Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A SIP e a liberdade de expressão

Neste mês de outubro realizou-se em São Paulo a 68ª. assembleia-geral da Sociedade Interamericana de Imprensa – SIP. Mantida e liderada pelas maiores empresas de comunicação do continente, a entidade apresenta-se como organização que tem por missão a defesa liberdade de expressão nas três Américas. No decorrer dos cinco dias de evento, destacaram-se exposições de associados que externaram demasiada preocupação em relação a países como Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina. Prevaleceu a visão de que os governos de tais nações têm promovido políticas públicas que intimidam a atividade autônoma dos meios de comunicação, o que ameaçaria a vigência da liberdade de expressão e, por consequência, a própria estabilidade democrática no continente.

O governo brasileiro também foi lembrado. Pelo fato de o país ser presidido por uma filiada a partido político que defende a regulação da mídia, o Brasil foi inserido como potencial caso de intimidação do direito à palavra por políticas governamentais – ainda que não concretizadas, ao menos por ora.

O que se vê é que se estabeleceu uma relação de absoluta incompatibilidade entre a atividade estatal sobre os meios de comunicação e a vigência do direito à palavra. Trata-se de uma repetição do velho discurso liberal reinante desde o século 19, quando a América Latina, nos seus primeiros anos de autonomia política, testemunhou o surgimento de uma imprensa amadora e independente, que, mesmo a duras penas, procurava sobreviver frente à atuação censora estatal.

Liberdade para todos

O problema é que a adoção desse discurso em pleno século 21 não considera a realidade do vigente capitalismo globalizado. Nos dias atuais, preponderam os meios de comunicação racionalmente organizados e controlados por reduzidos grupos empresariais, detentores do poder de pautar, com quase exclusividade, os principais debates travados no espaço público dos respectivos países.

As políticas de comunicação criticadas pelos associados da SIP nos países acima citados objetivam justamente equilibrar o poder dos oligopólios midiáticos. São casos como a promulgação, em 2009, da Ley de Medios, da Argentina, que, dentre outras providências, determinou a divisão igualitária das concessões de radiodifusão entre a iniciativa privada, o Estado e a sociedade civil; são casos também como os da criação de empresas públicas ou estatais de comunicação no Equador, na Venezuela, na Bolívia e, ainda que mais timidamente, no Brasil (este, via instituição da Empresa Brasil de Comunicação).

Medidas oficiais, como as criticadas pela SIP, são aptas a promover, portanto, a divulgação plural de ideias frente ao monopólio da palavra empresarial. Isto, em benefício da liberdade de expressão, direito pertencente não a reduzido número de proprietários de corporações midiáticas, mas a todos os cidadãos, a quem cabe, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, “a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (artigo XIX).

Oligopólio dos meios de comunicação

Confirma o que aqui se diz o fato de tais políticas não estarem intimidando os empresários das comunicações. Pelo contrário, a mídia privada dos citados países continua a propagar livremente as ideias dos opositores dos atuais governos, inclusive por intermédio de propagandas golpistas – caso da Venezuela em 2002, por ocasião da derrubada do presidente Hugo Chávez.

Eis a principal lição deixada pela 68a Assembleia-Geral da SIP: as discussões promovidas pela grande mídia acerca da vigência da liberdade de expressão desconsideram a estrutura oligopolista dos meios de comunicação, realidade que, nos dias atuais, configura o mais grave obstáculo à plena efetivação do direito. Daí a necessidade de se receber as críticas a qualquer política de comunicação social, como as que são veiculadas diariamente pelas empresas midiáticas, com as devidas reservas.

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[André Augusto Salvador Bezerra é mestre em Direito pela Universidade de São Paulo, juiz de Direito e membro da Associação Juízes para a Democracia]