Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Novos temas para a discussão

A 68ª assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), realizada em São Paulo, em outubro, discutiu tradicionais temas envolvendo a liberdade de imprensa e outros relativamente mais recentes, segundo a cobertura jornalística dos meios de comunicação.

Dentre os temas tradicionais, a censura e o embate entre o direito de informação e o direito à privacidade, como sempre, não poderiam faltar a uma boa discussão – e já renderiam celeuma suficiente. Quanto à censura, cuidou-se da censura política, especialmente na Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina, que apresentariam doses diferentes de truculência ou de refinamento, mas teriam o mesmo objetivo de cercear a atividade informativa.

Tratou-se, também, da censura judicial, exemplificando-se com o Brasil e, especificamente, com o caso do jornal O Estado de S. Paulo. Para bem discuti-lo, contudo, conviria muito estabelecer um debate mais plural e amplo do que aquele que se costuma travar.

Censura é instituto do Direito Canônico que significa tanto uma pena atribuída à pessoa que o transgrediu como a proibição imposta a obras que o contrariem. No campo jurídico, censura é uma ação de governo, decorrente de um poder político caracterizado por um modelo autoritário, despótico, centralizador, insindicável – imune, na prática, a qualquer tipo de controle por qualquer outro poder.

A censura consiste em ato de ofício do poder público, é normalmente imotivada, é irrecorrível e não se submete a uma pauta prévia do que deve ser censurado. Por isso que o Judiciário não censura: simplesmente age provocado por alguém que demonstre ser merecedor de proteção constitucional ou legal, de modo fundamentado e amplamente recorrível.

Tese temerária

Passando aos temas relativamente novos discutidos na assembleia da SIP, destaca-se o esforço, no Brasil, para federalizar os crimes praticados contra jornalistas. Convém contribuir com a discussão indagando se a medida é eficaz para o fim pretendido. Pense, o leitor, numa cidade do interior que conheça ou que costume frequentar e tente lembrar onde se situa a delegacia de polícia ou o fórum; agora pense se essa cidade tem delegacia federal e fórum federal; finalmente responda se, se nessa cidade tivesse ocorrido um homicídio contra um jornalista, quais daquelas instituições teriam mais presteza para chegar ao local, para colher provas, para investigá-los e para deter em flagrante o possível autor?

Ou seja, a proposta desconhece as circunstâncias de que a Polícia Federal já tem uma enorme atribuição, especialmente por zelar pelas fronteiras desse imenso país, e que a Justiça Federal não está presente em todas as comarcas, como a Justiça Estadual, tanto que as eleições – atribuição da Justiça Federal – são presididas por juízes estaduais.

De qualquer modo, a federalização poderá ocorrer, sem necessidade de qualquer outra providência legislativa. A Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu no artigo 109, da Constituição, o inciso V-A, submetendo à competência da Justiça Federal as causas que caracterizem grave violação de direitos humanos. Nesse caso, o procurador-geral da República suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

Outro tema relativamente novo é a preocupação com a possibilidade concreta de órgãos de comunicação estrangeiros criarem sites dirigidos por estrangeiros tendo como conteúdo noticiário nacional. A Constituição brasileira exige que os meios de comunicação sejam de propriedade de brasileiro nato ou naturalizado há mais de 10 anos, ou pessoa jurídica brasileira, bem como limita em 30% participação de capital estrangeiro em empresas jornalísticas. Além disso, a direção editorial deve ser de brasileiro nato ou naturalizado há mais de 10 anos. Tais limitações se aplicam igualmente aos sites de notícias, ainda que tais empresas pretendam sustentar que, por estarem operando pela internet a partir de outro país, a Constituição brasileira não se aplica, tese que, além de temerária, revela acentuada arrogância.

Mais atenção

Um outro tema novíssimo é a possibilidade de proteção autoral das matérias produzidas pelos veículos de comunicação quando tais matérias forem utilizadas por provedores ou buscadores de conteúdo na internet. Pensa-se num modelo de remuneração, aos meios de comunicação, pelas matérias veiculadas. Esses dois últimos tópicos revelam uma face relativamente recente no intenso debate acerca do direito de informar. Tradicionalmente, o embate se dava entre o poder público e os agentes informativos. Agora se configura, também, entre os próprios agentes.

Dois temas importantes, pertinentes ao Brasil, mas cuja discussão também ocorre em outros países, não mereceram um debate mais específico na assembleia. Um já é conhecido e diz respeito ao artigo 20 do Código Civil, que permite uma acentuada e desarrazoada restrição do direito de informação, para além do que permite a Constituição, e que é objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade. O outro é o aumento das penas, até o dobro, nos crimes contra a honra, se cometido pelo meio jornalístico, conforme prevê o anteprojeto de Código Penal recentemente concluído e encaminhado ao Senado. Em alguns casos, afastar-se-á, inclusive, a caracterização de tais crimes como de menor potencial ofensivo, agravando, sobremodo, a repressão penal.

Ambos os temas mereciam não só painéis próprios, mas a preocupação explícita da comunidade dos agentes informativos, do Brasil e dos demais países da América.

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[Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho é desembargador aposentado do TJRJ, coordenador geral de Direito da Universidade Gama Filho, pós-doutor pela Universidade de Coimbra, doutor pela UERJ e mestre pela PUC-RJ]