Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Direitos de transmissão em jogo





Com novo cenário e novas atrações, o Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (15/3) pela TV Brasil discutiu o poder do Clube dos 13 e a questão dos direitos de transmissão dos jogos de futebol. Recentemente, 11 agremiações manifestaram a intenção de negociar individualmente com os canais de televisão: Botafogo, Corinthians, Coritiba, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, Palmeiras, Santos e Vasco da Gama. O presidente da instituição, Fábio Koff, admitiu que a dissidência enfraquece o poder de negociação da associação – que

comanda a comercialização há mais de vinte anos – com as emissoras. Para os torcedores, esta pode ser uma oportunidade para que as partidas sejam disputadas em horários mais flexíveis.

Na sexta-feira (11/3), o Clube dos 13 realizou uma licitação para a venda da exibição dos jogos do Campeonato Brasileiro em TV aberta do próximo triênio. Três horas antes da abertura dos envelopes, a Rede Record anunciou que não participaria e alegou ‘incerteza jurídica’. A TV Globo já havia deixado claro que negociaria direto com os clubes, enquanto o SBT e a Bandeirantes sequer enviaram propostas. A Rede TV! foi a grande vencedora, com uma proposta de R$ 516 milhões por temporada, 16 milhões a mais do que o mínimo exigido e o dobro do que é pago atualmente. A emissora tem que arcar com 20% do valor total do acordo imediatamente e, em 30 dias, apresentar garantias financeiras do negócio. Mas, com o inédito racha, não se sabe se a licitação terá valor legal, já que todos os 20 clubes deveriam assinar o contrato.


A polêmica em torno da transmissão existe há 13 anos, desde que a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça abriu um processo para investigar as negociações entre o Clube dos 13 e a TV Globo. Em outubro do ano passado, antes do julgamento do caso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão federal que trata da concorrência, firmou um Termo de Ajuste de Conduta com a associação e a TV Globo estabelecendo o fim da cláusula de preferência que beneficiava a emissora nas negociações e determinou a realização de concorrência para a venda dos direitos com propostas fechadas dos interessados.


Regulação essencial


Para discutir este tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro os jornalistas Juca Kfouri e Márcio Guedes. Kfouri escreve para o caderno ‘Esporte’ da Folha de S.Paulo, participa do programa Linha de Passe e apresenta o Juca Entrevista na ESPN. Também trabalha na Rádio CBN. Márcio Guedes é comentarista da ESPN Brasil e da TV Brasil e colunista do jornal O Dia. Em São Paulo, o programa contou com a participação de Paulo Vinicius Coelho, comentarista do canal ESPN Brasil e colunista da Folha de S. Paulo. Gilvandro Araújo, procurador geral do Cade, participou por Brasília.


Em editorial, Dines comentou que as ‘poderosas’ emissoras Globo e Record estão negociando individualmente com os times de maior torcida. ‘Isso significa que dificilmente será alterada a atual situação em que os jogos de futebol têm que se adaptar às grades de programação de cada rede, o que nos leva ao absurdo horário de jogos que começam às 10 da noite nos dias de semana e seis e meia da noite aos domingos’, alertou. Dines destacou a inédita atuação do Cade nesta questão: ‘Na regulação da concorrência está a chave para resolver não apenas esse, mas uma série de outros impasses que atrasam nosso desenvolvimento. Uma das regulações que fazem falta é da própria mídia’, disse o jornalista.


O Observatório exibiu uma reportagem sobre a celeuma em torno da transmissão dos jogos. Maurício Assumpção, presidente do Botafogo, explicou que, para o clube, a negociação em particular seria muito mais vantajosa do que como integrante do Clube dos 13. O modelo adotado atualmente pela associação engessa as cotas televisivas e faz com que a agremiação fique ‘amarrada’. A economista Elena Landau destacou dois pontos em que houve uma importante quebra de paradigma no futebol brasileiro: o racha no Clube dos 13 e a discussão dos direitos de transmissão ter deixado o âmbito dos tribunais esportivos para ser avaliada pelo Cade.


