Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Deselegância, sim. Machismo também

A imprensa perdeu, semana retrasada, uma ótima oportunidade de discutir até que ponto o preconceito contra as mulheres é coisa do passado. É verdade que os eleitores escolheram uma mulher para presidente e, segundo as pesquisas, estão aprovando seu mandato. Mas será que isso vale também para outro tipo de eleitor, os políticos que disputam espaço com a presidente e suas escolhidas para os ministérios mais significativos?

A demissão do ministro Nelson Jobim – depois da deselegância com que falou das colegas ministras – pelo menos das que ocupam ministérios mais importantes – seria um excelente motivo para aprofundar a discussão sobre o papel das mulheres na política. A verdade é que, mesmo com uma mulher na presidência, a representação feminina no Congresso ainda é muito pequena – 14% de senadoras e menos de 10% dos deputados federais.

Em entrevista à revista piauí, enquanto comentava a discussão da liberação de documentos sigilosos do Estado, o ex-ministro disse,referindo-se à ministra das Relações Institucionais e à da Casa Civil: “É muita trapalhada, a Ideli é muito fraquinha e Gleisi nem sequer conhece Brasília”. A repercussão da fala do ex-ministro foi pequena até no Congresso. Enquanto as atingidas preferiram ignorar o assunto, o senador José Sarney perdeu uma ótima chance de ficar calado, ao dizer que “a Ideli não é fraquinha, até que é bem fortinha”. Resposta da ministra: “Não sou fortinha, sou gordinha.” Além de Sarney, o outro comentário que ganhou espaço na imprensa foi o do marido da ministra Gleisi, o também ministro Paulo Bernardo, que, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, disse que não ia cometer o erro do Jobim e falar de outros ministros, mas não resistiu e disse: “Talvez como um gaúcho empedernido do interior ele tenha arraigada a insatisfação de ser comandado por mulheres.” Segundo a matéria, o ministro do Planejamento preferiu encerrar a conversa reconhecendo que havia exagerado.

Uma “estocada no ex-ministro”

Esse foi o único comentário – retirado, segundo o jornal – que mencionou o machismo como motivo do comentário infeliz do ex-ministro. E o que poderia ter sido um bom debate sobre o papel da mulher acabou virando mais um folclore que, pelo menos, resultou na demissão do ministro Jobim. Talvez, mais do que por ter falado mal das então colegas de ministério, por ter dito, em outra entrevista, que nas últimas eleições tinha votado no competidor de Dilma. Se Lula fosse o presidente e ele tivesse votado no opositor, seria franco o suficiente para dizer em público que tinha votado no opositor do governo do qual faz parte? Ou confessar o voto contra Dilma e falar mal das ministras foi apenas uma forma de dizer que não se conformava em ter um papel secundário no governo, principalmente porque duas mulheres, colegas de ministério, ganharam pastas de maior projeção do que a que ele ocupava?

Ao dar posse ao sucessor de Jobim no Ministério da Defesa, a presidente fez um longo discurso destacando as qualidades do novo ministro, o que, segundo a comentarista de política da Globo News Cristiana Lobo, foi uma “estocada no ex-ministro”, quando disse que Amorim, um diplomata de carreira, sabe trabalhar em equipe. Parecia estar dando um recado não apenas ao ex-ministro, mas a todos os políticos, avisando que ela é a chefe e que suas escolhas devem ser respeitadas.

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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]