Em artigo publicado neste Observatório com o sugestivo título “Mexam-se, boicotem a Fox“, depois de afirmar que “o estrago que a Fox News está fazendo no mundo a partir dos EUA é muito mais grave do que o esgoto político-midiático produzido pela News Corp. no Reino Unido”, Alberto Dines recomenda ao cidadão e aos jornalistas o boicote do grupo comandado por Rupert Murdoch.
Dines pergunta: “E o que fazer?” Eele mesmo responde:
“Malhar Murdoch no Sábado de Aleluia de 2012? Melhor boicotar a Fox News. Agora. Ela está no menu oferecido aos assinantes brasileiros de TV por assinatura. O boicote é uma ação de autodefesa legítima. O cidadão tem o direito de escolher o serviço que melhor lhe convém. (…) Jornalistas não podem ser apáticos nem omissos: boicotar a Fox e o seu odioso canal de notícias é um desagravo aos mortos em Oslo e aos que serão desempregados nos próximos meses nos quatro cantos do mundo.”
Como boicotar a Fox?
Todavia, salvo para a ação específica de jornalistas especializados – será que ela é mesmo possível? – o cumprimento da autodefesa sugerida por Dines, por parte dos cidadãos, esbarra numa série de obstáculos práticos de difícil solução.
Os poucos que têm o privilégio de “ir ao cinema” no Brasil – são apenas 2.206 salas de exibição, concentradas nos shoppings das grandes regiões metropolitanas – não sabem previamente qual conglomerado de entretenimento (são pouquíssimos) produziu o filme a que se vai assistir. Por óbvio, não temos o hábito de perguntar “quem produziu este filme?” antes de entrar no cinema.
Já em relação à TV por assinatura as condições para boicote são ainda mais complicadas.
Quase 70% do mercado – que já atinge mais de 10 milhões de assinantes – está concentrado em apenas duas empresas, ambas vinculadas às Organizações Globo: a NET (em associação com a Telmex, mexicana) e a Sky (em associação com a DirecTV, americana). É o que os especialistas chamam de “oligopólio convergente”.
O quadro abaixo, com dados para novembro de 2010, revela uma participação de mercado de 69,2% para a NET e a Sky juntas.
No site da News Corporation constam alguns dos canais nossos conhecidos: Fox Movie, Fox News, Fox Sports, FX, Nat Geo Wild, National Geographic, Speed, Star, dentre outros (ver aqui).
Os assinantes da NET e/ou da SKY, qualquer que seja o pacote que escolham – e que de fato assistam –, estarão sempre comprando e pagando canais da News Corporation, vale dizer, da Fox. Basta verificar os diferentes pacotes que estão disponíveis para venda: NET e/ou Sky.
No caso da NET, o que ela comercializa é o chamado “triple play”, isto é, uma “oferta conjunta de serviços de TV por assinatura, Internet banda larga e voz transmitidos por um único cabo”.Isso dificulta, ainda mais, a escolha individual de canais por parte do assinante. Quem faz o pacote não é ele, é a operadora.
Sem regulação
Na verdade, boicotar a Fox no Brasil significa boicotar a Sky e a NET – vale dizer, o “oligopólio convergente” da TV por assinatura – ou a Globo. O setor de televisão paga constitui uma cadeia produtiva extremamente complexa, composta de pelo menos cinco elos (produção de audiovisual, programação de canais, agenciamento de compra de canais, franqueamento e distribuição), que escapa ao alcance da legislação existente, fragmentada e superada. Escapa também do eventual controle tanto da Anatel quanto do Ministério das Comunicações e, de certa forma, também do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Além de todas essas circunstâncias, há ainda outras. Um exemplo: no país do futebol, como boicotar o “oligopólio convergente” que detém os direitos de transmissão dos campeonatos brasileiros de futebol da primeira e da segunda divisão?
Como se vê, as possibilidades concretas de boicote dos produtos da Fox, por parte do cidadão, são bastante reduzidas. Até que tenhamos um marco regulatório que, por meio de mecanismos democráticos adequados, permita à sociedade exercer seu direito de defesa diante dos oligopólios de mídia divorciados do interesse público e estimuladores da intolerância e da violência política, não há muito que se possa fazer.
Apesar da santa indignação e do boicote sugerido por Alberto Dines.
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[Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, entre outros, de Regulação das Comunicações – História, Poder e Direitos, Editora Paulus, 2011]