Quem paga a conta?


Para a economista, o horário das partidas precisa ser revisto. ‘Certamente, com o horário em que hoje os jogos são transmitidos, não tem como encher os estádios de futebol. Ninguém vai levar uma criança, uma família, ao Engenhão [Estádio Olímpico João Havelange] às nove e quarenta da noite nem no domingo às seis e meia. O problema principal hoje em dia é que o horário dos jogos é determinado pela grade da televisão, o horário da novela, dos programas de domingo, quando não deveria ser assim’, criticou a economista. Elena Landau ponderou que não é apenas o horário das partidas que deixa os estádios vazios. É também a falta de segurança no entorno dos estádios, tarefa a cargo do poder público.


Ronaldo Helal, sociólogo do Esporte, avaliou que esta disputa toca em um paradoxo brasileiro, pois os clubes são associações sem fins lucrativos que, na prática, administram altas somas de dinheiro e não conseguem sobreviver apenas com a venda de ingressos. Na opinião de Roberto Galbraith, da revista Meio e Mensagem, os clubes estão tentando se capitalizar para a Copa do Mundo, que será realizada no Brasil em 2014, pensando na valorização do futebol nacional. ‘Eles estão querendo um aumento substancial nos diretos de televisão, mas de uma maneira que hoje o mercado publicitário não tem como sustentar’, advertiu o jornalista.


No debate ao vivo, Juca Kfouri destacou que a decisão do Cade de acabar com o direito de preferência que tornava a TV Globo ‘dona do futebol’ brasileiro foi essencial porque permitiu ao Clube dos 13, em tese, fazer uma concorrência verdadeira. Juca ponderou que o fato de a Rede Record poder participar do processo de licitação faz com que a concorrência seja desleal por definição: ‘Há o dinheiro da Rede Record de televisão que é um dinheiro muito mais fácil do que o dinheiro da Rede Globo, da Rede TV!, da Band, porque é o dinheiro do dízimo, da exploração da fé e da ignorância alheia’, criticou. Kfouri acredita que a negociação individual com os canais não será tão vantajosa para os clubes de torcida menos numerosa.


Direitos iguais


Gilvandro Araújo explicou que o Cade não é um órgão regulador. É uma autoridade antitruste que funciona para prevenir e reprimir as infrações contra a ordem econômica. Quando há abuso de uma posição dominante ou a potencialidade deste abuso, o Cade intervém para corrigir o problema. ‘Entendemos que era possível fazer um acordo em que se retirasse o direito de preferência da Rede Globo e que os clubes pudessem, através do Clube dos 13, negociar isso de uma forma em que todas as empresas pudessem participar e não houvesse o privilégio em relação a um dos veículos de transmissão’, explicou o procurador-geral. Também foi determinado que houvesse uma concorrência não só na TV aberta, mas nos canais a cabo, no sistema pay per view e na internet.


Para Márcio Guedes, o torcedor sai prejudicado no processo de definição da transmissão dos jogos. ‘Na Europa, por exemplo, eles [os clubes] vivem parte do marketing, parte de um carnê de comparecimento aos jogos e outra parte de televisão. Não se escravizaram como os clubes brasileiros fizeram em relação à transmissão das tevês. A dependência é total, a tal ponto que eles pegam dinheiro emprestado ao longo do ano para pagar as suas dívidas. Fica uma relação promíscua entre clube e televisão’, comentou o jornalista. Os clubes ‘se acomodam’ com o poder da televisão e não criam uma boa estrutura para que o torcedor vá ao estádio: ‘É importante que se tenha estádios cheios. Você não pode fazer um jogo de futebol com o estádio vazio e dizer ‘olha, tem um bilhão vendo esse jogo’. Para o jogador, é mais importante dez caras vaiando dos que os milhões que estão do outro lado’.


