Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

E Monteiro Lobato (quase) foi proibido

Tentaram proibir Monteiro Lobato! Estão sempre tentando ressuscitar a censura. Usam artifícios daqui e dali. Uma hora é o controle da mídia, outra hora é não se sabe bem que tipo de regulamentação desnecessária. O certo é que volta e meia tentam.


Desta vez prevaleceu a conhecida lei de Murphy: ‘Se há possibilidade de uma coisa dar errado, dará.’ Um sicofanta do Conselho Nacional de Educação (CNE) tentou censurar o livro Caçadas de Pedrinho, do escritor Monteiro Lobato, o verdadeiro pai da Petrobras, que esteve nos cárceres por defender que ‘o petróleo é nosso’. Felizmente, o ministro da Educação, Fernando Haddad, atendeu a apelos e vetou o veto. Nota dez para a ABL, que desta vez reagiu e apelou ao ministro.


Haddad foi cauteloso. Nem bem irrompeu a polêmica, declarou que ia ouvir opinião de acadêmicos e educadores sobre o parecer do CNE, que considerou racista o livro. Afinal, Tia Anastácia não pode ser… negra! Nem poderia também ser escrava. Daqui a pouco proíbem também O Navio Negreiro, então. E Castro Alves fará companhia a Monteiro Lobato. Só assim para a mídia ocupar-se dos escritores brasileiros.


A caçada de uma onça


Como é habitual em desgraças, essa também começou com uma ninharia. O Estado de S.Paulo de domingo (31/10) resumiu a ópera bufa:




‘A polêmica começou após Antonio Gomes da Costa Neto, servidor da Secretaria do Estado de Educação do Distrito Federal, ter encaminhando uma denúncia contra o uso do livro à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A pasta encaminhou a crítica ao conselho, que deu parecer contra o uso da obra, numa votação unânime.’


Votação unânime! Que a mídia dê os nomes de todos os que votaram a favor da censura. Onde estão e o que fazem esses inimigos da liberdade? Não tergiversemos com eles, não!


Continua o Estadão, atualmente sob censura judicial, já que é vítima habitual de tais desmandos, tendo publicado Os Lusíadas na primeira página de muitas edições, na década de 1970, para mostrar aos leitores que estava censurado:




‘Em relatório seguido de voto, a conselheira Nilma Lino Gomes concordou com as alegações encaminhadas pela denúncia. O livro, distribuído a escolas da rede no Distrito Federal e parte do programa de bibliotecas do Ministério da Educação, conta a história da caçada de uma onça por Pedrinho e a turma do Sítio do Picapau Amarelo, personagens criados por Lobato.’


Interpretações equivocadas


A censura, de novo. Ai, meu Deus, quando nos livraremos dela? Nunca, ao que parece. Acho que vou rever minha tese de doutorado, defendida na USP em 1989, e acrescentar um outro capítulo ao livro Nos Bastidores da Censura: sexualidade, literatura e repressão pós-64. Talvez seja necessário explicar que, ao proibir 508 livros naqueles anos tormentosos, a ditadura militar fazia no atacado o serviço sujo que muitos civis queriam no varejo.


Aliás, começam recolhendo livros e depois recolhem também os autores, quem é que não sabe o enredo desse manjadíssimo filme? Quando, no governo Ernesto Geisel, o ministro da Justiça, Armando Falcão, proibiu o livro Em Câmara Lenta, de Renato Tapajós, o então secretário da Segurança (?) de São Paulo, coronel Erasmo Dias, recolheu também o autor. Mas Geisel queria a distensão, enfrentava os ‘bolsões sinceros, mas radicais’ e o escritor foi solto.


Trechos da Bíblia, dos contos de fadas, trechos de tudo, fora do contexto, levam a interpretações equivocadas. Foi o que aconteceu. Mas não foi a última vez!

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Escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa); seus livros já foram premiados pelo MEC, Biblioteca Nacional e Casa de las Américas