, criança e idosos não entram na lista. Contou ter cumprido pena e sido julgado posteriormente por mais crimes.

Na entrevista, tinha pelo menos dois motivos para não ser identificado: a própria condição de foragido e o fato de a família pensar que trabalhasse como vendedor de mercadorias paraguaias. Por isso, foi o único dos sete personagens da matéria em cuja fotografia aparecia um rosto ocultado por capuz, óculos e uma arma.

Moeda de troca?

É um desafio convencer um criminoso a conceder uma entrevista. Uma pessoa comum tende a gostar de falar de sua competência profissional. Mas o que um fugitivo ganha com isso? ‘Não existe uma moeda de troca. Meus métodos para convencer uma pessoa a dar uma entrevista não variam muito. Costumo explicar o que é a matéria. É fundamental falar a verdade. Ele [entrevistado] não pode achar que é um tipo de matéria e, quando abre a revista, vê algo totalmente diferente.’

No caso de P.S.L., explicar que o texto seria em primeira pessoa, com o relato dele, ajudou bastante. Fortaleceu uma relação de confiança. A entrevista durou duas horas e meia. ‘Você é um amor de repórter’, foi o que Solange ouviu do profissional do gatilho ao agradecer e encerrar a conversa.

Mais seis

Encontrar os outros seis personagens deu mais trabalho. Um Serial Killer e um coronel da Polícia Militar foram entrevistados por Edna Dantas, no Rio de Janeiro. A Solange, coube falar com presos que estivessem dispostos a contar suas histórias. Obteve autorização da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo para entrar em dois presídios: em Guarulhos, cidade vizinha a São Paulo, e Paraguaçu Paulista, no interior do estado.

Numa primeira visita a Guarulhos, fez a triagem das histórias mais próximas daquelas que a pauta pedia. No retorno, conseguiu autorização para entrar com o fotógrafo e ouvir as histórias. O mesmo foi feito em Paraguaçu, onde conversou com um estudante de Direito.

O mais difícil

Para encontrar alguém que tivesse matado em legítima defesa, precisou da ajuda de um delegado da Zona Leste de São Paulo. Era fundamental que no boletim de ocorrência estivesse registrada legítima defesa. Afinal, quase todo acusado de homicídio chega à delegacia alegando legítima defesa. Até assaltantes. ‘Outra dificuldade é o fato de a polícia não investigar a fundo a morte de bandidos’, complementa Solange.

O delegado indicou um comerciante que por dois anos fora policial. Uma dupla tentou assaltá-lo. Ele matou um assaltante e feriu o segundo, que conseguiu fugir. O Ministério Público não ofereceu denúncia, por se tratar de legítima defesa.

Capa

A edição 279 de Época, de 22 de setembro de 2003, foi às bancas com a palavra ‘Matadores’ destacada sobre a foto de um jovem de 23 anos atrás da grade de uma cela. A reportagem ‘Eles mataram’, com oito páginas de texto e mais oito de fotos, não abordou somente os cinco perfis inicialmente traçados. Não eram suficientes para representar os tipos mais freqüentes de brasileiros que matam. Foi necessário acrescentar mais dois: o sujeito que tira a vida dos outros por qualquer motivo e o homem do tráfico, ramo em que matar é uma ferramenta para vencer a concorrência.

Além do matador de aluguel e do comerciante que se defendeu, foram contadas as histórias de um estudante de Direito, que matou a noiva por ciúme, do coronel da Polícia Militar, que mata a serviço do Estado, e do Serial Killer, responsável pela morte de 13 meninos. ‘Essa seleção de sete grupos é bem representativa’, opina Solange. Um mês para concluir a matéria. Segundo estatísticas da OMS cerca de 3.600 pessoas foram assassinadas no Brasil naqueles 30 dias. A matéria, por si só, já é bem representativa.

Coleção

Conheci Solange Azevedo no ano passado. Ela foi convidada pelo Comunique-se a ministrar Oficinas de Jornalismo Investigativo. Ao nos visitar pela primeira vez, disse: ‘trouxe os prints de algumas das minhas reportagens’. Não era preciso: eu já sabia de sua competência. Seu nome aparece freqüentemente nas páginas da revista.

Ao passar o olho pelas reportagens empilhadas na mesa, me impressionei. Detesto tietagem, mas não pude evitar: comecei a conferir detalhes das matérias que, eu não sabia, eram de sua autoria. ‘Não foi nessa matéria que o sujeito conta que deu um tiro no outro pelo olho mágico?’, perguntei. Ela confirmou. Um detalhe macabro, mas marcante. Grandes histórias são marcantes pelos detalhes que trazem.

A reportagem ‘Eles mataram’ recebeu menção honrosa no Prêmio IBCCRIM. Em 15 de dezembro de 2005, Solange faturou o ‘Prêmio AMB de Jornalismo’, da Associação dos Magistrados Brasileiros, pela reportagem ‘De cara com o réu’, que aborda os problemas vividos por pessoas comuns convocadas para atuar como juradas em julgamentos de criminosos. Trabalhou com mais dois colegas. Não foi seu primeiro prêmio. Duvido que seja o último de sua carreira.’



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