O momento de crise do futebol brasileiro é um processo tímido, mas de mudança, na avaliação de Paulo Vinícius Coelho. É fato que as agremiações se acomodaram ao poder da televisão; no entanto, times como o Internacional arrecadam mais dinheiro com a venda de ingressos do que através das transmissões de televisão e patrocínio na camisa do time, diferentemente do Flamengo. Na opinião do comentarista, o Clube dos 13 não serviu para ‘quase nada’, mas conseguiu aumentar o valor pago pela exibição das partidas. ‘Essa discussão de quem vai arrecadar mais ou arrecadar menos sempre existiu no Clube dos 13 e é natural que exista. Mas é natural que eles entendam que – especialmente no momento em que o bolo cresce por causa da concorrência que o Cade ajudou a promover – se não negociar junto, você vai deixar de ganhar o que o seu produto vale’, alertou Paulo Vinícius Coelho.


 


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Editorial do Observatório na TV nº 584 – no ar em 15/03/2011


Alberto Dines


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


A televisão está matando o futebol. Mas o futebol não sobrevive sem televisão. Este axioma resume a dramática situação em que se encontra o futebol brasileiro a pouco mais de três anos da copa do mundo.


O último ato deste drama consumou-se na sexta-feira passada quando foi anunciado o resultado da licitação organizada pelo Clube dos Treze para a transmissão do campeonato brasileiro, o Brasileirão, do próximo triênio.


E, por mais incrível que pareça, quem ganhou foi a Rede TV!. Ganhou mas não pode levar porque é certo que as duas outras competidoras, as poderosas Globo e Record, estão negociando separadamente com os principais clubes. Isso significa que dificilmente será alterada a atual situação em que os jogos de futebol têm que se adaptar às grades de programação de cada rede, o que nos leva ao absurdo horário de jogos que começam às 10 da noite nos dias de semana e 18:30 aos domingos.


Então, por que estamos construindo portentosos elefantes brancos para hospedar a copa de 2014, se o público está sendo espantado dos estádios pela televisão? Esta é a questão, mas não a única.


O dado positivo é que, pela primeira vez, entra em cena um poderoso personagem, legítimo e verdadeiro xerife, o CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão federal cuja função é regular a concorrência. E na regulação da concorrência está a chave para resolver não apenas esse mas uma série de outros impasses que atrasam nosso desenvolvimento. Uma das regulações que fazem falta é da própria mídia.


 


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Observatório de cara nova


Lilia Diniz


No novo formato do programa, correspondentes internacionais comentarão assuntos de grande repercussão nos países onde estão baseados. Da Alemanha, a jornalista Cristiane Ramalho tratou da pressão da mídia que derrubou o ministro da Defesa, Karl Theodor zu Guttenberg, após a comprovação de plágio em sua tese de doutorado. Em outra atração, o programa mostrará uma seleção de charges publicadas em jornais de todo o país. O tema desta semana foi a crise na Líbia.


O jornalista Maurício Menezes terá uma coluna fixa no programa contando casos famosos – e sempre divertidos – dos bastidores da imprensa. A historiadora Isabel Lustosa vai mostrar aos telespectadores a evolução da imprensa no Brasil. Na coluna de estréia, gravada na Praça XV, no Rio de Janeiro, onde a família real desembarcou em 1808 fugindo das invasões napoleônicas, a historiadora explicou como o absolutismo português impediu a circulação de idéias e a impressão de jornais no Brasil colonial.


Na coluna A Mídia na Semana, Dines criticou o silêncio da imprensa sobre a escolha dos temas das escolas campeãs no Rio de Janeiro e em São Paulo: a biografia de pessoas vivas. Para Dines, a atitude é ‘puxa-saquismo’ e mina a originalidade dos desfiles de carnaval. Em seguida, criticou a cobertura da mídia sobre o aumento do número de mortos das estradas durante o carnaval de 2011 em comparação com o ano anterior. O último assunto da seção foi a avalanche de notícias internacionais que invadiu as redações com a crise na Líbia e o caos instalado no Japão após os terremotos da semama passada. ‘O que é mais importante? Tudo é importante. O jornalismo do século XXI produzido pelo mundo globalizado para leitores globalizados não pode ser prisioneiro das antigas ‘escolhas de Sofia’ em que só cabia um assunto relevante’, sublinhou Dines.