Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Dunga entre vírgulas

Em entrevista coletiva (19/06/2010), o treinador da seleção brasileira, Dunga, disse ‘entre vírgulas’, parapraxia inferindo ‘entre aspas’, que a seleção da Costa do Marfim, assim como todas as demais seleções, hoje em dia jogam muito preocupadas com os espaços para o adversário. Ninguém quer dar espaço. Ou todos os times têm que procurar os seus espaços. E foi além. Disse que a imprensa, no afã de buscar o seu espaço também, cria fantasias e não seria ele o bombeiro de alguns jornalistas incendiários. Neste caso – completou o Dunga –, são estes jornalistas que deveriam se explicar, se desculpar com os seus leitores, sobre notícias inventadas.

Nesta mesma coletiva, Dunga respondeu a um jornalista que ‘o importante é a seleção, não o entorno. Primeiro vêm as seleções, depois o entorno. Se inverter esta ordem, acabou o futebol’. Oportuno recomendar (re)ler artigo neste mesmo Observatório da Imprensa, sobre a ética no jornalismo esportivo .

É bem provável que Dunga tenha lido ‘O vento das transformações‘ de Alberto Dines, seu comentário para o programa radiofônico do OI, 18/6/2010: ‘A Suíça não é a única `zebra´ neste Mundial sul-africano. O inesperado, o acidental, o imprevisto e o inopinado por enquanto dominam a 19ª Copa – nos gramados, nos placares, no entorno’.

Uma pesquisa de mercado

Observando sobre a web metrics (análise comportamental de usuários da internet pela tabulação de cliques), aqui mesmo no OI criei o termo ‘buscabilidade’, sobre a consolidação da importância dos motores de busca, como o Google, para o jornalismo moderno, em vários sentidos. No passo seguinte, eu deveria ter explorado a importância de uma das metodologias de otimização (de web sites e seus conteúdos) voltadas para os motores. O uso de palavras-chaves, atribuição dos analistas de SEO. O OI já está inundado de textos abordando o assunto. Mas, lá na década de 1980 e 90, a gente se referia a coisa parecida, no âmbito das pesquisas de mercado, como ‘somatório verbal’ (ver aqui).

Assim como atualmente poucos jornalistas cedem imediatamente à voracidade das novidades tecnológicas de hoje (parece que a maioria tem preguiça de aprender), naquela época não era diferente. Em 1981 escrevi para um jornal do Rio um artigo sobre a capacidade monstruosa de um chip de computador ser capaz de armazenar 16 milhões de informações num espaço do tamanho de uma unha do polegar e na velocidade/tempo de uma xícara de café caindo da mesa ao chão (os mais antigos devem lembrar de um certo comercial da IBM). O artigo lido hoje soa jurássico.

Eu utilizara o somatório verbal resultante de uma pesquisa de mercado que destacava certas palavras, de uma classe social de consumidores, com a intenção de avaliar o impacto do texto. Ora, na época, somente outra pesquisa de mercado poderia responder à minha curiosidade. Mas insisti no meu empirismo, mostrei para pessoas mais próximas e enviei por fax, a cópia do jornal, para uma dezena de pessoas desconhecidas, perguntando ‘o que você acha?’ Recebi como resposta um telefonema e um fax e das pessoas mais próximas ouvi e anotei os comentários.

Como será o jornalismo esportivo?

O que eu queria saber era se determinadas palavras seriam reproduzidas, repetidas, mencionadas acidentalmente nas respostas. Foram, todas elas. A pesquisa não me rendeu nenhum prêmio de comunicação e não servia para nada objetivamente, mas era a minha forma de pesquisa, de experimentação, sei lá, coisa de autodidata, sem um orientador de pós-doutorado à mão… Tempos mais adiante, ainda antes da internet, procurei conversar com um amigo aposentado do Correio do Povo (Porto Alegre), que foi vizinho de mesa de Mário Quintana e outros monstros sagrados, o seu Kleber Borges de Assis (in memorian), sobre a minha experiência e fui nocauteado com uma interjeição de gaúcho da antiga, indefensável. Para jornal, eu deveria me concentrar em aprender a escrever com clareza e ponto.

Voltando às aspas do Dunga, que lembram uma dupla de marfins, vírgula, naquela coletiva perguntado sobre o nivelamento técnico das seleções desta Copa de 2010 na África, comparadas com seleções de outros tempos, quando as muito melhores se destacavam substancialmente, ele respondeu o seguinte: ‘Olha, será que não são alguns jornalistas que não devem mudar o pensamento? Veja, a maioria dos jogadores da Costa do Marfim ou asiáticos, por exemplo, cresceram na Europa, jogam na Europa… Hoje em dia, temos mais informações… Pela internet, pela experiência de jogar fora… É normal que os times, as seleções, se nivelem. Depende da qualidade técnica de cada jogador fazer a diferença… superar o adversário…’

Diante dessa aula básica de fundamentos do treinador da seleção brasileira, ficam duas perguntas em aberto, entre vírgulas (seja lá o que isso signifique): será que o jornalismo esportivo não está repleto de dungas (de quando do Dunga jogava no meio de campo, duro, trombando, fraturando as jogadas), como será o jornalismo esportivo após a ‘era dunga’ de jornalistas esportivos?

******

Escritor e jornalista