Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Deputado dá resposta racista na TV

A Constituição Federal de 1988 consolidou e padronizou uma série da valores e comportamentos a fim de prezar pela convivência pacífica na sociedade, tanto no âmbito do direito interno, desenvolvendo-se na própria formação brasileira, quanto no externo, que refere-se aos direitos humanos básicos de alcance global. Em particular, no que tange ao racismo, a Carta Magna preconizou o ‘repúdio ao racismo’ como um dos princípios norteadores sobre o qual a República Federativa, em suas relações internacionais, deve ter seus lastros. Em outra parte, categorizou o racismo como ‘crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão’, de três a oito anos, parte regulamentada pela lei 7.716/89. Ainda tem-se a esperança de ver tais punições previstas para esse tipo de crime aplicadas independente de categoria social, seja um civil trabalhador, parlamentar, juiz, pobre, rico, qualquer quer seja a classe e status social

Em recente episódio protagonizado pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), uma declaração de caráter racista foi proferida em resposta a uma pergunta feita pela artista Preta Gil, no programa CQC, que gerou ânimos revoltosos nos mais diversos ambientes, tanto no próprio Congresso, quanto nos diversos meios de comunicação, tais como blogs, sites, redes sociais e outros. Portanto, espera-se um final digno e feliz, no qual o deputado receberá as devidas punições por um crime gravíssimo contra a ordem jurídica não só constitucional, mas também de direitos humanos… talvez em um futuro não tão próximo. É bonito e aparentemente fácil, quando se lê os dispositivos constitucionais, mas pela trajetória política brasileira não se recomenda esperar por um final feliz.

Brecha poderá isentar deputado

Ainda na Constituição, existe uma prerrogativa que privilegia os parlamentares por suas palavras, não acarretando as punições que normalmente poderiam ser aplicadas no âmbito da sociedade, ou seja, ao cidadão comum. Fala-se aqui da tão polêmica imunidade parlamentar, em termos mais técnicos e específicos inviolabilidade parlamentar, que se expressa claramente nos seguintes termos da Constituição: ‘Art. 53. Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.’

Se não bastasse isso, o nosso Supremo Tribunal Federal, sem concretas aplicabilidades e ponderações quanto à ética e à moralidade, já havia sinalizado positivamente em prol dessa vantagem nos seguintes dizeres:

‘[…]a inviolabilidade alcança toda manifestação do congressista onde se possa identificar um laço de implicação recíproca entre o ato praticado, ainda que fora do estrito exercício do mandato, e a qualidade de mandatário político do agente (RE 210917/1998 e AI 493632/2007).’

Eis aqui a grande brecha, ou melhor, fenda, que legalmente poderá isentar o referido deputado Bolsonaro de qualquer conduta criminosa. E não vai ser surpresa se isso ocorrer.

O que esperar?

Vale lembrar outras situações em que membros do alto escalão se mantiveram intocáveis frente a situações de flagrante infração, como é o caso do ministro do STJ Ari Pargendler, o qual foi autor de uma humilhação pública contra um rapaz, coincidentemente negro, em uma fila de caixa eletrônico, por encontrar-se próximo do ministro em uma fila de espera. Para completar a tríade dos poderes, no âmbito do executivo estadual, lembra-se o caso do Gilberto Kassab, que expulsou aos gritos e empurrões um manifestante que que se queixava do prefeito em sua visita a um posto de saúde.

São vários casos que, até pela numerosidade, findam por acomodar a população, causando-lhe, comumente, uma revolta interna, individual, que se expanda no máximo a conversas de amigos. Faz lembrar aqui o que descreve Sérgio Buarque de Holanda, em seu texto O Homem Cordial, que fala de algo que poderia se assemelhar a uma inércia conveniente da sociedade. A conveniência geralmente é o que está mais próximo e mais fácil.

Então, em casos como esse de Jair Bolsonaro, o que esperar? O pior? Talvez. Pelo que torcer? Pelo melhor, obviamente. E o que esperar? Aqui já vai do otimismo e pessimismo de cada um. Mas a dica é que, em uma perspectiva de participação social e de dever cívico, nem sempre o esperado deve ser o aceitado.

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Bacharel em Direito e especializando em Gestão Pública, Natal, RN