Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

FHC e a questão das drogas

Entre as grandes polêmicas do nosso tempo, os debates sobre o consumo de maconha são, certamente, um dos mais acalorados. De um lado estão os setores mais conservadores, decisivamente contrários à liberação do uso da erva. Do outro lado, os setores mais libertários, que defendem, de modo não menos enfático, a sua legalização.

Nos últimos anos, a ideia de que a proibição talvez não seja a melhor maneira de lidar com os prováveis malefícios causados pelo consumo de maconha tem ganhado cada vez mais consistência. Nessa perspectiva, podemos citar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como uma das personalidades públicas que defendem a necessidade de um novo debate sobre a questão das drogas. No domingo (12/8), Fernando Henrique apresentou algumas de suas opiniões sobre o tema ao programa É Notícia, exibido pela Rede TV!. “No Brasil, há uma hipocrisia. Na verdade, a maconha aqui é livre e tem um canal de acesso péssimo, que são os traficantes. Um estudante entra em contato com o traficante, que pode induzi-lo a passar da maconha para uma droga ainda pior. A gente tem que regular esta questão”, afirmou o ex-presidente ao apresentador Kennedy Alencar.

Ainda segundo Fernando Henrique, “a visão predominante até agora [resolver a questão das drogas pela violência] não funciona. Todas as drogas fazem mal, sem exceção, inclusive a maconha. Então não pode ser livre também. Legalizar não quer dizer ter livre acesso. Tem que ser regulado, com campanhas para mostrar o mal que faz. Tem que ampliar o serviço de saúde porque a maconha, em excesso, tem efeitos negativos que demandam tratamento médico”.

Óbitos associados à proibição

De acordo com o relatório divulgado pela Comissão Global sobre Política de Drogas (presidida pelo próprio Fernando Henrique Cardoso), “a guerra global contra as drogas fracassou, com consequências devastadoras para indivíduos e sociedades pelo mundo afora”. Desse modo, a comissão internacional propõe a legalização da maconha e outras drogas como forma de enfraquecer o crime organizado.

Por outro lado, a guerra contra as drogas também é utilizada para escamotear as intervenções estadunidenses em outros países (Plano Colômbia, Iniciativa Mérida), para a ocupação militar das favelas brasileiras e para a repressão policial contra jovens pobres (principalmente negros).

Em suma, a realidade nos mostra que a guerra contra as drogas não surtiu o efeito esperado. Não diminuiu o número de usuários e, em contrapartida, contribuiu peremptoriamente para o crescimento da violência. É fácil constatar que os óbitos associados à maconha estão relacionados à sua proibição, e não ao seu consumo.

Posição lúcida

Não obstante, está demonstrado cientificamente que a maconha é menos letal do que várias drogas lícitas. Desse modo, é no mínimo controverso permitir o consumo de tabaco ou álcool, por exemplo, e reprimir o uso de maconha.

Em última instância, é um crime ambiental determinar arbitrariamente que a cannabis sativa, vegetal que está no planeta há mais tempo que o ser humano, tenha cerceado seu direito à existência.

Portanto, a posição de Fernando Henrique Cardoso, ao propor que a questão das drogas seja tratada como caso de saúde e não de polícia, mostra-se extremamente lúcida. Pode não ser a solução, mas pelo menos enseja a possibilidade de se debater um tema demasiadamente polêmico e complexo.

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[Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de História e Geografia em Barbacena, MG]