Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Contra tudo isso que está aí

Todos os assessores de imprensa, de todos os deputados federais e de todos os senadores, de todos os deputados estaduais e de todos vereadores, utilizam o computador do ‘Poder Público’ para divulgar atividades parlamentares, relativas ao mandato, e também a agenda de campanha de seus assessorados quando em época de eleição.

Ok, às vezes, até se cercam de cuidados: usam outro endereço eletrônico, sempre acessado da mesma máquina, do mesmo computador, do mesmo DNS. Nenhum parlamentar resistiria a um rastreamento desse tipo. Mas o assessor de imprensa da senadora Heloísa Helena, a candidata que ‘não sabia de nada’, como já se aspou na repercussão, acaba de dançar, graças ao inominável.

Eu acuso todos os assessores de imprensa lotados em todos os gabinetes, com toda a minha certeza e independentemente da minha apuração, de utilizarem o telefone do ‘Poder Público’ para falar com o comitê de campanha do candidato. Ou para ligar para a imprensa para tratar de assunto estranho à atividade parlamentar: isto é, para comunicar atividades de campanha.

Mira e alvo

Eu desafio todos os assessores de imprensa e todos os repórteres e editores setoristas de política a abrirem seus sigilos para que sejam cruzadas dados sobre as chamadas telefônicas com as notícias do dia seguinte. Se houver uma ligação na segunda-feira com notícia de campanha eleitoral publicada na terça-feira, bingo: caiu na arapuca ética que eu acabei de montar. O Correio Braziliense abriu o precedente? Pois eu quero derrubar todo mundo, por que não?

Todos os jornalistas de todas as redações sabem do que estou falando. Eu acuso todas as redações de fingirem-se mortas na cobertura de todas as eleições, de todos os tempos. A denúncia do Correio Braziliense se faz de ética, mas é hipócrita. É ofensiva à minha inteligência, porque é hediondamente seletiva: poupou PP, PTB, PL, PT, PSDB, PFL e todo o histórico de toda a sopa de letrinhas de política brasileira, para flagrar a debutante e vestal do PSOL.

A reportagem mirou na língua dura da Heloísa Helena, mas acertou o alvo de Alberto Dines. Aliás, o universo ao redor do iluminado editor do OI, decerto, é idêntico ao seu infinito particular: ele não consegue separar as obras, recusa a conciliação e assim acredita poder reabilitar o jornalismo perdido. Ele é livre para isso, mas eu não concordo com essa visão reducionista das coisas, fenajices à parte. Talvez Dines não se dê conta de que é hoje o mais forte candidato a Diogo Mainardi dos assessores de imprensa.

Todos passarão

Eu não conheço o jornalista Antônio Jacinto Filho, mas eu preciso gritar um grito surdo em sua defesa. Aliás, eu faço questão de nem saber quem ele é, pois minha manifestação é, toda ela, tese arrogante e autoritária. Li que seu apelido é Índio. Não é de hoje que se mata índio no Brasil, mas isso só vira notícia depois do genocídio. Eu quero dormir em paz com minha consciência.

Índio tem grandes chances de ser honesto, apesar de ser assessor de imprensa e apesar de ser demitido em nome da ética. Entre esse jornalista e o ‘jornalista responsável’ por pautar a matéria que o abateu (não digo o pobre do repórter que cumpriu a pauta, porque manda quem pode e obedece quem tem juízo), minha tese é muito mais pela ingênua honestidade do primeiro. Porque o segundo quis atingir a candidata, mas acertou um colega, um trabalhador, um jornalista. Faz parte daquela imprensa que mata andorinha.

Aliás, lembrei-me do Mário Quintana, que tem em 2006 um ano comemorativo (muito melhor e mais limpo que as eleições de outubro) e anda espalhado pelos quatro cantos de Porto Alegre, onde resido. É o melhor que posso oferecer a esse índio-jornalista brasileiro: todos esses que aí estão atravancando o teu caminho, eles passarão, você passarinho.

O mesmo repórter

A imprensa sempre cobriu, razoavelmente bem, os abusos do Executivo, que têm a máquina na mão. Denunciar o uso da estrutura dos gabinetes, como gráfica para rodar panfleto ou materialzinho com foto do candidato, é pauta digna. Mas a tribuna é um lugar que projeta o candidato, dá-lhe óbvia vantagem sobre os demais concorrentes. Nesse sentido, os assessores de gabinete, todos eles, de um modo ou de outro, envolvem-se em atividades de campanha, a não ser que sofram de transtornos de dupla personalidade.

Repito o desafio e, se a imprensa quiser, pauta: em valores corrigidos, quanto é a conta de telefone dos diversos legislativos (e dos executivos) num período pré-eleitoral e num ano sem eleição? A imprensa está surtada com a crise ética, caça bruxas e também suga sangue bom. Todas as redações sabem que os assessores de gabinete são referência para muitas investidas da imprensa que precisa cobrir a campanha eleitoral e também a agenda parlamentar.

Muitas vezes, o repórter que faz isso, aliás, é o mesmo. Ou seja, o repórter setorista do Congresso Nacional pode, perfeitamente, fazer matéria sobre uma sessão da CPI das Sanguessugas e, no mesmo dia, ir até o gabinete de Heloísa Helena para saber qual é a da candidata numa terça-feira qualquer (sendo que, no dia seguinte, a primeira notícia será de ordem parlamentar e a segunda será relativa à campanha eleitoral). Ou seja, na hora em que servem à imprensa, movida a dinheiro privado, os assessores de gabinete remunerados com dinheiro público servem. Eu, hein! Eu sou contra essa ética e tudo isso que está aí.

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Jornalista e assessor de imprensa em Porto Alegre