Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

É preciso aparar as arestas

A consolidação das atividades de assessoria de imprensa e de comunicação no Brasil é inquestionável. Nos últimos anos, os maiores grupos empresariais aumentaram significativamente seus investimentos na área. Dados consolidados e públicos dão conta de que o faturamento das 10 maiores empresas de assessoria foi o melhor desde a década de 80. Em recente pesquisa da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), junto às empresas nacionais, constatou-se que a maioria investe hoje acima de R$ 10 mil por mês em projetos e ferramentas cada vez mais diversificados: dos tradicionais clippings aos softwares cada vez mais úteis dentro da complexidade do setor. Já há duas brasileiras entre as 12 maiores empresas do mundo no ramo.

Reconhecidamente, a literatura na área está incorporada aos projetos das principais editoras. Ganhou espaço também nas melhores livrarias do país. E alguns dos autores são hoje acompanhados por uma legião de leitores dos mais remotos recantos. Pelos mais de 500 cursos de Comunicação Brasil afora, os estudos científicos se multiplicam. Em algumas instituições, linhas de pesquisa em cursos de pós-graduação estão definidas e ganham a cada dia novos pesquisadores. Em outras, onde os projetos pedagógicos estão sendo estruturados ou modificados, o estimulo é pela incorporação de disciplinas na graduação. E a ousadia, com seus riscos, também está presente em situação específica, onde é praticamente realidade uma habilitação em Assessoria, somando-se às tradicionais Relações Públicas, Jornalismo e Publicidade, Radialismo, Cinema e Produção Editorial.

Apesar de perspectivas bem interessantes, ainda existem divergências por parte de alguns estudiosos do segmento de assessoria envolvendo suas origens e desenvolvimento. Também se sucedem problemas na utilização equivocada de determinadas ferramentas, que acabam superpostas por falta de conhecimento ou por procedimentos incorretos de alguns profissionais. E aqueles que atuam como assessores ainda enfrentam preconceitos tanto por parte de alguns profissionais de redação quanto de determinados dirigentes das empresas nas quais atuam. Muitas arestas ainda precisam ser aparadas no difícil exercício de conciliar as necessidades das fontes e dos veículos de comunicação. Existem também problemas relacionados à legislação brasileira que ainda não regulamentou a função de assessor e permite que as mais variadas interpretações sejam estabelecidas, acirrando os ânimos entre os profissionais e estudantes, em diversas ocasiões ao longo da história da Comunicação no país.

Comodismo

É comum na realidade observarmos as seguintes situações, registradas por autores e profissionais atuantes:

‘Jornalistas? Um bando de abutres. Só querem informações quando enfrentamos dificuldades. Nunca acreditam nos dados que fornecemos e distorcem o que ouvem. Despista esse aí, diz que estou em reunião ou viajando’…

‘Tá bom, a gente precisa de um relações-públicas para quebrar uns galhos… tem o filho daquele amigo meu lá do clube. O pai dele e o meu eram sócios. Dá um emprego para o garoto, põe e título no cartão dele. Formado para quê? Lei, que lei? Ora, invente um cargo semelhante e vamos passar a coisas mais importantes’…

‘Dá uma força naquele projeto que a empresa vai lançar na próxima semana. Pelo menos uma notinha na coluna de fulano acho que cabe. O evento é de arrasar, várias autoridades estarão presentes e a programação tem tudo que você possa imaginar’…

‘Tô mandando convites para toda a redação. Podem ir que é ‘boca livre’, mas vê se dá para publicar pelo menos algumas linhas sobre essa nova campanha promocional de roupas supermodernas. Se divulgar alguma coisa, tem uma surpresa para você’…

‘Oi, é para divulgar um cantor superlegal, que está fazendo um showzinho superlegal na Zona Sul. Dá pra fazer uma tremenda cobertura. A que horas sai o fotógrafo? Será que rende uma capa com foto colorida e um miolo no alto de uma página ímpar? Acredito na sua sensibilidade para entender que esse cara vai representar o futuro da MPB… olha lá, não vá perder esse furo de reportagem’.

Trechos de uma obra de ficção?, perguntarão alguns. Muito pelo contrário: exemplos reais que insistem em permanecer em pleno acender das luzes do século 21. E que se somam a algumas convicções: o assessor trabalha pouco e ganha muito, deve ser um veterano de redação, é um profissional que não deu certo nas redações, não é fonte, quer somente publicar ou veicular notícias boas, boicota o profissional de redação e utiliza ferramentas ultrapassadas como o release. Estereótipos, preconceitos, tabus e mitos. Combatidos, nos últimos anos. Mas, infelizmente, ainda presentes em determinados cenários. Imaginemos esta seqüência:

Cena 1: um aparelho de fax, apitando sem parar, com o mesmo texto, encaminhado para pessoas que trabalham lado a lado, na mesma redação, ou para outras que nem lá trabalham mais!

Cena 2: De repente numa pausa para o café você descobre no papo informal com o colega de outra editoria que ele recebeu a mesma mensagem em sua caixa postal, com mesmo título e texto.

Cena 3: O telefone toca uma vez na redação: você já recebeu o fax? Toca duas: Você recebeu meu e-mail?

Cena 4: um telefone que toca de 5 em 5 minutos na assessoria, e do outro lado, a mesma e insistente pergunta: ‘Como é, o ‘fulano’, vai sair a entrevista?’ ‘E aí, você já conseguiu encontrar o beltrano?’, ‘Ah, então ele não está querendo dar entrevista?’.

Cotidiano atribulado, certamente. Reflexo também de setores que se modificam e exigem cada vez mais profissionalização. Onde devem se destacar o bom relacionamento: cordial, sincero e transparente. Um assessor atuante em todas as fases do processo: preparado para sugerir pautas e conseguir ganchos e personagens, ágil nas respostas, atento a qualidade do material enviado, com pleno conhecimento do funcionamento da imprensa e do assunto divulgado, e consciente do uso adequado das novas tecnologias, deixando de lado o mero encaminhamento de informações e preocupado para que os sites não fiquem desatualizados. E um profissional de redação que se insurja contra a ditadura do relógio e não tenha medo de ser furado. Saia do comodismo, não tenha uma visão pré-estabelecida e conteste as pautas parciais e incompletas. Deixe de lado a arrogância, a intransigência e tenha o entendimento que órgãos públicos podem proporcionar bons assuntos. Atue deixando de lado o preconceito e valorize o respeito e atenção nas relações diárias com os assessores.

Conscientização

Rompendo com situações arcaicas e superando barreiras, aprimora-se o relacionamento e proporciona-se às organizações buscarem seus espaços para canalizar o fluxo crescente de informações que uma sociedade democrática exige e utiliza para se orientar em qualquer ramo de negócios.

As estruturas são cada vez mais complexas e apontam para uma perspectiva multidisciplinar, com convergência de olhares e competências. Ao mesmo tempo reconhecem a preservação de identidades distintas. Onde cada uma das áreas que compõem a estrutura de comunicação das empresas, bem como as redações, reúnem suas respectivas atribuições e responsabilidades. Administradas adequadamente evitam serviços improdutivos e desrespeito ético e técnico.

E podem contribuir para que o empresariado, as autoridades governamentais, e os futuros formadores nas universidades se conscientizem e valorizem permanentemente a comunicação em seus empreendimentos.

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Doutor em Comunicação pela UFRJ e professor da Ufal, organizador e autor do livro Jornalismo e relações públicas: ação e reação, editora Mauad-RJ, em fase de lançamento