Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Crise de segurança expõe futilidade da imprensa paulista

São Paulo vive uma das piores crises de segurança pública de sua história. Isso é fato. Os ataques do PCC mataram dezenas de agentes da lei. A reação genocida da polícia paulista acrescentou centenas de corpos à conta sangrenta da crise. Não esqueçamos que a matança na periferia continua. Nunca parou. A violência policial contra os pobres é uma tradição histórica profundamente arraigada na sociedade brasileira, em todos os estados. Lembro-me de que após a chacina da Baixada Fluminense, há dois anos, em que mais de 30 inocentes foram mortos por policiais (sempre eles!), vieram à tona gráficos e estudos mostrando que, normalmente, sem alardes na imprensa, um número ainda maior de pessoas era assassinado, cada mês, no Grande Rio. Aposto que em São Paulo é a mesma coisa.

Enfim, diante de tal descalabro, o que vemos na imprensa? Os jornalistas da Folha de S.Paulo procuram apenas destrinchar o lado eleitoral da crise. Se Lula não oferece ajuda ou dinheiro, ele é omisso, não faz nada. Se oferece dinheiro e ajuda do Exército, é oportunista. Se o governo paulista aceita ajuda do Exército, beneficia Lula. Se não, beneficia também.

O que vemos, na verdade, é uma tentativa desesperada da imprensa paulista de blindar o PSDB, principal responsável pela crise de segurança no estado. Desde o primeiro ataque do PCC foi assim. O repasse de verbas federais a SP vem sendo usado de maneira ridícula, visto que não estamos falando de um estado pobre, que necessita de recursos federais. Não, falamos do estado mais rico do país, governado há 12 anos por um partido com fortes ligações com as elites brasileiras. Ou seja, qualquer plano de segurança poderia contar com verbas abundantes tanto do setor público como do setor privado.

Sem debate

Isso sem contar que o PSDB governou o país por oito anos, o que também é sistematicamente esquecido. Muito bonito agora querer jogar a conta da crise de segurança pública nas costas de Lula! Esqueceram o aumento no desemprego, a recessão, a falta de perspectivas, a ausência de programas sociais que caracterizaram o governo FHC.

Claro, a direita brasileira, uma das mais burras do mundo, vem com aquele discurso de que pobreza não tem nada a ver com criminalidade ou violência. Que o sujeito pobre não vai roubar porque tem moral pessoal… Ora, isso é de uma hipocrisia e estupidez sem limites. Evidentemente que algumas famílias conseguem transmitir valores aos filhos. Mas a maioria não consegue, por vários motivos. Os pais têm pouco contato com os filhos porque não têm dinheiro para bancar viagens à casa de praia, para cinema, pizzas, brinquedos, DVDs, computador com internet e todos esses artifícios financeiros tão importantes usados para ‘conquistar’ a atenção da garotada. A atmosfera da periferia é hostil, agressiva, estimulando comportamentos anti-sociais. Como alguém pode falar de moral pessoal a uma família destruída pela miséria? A miséria é o pior destruidor de lares e famílias, além de humilhar o ser humano. Nesse ambiente de humilhação e desencanto surge o crime, com seu poder de sedução e liberdade. Essa é a explicação mais lógica.

Naturalmente, um tema tão espinhoso merece ser estudado a fundo. Então que se estude a fundo. O governo de SP deveria aplicar verba em estudos avançados sobre violência e segurança pública, fazer parcerias com universidades, empresas e instituições internacionais. Isso com a máxima urgência. É incrível como, depois de tantos ataques, a imprensa paulista não decidiu contratar ou formar jornalistas especializados em segurança pública e não criou seção constante de debate sobre o tema no jornal e nos sites.

À mercê de futricas

A crise de violência atinge a todos, esquerda, direita, PSDB, PT. Os monstros produzidos pela sociedade (ou produzidos por si mesmos, não importa) estão matando pessoas diariamente. Assaltando, seqüestrando, assassinando.

Não falei sobre a política penitenciária, que deve também ser objeto de profundo debate. A imprensa pode ajudar trazendo soluções de outros países, para avaliarmos que experiências combinariam melhor com nossa realidade. Mesmo que seja para ver que nenhuma delas nos serve. De cara, acho que o tamanho de nossa população carcerária justifica a criação imediata de prisões industriais e agrícolas e a instituição da poupança individual para cada preso, de forma a incentivá-lo a trabalhar e para que os presos pobres e com intenções honestas de reintegração possam voltar à sociedade com alguma coisa com que recomeçar suas vidas. Além de ajudarem, honestamente, no sustento da casa.

O papel da imprensa como indutora dos debates é essencial. Enquanto a mídia ficar à mercê de futricas partidárias e políticas estará apenas servindo à manutenção do status quo, ou seja, nada. Não importa saber quem será ou não beneficiado com aquela ou esta medida, mas o que servirá melhor aos interesses de São Paulo e do Brasil.

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Jornalista e escritor, Rio de Janeiro