Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Sob o reinado da euforia “tsunâmica”

Há muito, um tema me ocupa e preocupa-me: a sedimentação de um modelo cultural sob cujo manto “protetor” uma geração tanto tem encontrado abrigo quanto alimento. Dúvida, não a tenho, quanto a quem são os agentes promotores: de um lado, a mídia (impressa e eletrônica) como propagadora e vitrine desse paradigma cultural; de outro, as incessantes ofertas de “ferramentas comunicacionais”, oriundas das mais novas tecnologias da informação. Que aspectos, portanto, esse modelo contém?

Antes, porém, de propor uma diagnose atual, cabe uma questão preliminar, no tocante ao significado de ser jovem, principalmente a partir da segunda metade do século 20, passados os horrores das duas guerras mundiais. “Beat generation”, nos EUA, existencialistas se espalhando pela Europa, rock, maior liberação nos costumes, rebeliões estudantis… Enfim, uma gama infinda de experiências inovadoras. Ser jovem é ter a clareza de tratar-se de uma fase curta da vida na qual o elenco de descobertas é maior que o leque de obrigações e compromissos. É esse quadro que, em tempos atuais, não se manifesta.

Da alegria à euforia

Se, por um lado, permanece o grau de liberdade maior que o de obrigações; por outro, constata-se a abertura da liberdade cada vez mais impregnada pela “padronização” de um modelo midiático, reforçado por apelos tecnológicos. O efeito, na vida de milhares de jovens, é a construção de um olhar estreito, pouco indagativo. Daí deriva a necessidade de injetar, na vida, um plus, como forma de recusa à mesmice e à reprodução. O modelo atual não oferece alegria. Ele incita excitação e euforia. Sem perceber, o jovem, refém do padrão instituído, promove uma “troca impossível” – para usar um conceito de Jean Baudrillard, em um de seus livros com igual título. Aliás, é dessa obra que extraio uma frase: “O real não tem mais força de signo e o signo não tem mais força de sentido” (p.11). É nessa vivência de esvaziamento utópico (a falta de signo) e vacuidade subjetiva (ausência de sentido) que o jovem sai em busca de “tela quente”, de efeitos especiais, de extravagâncias exacerbadas, para além do limite da sensatez.

É na febre desenfreada por emoções, diferentes da repetição, que ocorrem tragédias (individuais e/ou coletivas). Sim, não se troca, impunemente, a alegria pela euforia. A primeira é produtiva e fixa-se na memória; a segunda é corrosiva e esvai-se. A alegria, se vivida em plenitude, se torna perene; já o estado de euforia é movido por uma fome voraz e feroz até a indigestão.

O que, então, aqui, ponho em questão é o modo como têm atuado os meios de comunicação quanto ao que exibem e “vendem” como “divino” e “maravilhoso”. Os agentes da difusão faturam duplamente: seja quando expõem seus produtos, seja quando centenas de jovens encontram a desgraça criada pela efusividade midiática. Ainda, sob o respaldo do pensamento de Jean Baudrillard, arrisco afirmar que na cultura da “troca possível”, a realidade tinha o contraponto da fantasia, gerando uma tensão vigorosa. No mundo da “troca impossível”, há a convergência do real com o virtual: o real como simulacro e o virtual como simulação; portanto, não há troca possível entre o vazio e o vazio.

Sim, uma “euforia tsunâmica”, há muito, encontrou terreno fértil, entre nós. Ela ainda haverá de produzir consequências catastróficas: o esporte, até 2016, tem uma agenda pródiga. Nela, há os que, fartamente, faturarão; outros amargarão perdas irreparáveis. Bem, como encerramento, “saudemos” o “novo” presidente do egrégio Congresso Nacional. Com todos os antecedentes, creio estarmos bem “representados”. É mais uma bela lição de “ética” ensinada aos jovens desse país. À beira do desfecho, recorro a outra afirmação de Baudrillard: “A maioria está condenada a uma vida de comoção patética” (p.137). A “euforia tsunâmica”, também, passa por Brasília. Não é?

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[Ivo Lucchesi é ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ)]