Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Desgosto, orgulho, desgosto

Nesse momento de dor, desânimo e desgosto, em que aparente e muito provavelmente alguém que se diz do meu partido, ensandecido e totalmente cegado pela ambição do poder ou por uma noção distorcida e demente de ‘missão’, aceitou pagar quase 2 milhões de reais em uma operação suja de acusação contra o atual líder das pesquisas de intenção de voto para o governo do estado, encontro consolo no comportamento admiravelmente republicano da Polícia Federal.


‘Não faz mais do que a obrigação’, dirão alguns com escárnio. Nesse país em que se faz tão menos que a obrigação, é admirável, sim, que a PF tenha tanta eficiência e discrição na condução de seus trabalhos de investigação, e presteza e independência na apresentação de resultados.


A revelação, por parte de um órgão ligado ao governo do PT, da participação no crime por parte de no mínimo duas pessoas ligadas ao partido, neste momento crucial do processo eleitoral, é algo sem paralelo na história do Brasil. E, arrisco dizer, raro até em outros lugares do mundo. Ainda há esperança – palavra de que não gosto… – de que este país atinja um patamar mínimo de civilização, quem sabe, antes do fim do século 21.


Leio agora, na Folha de S.Paulo, que Tasso Jereissati acusa Marcio Thomas Bastos e a PF de tentarem abafar o caso. Abafar o caso, meu Deus! Conduziram a investigação até o ponto de prender duas pessoas em um hotel em São Paulo, no MESMO DIA em que a entrevista à IstoÉ foi publicada, desmantelando imediatamente a credibilidade da matéria ‘jornalística’! Com má-intenção, a PF poderia ter:


1. no cúmulo da desonestidade, abandonado a investigação quando viu que os envolvidos eram filiados ao PT;


2. mantido os dois sob vigilância por mais tempo, sem prendê-los imediatamente – a pretexto de segui-los para colher mais provas, por exemplo. Enquanto isso, o estrago eleitoral já poderia ter atingido o objetivo dos meliantes).


Comportamento sórdido da mídia


Mas outra observação deprimente se faz necessária: sobre o comportamento irresponsável, leviano, sórdido da mídia. Aqui e ali, neste momento ou em outro, alguém é acusado com estardalhaço e passará a vida sob a suspeita presunçosa e arrogante daqueles que dizem que ‘onde há fumaça, há fogo’; aqueles que se comprazem com veneno e maledicência; que esfregam as mãos ante uma ‘denúncia’ e se divertem com o incêndio no circo.


Quantas vezes, como observou o Lula, alguém do PT foi vítima desse tipo de manchete e nunca mais foi visto com os mesmos olhos – enquanto os jornalistas e os veículos continuam com prestígio e poder.


O jornalismo hoje despreza, esnoba ou ignora dois comportamentos básicos: o outro lado e a verificação dos fatos. Publica-se o que alguém disse, simplesmente porque disse. Basta dizer. O que é verificado? No máximo, se a pessoa disse mesmo, e olhe lá: quantas notícias hoje são na base do ‘teria dito’, ‘teriam ouvido’?


Guardadas as proporções, a entrevista de Roberto Jefferson à Folha, motivada, sabe-se, pelo fato dele se sentir abandonado pelo governo, que não teria se empenhado o suficiente para impedir uma CPI que investigasse os desmandos de seus apaniguados nos Correios, ganhou ares de documento, de verdade absoluta, de fato real e comprovado. Incorporou-se uma palavra ao noticiário e ao dicionário a partir daquela verborragia histriônica.


A partir da entrevista, revelaram-se crimes diversos, como negar? Como contemporizar? Não se trata de dizer que era tudo mentira. Mas a novela que escreveu, fantasiosa e rocambolesca, com o objetivo maior de destruir seu inimigo número 1, José Dirceu, entrou para os anais da República como uma perfeita peça de denúncia.


‘Bob’ Jefferson, como algumas pessoas o chamam, diz que recusou doações ‘por fora’ para campanha eleitoral, que recusou o mensalão que o governo insistiu em oferecer para o PTB, que não é verdade que um conhecido seu cobrasse propina em seu nome no IRB nem que um amigo pessoal fizesse o mesmo, e que se recusou a ‘traficar’ influência nos Correios. Um homem santo, em suma! Alguém interessado na lisura do Congresso, na honestidade das relações entre Executivo e Legislativo. Se, em vez de dar uma entrevista, publicasse um anúncio, daria na mesma. Nada precisa ser apurado, confrontado; nenhum direito ao ‘contraditório’, como se diz no Direito…


A imprensa aqui é como um tribunal de exceção. Acusa quem quiser como quiser. Um horror. (Sim, é uma generalização com as injustiças inevitáveis). E, tirando os políticos, quase ninguém discute em público, abertamente, a honestidade da imprensa. Como os políticos são as partes mais visivelmente interessadas, já que vivem na berlinda, suas críticas, muitas vezes justíssimas, não têm credibilidade…


E a imprensa quase não discute a própria imprensa, vai saber por que. Julga a tudo e a todos, mas guarda um respeito corporativo esquisito… Veja o caso agora da suspeita contra a IstoÉ.

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Jornalista, vereadora do PT-SP