Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Depois da queda (2)

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Em 04 de abril de 2012, logo após as primeiras denúncias envolvendo o então senador Demóstenes Torres, escrevi e divulguei, pela internet, um texto intitulado “Demóstenes Torres depois da queda”. Neste texto eu dizia, entre outras coisas, que “o discurso que [Demóstenes]adotou de defensor da ética e da moralidade na vida pública, isto é, a imagem que construiu de si mesmo e que, imagino, alicerçou sua carreira política até esta data, ao ser desfeita atingiu-o de tal maneira que hoje é impossível juntar os cacos: Ou muito me engano ou o goiano Demóstenes morreu para a política”. Como para me desmentir, já no dia seguinte o hoje ex-senador goiano pronunciou, mais ou menos como se nada tivesse acontecido, um discurso sobre um tema que não me lembro, mas que nada tinha a ver com seu envolvimento com Carlinhos Cachoeira.

Evidentemente ficou nisso, isto é, este discurso foi o último canto do cisne do tal “Mosqueteiro da Ética e da Moralidade Pública”, conforme o definiam as páginas da revista Veja. Mas, também ao contrário do que eu, na minha ingenuidade, imaginava, Demóstenes não jogou a toalha, mas usou e abusou de seu jus esperniandi, tendo contratado um dos mais caros advogados de Brasília, conhecido pelo apelido de Kakai, para tentar manter seu mandato de senador. Nos últimos dias antes da cassação pronunciou oito patéticos discursos alegando inocência. Mesmo depois de cassado, anunciou, ontem mesmo (12/7) pelo Twitter, que recorrerá ao STF para anular a decisão do Senado Federal.

Oinferno são os outros

Quando a gente sofre uma queda, enquanto o corpo está quente, quase não sentimos dores. Quando a coisa esfria é que podemos avaliar melhor os ferimentos. Demóstenes Torres está entrando, rapidamente, nesta fase… Em dez ou quinze dias, até menos, sairá completamente do foco do noticiário e, entregue a si mesmo, terá que encarar a dura realidade de uma reputação destruída.

Assessores (?) do parlamentar garantem que ele, em poucos dias, retomará suas atividades como promotor de Justiça de Goiás. Não sei se é verdade mas não tenho dúvidas : o seu inferno astral mal começou.

Por mais cínico e amoral que ele seja, mesmo sem ser psicólogo, arrisco-me a dizer que ele quebrou, para sempre, o espelho, isto é, que nunca mais as pessoas olharão para ele e verão a imagem-máscara que, zelosamente e durante anos, moldou para uso próprio Esta desconstrução da imagem – a máscara caiu de fato – é um dado de realidade, não havendo nenhuma chance de superação do trauma sofrido. Mais do que para qualquer outra pessoa, Demóstenes vai dar razão a Sartre: o inferno são os outros!

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Veja o que escrevi em 04 de abril de 2012

Demóstenes Torres depois da queda

De há muito as palavras “político” e “corrupto” tornaram-se sinônimas para os brasileiros. Ontem mesmo, li numa pesquisa realizada por um site, só não me lembro qual, que 52% dos consultados, que podiam responder se consideram que o senador Demóstenes Torres é um bandido, optaram por considerá-lo “um político como qualquer outro”.

De meu ponto de vista, porém, há uma diferença fundamental entre o senador e o conceito que, comumente, se faz de um político. O discurso que adotou de defensor da ética e da moralidade na vida pública, isto é, a imagem que construiu de si mesmo e que, imagino, alicerçou sua carreira política até esta data, ao ser desfeita atingiu-o de tal maneira que hoje é impossível juntar os cacos: ou muito me engano ou o goiano Demóstenes morreu para a política.

Paulo Maluf e os finados Ademar de Barros e Orestes Quércia sempre foram considerados exemplares da corrupção e nem isso por deixaram de ter o seu eleitorado cativo. Ademar imortalizou o slogan “rouba mas faz” (do qual Maluf também se apropriou) e só não conseguiu ser presidente da República. Dizem que chegou a ser o homem mais rico do Brasil.

Um futuro trágico

Como disse, posso estar errado, mas o mesmo povo que admite a rapinagem do dinheiro público (afinal, muitos raciocinam, este dinheiro não é de ninguém e outros, ainda, completam: “se eu estivesse lá faria a mesma coisa”) não tolera ser enganado. Dizem que a Cachoeira vai molhar muita gente e eu não duvido, mas ninguém da forma tão cabal como o senador Demóstenes Torres. Ela vai enlamear-lhe a alma!

Aqui eu abdico de qualquer análise político-partidária para pensar, exclusivamente, no homem que restará, depois da queda. Desconheço os mínimos detalhes da vida do, ainda, “Sua Excelência”. Ignoro se é casado, se tem filhos, onde mora e quem são seus vizinhos e amigos. Qual a imagem que este cidadão terá passado às pessoas com quem convive diariamente? Será que vai encarar a todos que nele acreditaram quando vendia a imagem de palatino da moralidade, reserva moral da nação?

Minha péssima memória só me permite lembrar do fato, não do nome do pobre sujeito. Mas, certamente, não será difícil recuperar o nome dele. Era um jovem nissei – creio, até, que de menor idade – que conheci durante a ocupação da Faculdade de Filosofia da rua Maria Antonia nos idos de 1968. Pouco depois soube que havia aderido a uma organização clandestina (seria a Var Palmares?) e figurava em cartazes de procura-se distribuídos pelo Doi-Codi. Passado um outro período, não muito longo, eu creio, e o rapaz, arrependido, segundo alegava, entregou-se à polícia política disposto a com ela colaborar em troca de anistia. Traíra, portanto, seus companheiros de luta armada. Algum tempo depois a revista Veja noticiou o seu suicídio após anos de depressão profunda. Lembrei-me disso porque não vislumbro um futuro menos trágico para o homem Demóstenes que disso emergirá. Carlos Cachoeira, anuncia-se, contratou, por dezessete milhões de reais, os serviços do advogado Marcio Thomaz Bastos. Vai continuar agindo como contraventor. Já o Torres…

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[Joca Oeiras é jornalista]