Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Impressões de uma visita

Trabalhar em prol dos idosos; evitar o abandono, o trabalho e a prostituição infantil; bem como, combater as doenças que matam crianças e velhos em todo o mundo são prioridades do regime socialista cubano, apesar da persistência do insensato bloqueio econômico americano. Pena que a blogueira Yoani Sánchez e seus “religiosos” seguidores não tenham coragem de admitir. Li o seu pouco convincente livro (Generación “Y”) e nele não observei nenhum comentário a respeito de estatísticas positivas, nem dos malefícios do bloqueio. Ela esqueceu também de falar do elevado IDH cubano (0,863 – maior que brasileiro) – indice calculado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para medir o padrão de desenvolvimento humano. No caso cubano, a despeito de algumas óbvias discrepâncias provocadas pelo isolamento econômico patrocinado pelos EUA, prevalece mais a distribuição equilibrada de renda e a garantia de educação, saúde e parte do suprimento alimentar para a população; do que a consumo desenfreado e a concentração absurda de renda que ocorre em nosso próprio país.

Do ponto de vista ambiental pode-se dizer que Cuba dá bons exemplos para os modelos de sustentabilidade, já que não há produtos supérfluos, nem apologia dos mesmos. Os gastos são até exageradamente limitados para que as metas dos programas sociais sejam atingidas.

A questão da liberdade de expressão aos poucos está sendo equacionada. Errada ou não, esta foi a medida encontrada pelas autoridades cubanas para enfrentar o imenso poder de comunicação dos americanos e os anticastristas cubanos de Miami; e assim consolidar os indiscutíveis ganhos sociais, que hoje servem de exemplo para diversos países, inclusive para ressentidos políticos conservadores norte-americanos e a imprensa abertamente manipuladora de poderosas nações capitalistas, que fingem não enxergar o óbvio. Nessas nações, alguns políticos, imbuídos de “alto espírito altruísta”, acabam negligenciando o socialismo de Estado para locupletarem-se descaradamente. Ou seja, discordam da criação e consolidação de programas sociais em prol de indivíduos e/ou comunidades menos favorecida para a obtenção de privilégios e de vantagens pessoais. Não ficam, por exemplo, nem um pouco constrangidos com nepotismos, tráfico de influência, sonegação de impostos etc. Exemplos assim não faltam.

Por mais bem-intencionadas que sejam as ideias de blogueira cubana, sob o seu ponto de vista, creio que ela está equivocada e tem escolhido o alvo errado. Ao invés de atacar o governo de seu país ela tinha que fazer campanha para o fim do embargo econômico e lutar por melhorias internas partindo dessa premissa básica, em consonância com a decisão da 21ª Assembleia Geral da ONU (novembro de 2012) que condenou veementemente o embargo. Esta, sim, deveria ser a sua estratégia. O embargo é, e sempre foi nos últimos 50 anos, o maior problema enfrentado pelos moradores dessa adorável ilha caribenha. Com o seu fim e a continuidade das medidas socialistas, das quais nem ela nem os cubanos querem abrir mão, Cuba consolidaria ainda mais o atual modelo de bem-estar social comum, com as gradações devidas; atingiria o ápice do padrão de vida mundial, em bases simples e sustentáveis; e, consequentemente, derrubaria todas as teses capitalistas hoje prevalecentes. Muitos jornalistas e economistas de plantão em todo o mundo teriam que rasgar os seus diplomas.

Impressões distorcidas

Já fui a Havana duas vezes (Congressos de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, promovido pela Agência Cubana de Meio Ambiente) e percebi que apenas uma minoria da população pensa como Yoani Sánchez, e mesmo assim com ressalvas. Cheguei à conclusão de que Cuba é um país especial. Querendo ou não, é um laboratório vivo de experiências de lutas diárias para gerar renda e manter os ganhos sociais. Logo, todos os esforços plausíveis podem e devem ser aperfeiçoados, mas nunca destruídos com retóricas contraditórias, na origem. Vide o imenso tamanho do telhado de vidro da maioria que faz as críticas.

Como dica de leitura, caso desejem conhecer, de fato, a história da ilha, recomendo duas publicações: Cuba: Uma Nova história, de Richard Gott (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006) e Os Últimos Soldados da Guerra Fria, do escritor brasileiro Fernando Morais(1ª edição, 2011 – Companhia das Letras). Ambos são excelentes para abrir a mente e o coração de quem não sabe e/ou desconhece completamente o que significa enfrentar diariamente a realidade do cruel bloqueio econômico, imposto pelo EUA, que afeta toda a população. Só mesmo um povo com muita garra e perseverança para sobreviver a quase 50 anos discriminação política e econômica. Leiam, especialmente, os sacrifícios enfrentados pelos cubanos durante o chamado período especial, no início da década de 1990.

É claro que Cuba não é paraíso socialista e tem problemas como qualquer país, ainda mais dispondo de recursos naturais limitados. Entretanto, é inconcebível deixar de admirar um povo que transformou um país que tinha mais de 30% de analfabetos no início da década de 1960 numa nação que é, atualmente, referência mundial: na medicina, na música, no cinema, nas práticas esportivas e em outras áreas importantes do conhecimento, mantendo a soberania e a defesa intransigente dos seus ideais revolucionários, com o apoio da maioria da população.

Penso que esse conjunto de informações positivas tem, indubitavelmente, mais peso efetivo do que as opiniões desta ilustre blogueira cubana. O mérito de seu trabalho limita-se tão-somente à descrição de problemas normais que acontecem no cotidiano da ilha. Nada além disso. Quem se delicia com as suas, às vezes, inconsistentes explanações, como não podia deixar de ser, são os anticastristas de Miami – respectivamente, os protagonistas e o cenário do excelente livro de Fernando Morais, que merece ser lido imediatamente. Quem sabe assim, as opiniões contrárias ao socialismo cubano fiquem menos ácidas e desprovidas de ódio, aparentemente, gratuito, sem motivo justo. Por fim, evitem ler artigos publicados pela revista Veja que reúne um elenco invejável de ilustres réplicas de Yoani Sánchez, travestidos de jornalistas. Formar opinião com base no relato dessas pessoas pode, com certeza, gerar impressões bastante destorcidas e negativamente tendenciosas da realidade.

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Luiz Carlos Sérvulo de Aquino é engenheiro florestal